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terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Princípios vencidos - Alon Feuerwerker

A política costuma montar armadilhas para os políticos, lato sensu, que constroem a trajetória com base em princípios absolutos
Em algum momento, geralmente quando o político ou seu grupo ascendem a posições de poder, esses princípios são capturados no redemoinho das disputas políticas, e o princípio antes férreo acaba pintado com as cores da seletividade e da hipocrisia.

Esse roteiro é especialmente frequente entre os autoproclamados defensores dos direitos humanos. E do estado de direito.  
Nesses casos, é sempre útil fazer o teste definitivo. 
Quando estiver diante de um defensor dos direitos humanos, ou do devido processo legal, verifique se ele os defende também para os inimigos, e não apenas para os aliados.


Se o teste der negativo, você estará diante de um produto vencido.

Mas nem todo produto vencido está estragado. Mesmo ao custo de ver desvestida a hipocrisia, mesmo a nudez do rei estando visível, o estratagema pode perfeitamente funcionar. 
Acontece quando a hipocrisia e a seletividade entram em consonância com os desejos, ódios ou preconceitos das massas, e essas deformidades do espírito transformam-se em força material.
 
O mecanismo tem aplicabilidade quase universal. Na política externa, quando interessa, invoca-se o direito das nações à autodeterminação. Em outros casos, prevalece a exigência externa de que o país siga religiosamente os direitos humanos e certos modelos de democracia preestabelecidos.

Outro princípio é a exigência da solução pacífica dos conflitos. Mais um teste que nunca falha. 
Quando o político levanta a justa bandeira da paz, verifique se ele faz isso também quando o lado que ele apoia numa guerra está em vantagem, quando existe a possibilidade real de o conflito ser resolvido favoravelmente pela força das armas.

Nesses casos, o mais comum é o pacifista indignado transmutar-se rapidamente em defensor do direito à autodefesa, ou à rebelião.

Mas tudo tem um outro lado. A hipocrisia e a seletividade características da política abrem o mercado de oportunidades para os grilos falantes que se dedicam a exigir coerência.
Para o que foi dito ontem continuar valendo hoje. E estará completo o elenco do teatro político. Mesmo os espetáculos de qualidade duvidosa atrairão público.

E estará garantido o meio de vida dos profissionais do ramo.

Quando é que o equilíbrio entra em risco? Uma situação clássica é quando a vida das massas se deteriora e o governante, de tantas máscaras vestidas e desvestidas, de tanto dizer algo e seu contrário, torna-se um desconhecido grotesco e perde a condição de liderar.  Outra é quando alterações ambientais provocam o extermínio em massa dos grilos falantes.

Sempre uma tentação para o poder.

A combinação das duas circunstâncias costuma ser fatal. Aí aparecem os relâmpagos em céu azul, e tudo que é sólido se desmancha no ar. 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político 

 

domingo, 30 de outubro de 2022

A máquina da desinformação - Percival Puggina

Pela portaria, mosquito não passa. Há, porém, uma entrada lateral para elefantes. Intimidar o queixoso é prática recorrente no TSE. Na sociedade da informação, desinformar é tarefa comum e universal.

 

Tem sido assim ao longo dos últimos meses no pleito brasileiro. Agora, no estágio final, a equipe de Bolsonaro encaminhou a derradeira denúncia: a não divulgação de um número alarmante de veiculações publicitárias em rádio e TV. 
A reação imediata do xerife da eleição foi tratar o fato com a habitual animosidade. 
Disse que a reclamação poderia constituir crime. E as provas? 
No dia seguinte, as provas caíram sobre sua mesa.  
O que fez Alexandre de Moraes? Afirmou que não era assunto dele. A ele interessava – vejam só! – saber, imediatamente, quanto custou e de onde veio o dinheiro para fazer a auditoria que produziu aquelas provas!

Valha-me Deus! É isso que chamam “estado de direito”? É assim que se faz a “defesa da democracia”?

Onde estão os observadores internacionais? Sete deles integram as Missões de Observação Eleitoral (MOEs) Internacional e observam o sistema sob o ponto de vista técnico (urnas, votação, transmissão, totalização, etc.). O maior número, porém, observa o sistema como um todo. São, na maioria, instituições políticas, culturais e de ensino interessadas em conhecer e avaliar a qualidade da democracia brasileira.

Eles, portanto, estão vendo o que a velha imprensa relata e não relata. Estão presenciando a mais manipulada de nossas eleições: a prática da intimidação e da censura, a conduta militante padronizada do jornalismo, o fato de o tribunal exigir que um dos candidatos, não por acaso o da esquerda, seja tratado pela corrente oposta como se não tivesse passado, nem amizades, nem relações internacionais sobejamente conhecidas. O que dizem esses observadores? Nada!

Não observam que no homogêneo oceano de uniformidades que é o jornalismo nacional, há quatro anos alinhado à oposição, estão sob censura e intimidação uns poucos veículos que atuam com sucesso no ambiente digital como reduto do pluralismo e qualidade, como Jovem Pan, Brasil Paralelo, Revista Oeste, Gazeta do Povo?  

Ninguém sabe, ninguém viu a tesoura que desabou sobre dezenas, se não centenas de influenciadores digitais, encerrando páginas, perfis, canais e microempresas individuais. 

 Percival Puggina - Conservadores e Liberais


sábado, 30 de julho de 2022

'Carta aos Brasileiros' omite mal que corrupção faz à democracia - Carlos Alberto Sardenberg

Apontar o dedo para essa prática danosa não é embaraçoso apenas para o PT. Atinge um amplo espectro de lideranças

Num de seus últimos votos antes de se aposentar do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello escreveu:— O fato inquestionável é que a corrupção deforma o sentido republicano da prática política, afeta a integridade dos valores que informam e dão significado à própria ideia de República, frustra a consolidação das instituições, compromete a execução de políticas públicas em áreas sensíveis como as da saúde, da educação, da segurança pública e do próprio desenvolvimento do país, além de vulnerar o princípio democrático.

Entretanto não há uma palavra sequer sobre corrupção na nova “Carta aos Brasileiros”, a ser lida no dia 11 de agosto na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo. Celso de Mello, que se formou naquela escola, deverá ser o porta-voz do documento.Se ele está certo no seu voto, como acreditamos que está, há aí uma contradição. A corrupção não é “apenas” uma questão moral, mas política, social e econômica. Sua prática destrói fundamentos da democracia. Logo, a condenação à roubalheira do dinheiro público deveria constar num manifesto em defesa do Estado Democrático de Direito. [importante lembrar o interesse maior de grande parte - não a totalidade devido alguns terem assinado por impulso, por teres sido  - é trazer o maior corrupto do Brasil, em todos os tempos, de volta a cena do crime (a frase é de autoria do candidato a vice do maior corrupto, assim deve saber o que fala) = ele foi descondenado, NÃO FOI inocentado.]

Há, entretanto, argumentos para que esse tema não apareça. O principal: a defesa da democracia e do sistema eleitoral é universal e, portanto, não partidária. Logo, um documento centrado nesse princípio pode receber o apoio das diversas correntes políticas, como está ocorrendo.

Na prática, porém, a Carta é contra o presidente Bolsonaro. Óbvio. É ele que vem ameaçando a democracia, no geral, e o sistema eleitoral brasileiro, em particular. Por isso, mesmo que o nome de Bolsonaro não tenha sido citado na Carta, parece claro que nenhum bolsonarista vai assiná-la. O autoritarismo, o pleito pró-ditadura está na essência do bolsonarismo.[no Brasil é fácil acusar o presidente Bolsonaro e seu milhões e milhões de apoiadores (e eleitores) de atos antidemocráticos = qualquer comentário que não se enquadre no maldito politicamente correto do establishment, especialmente quando proferido por um bolsonarista,  é ato antidemocrático. 
A propósito,  o Brasil além das jabuticabas,  das justiças eleitoral e trabalhista, da prisão preventiva com características de perpétua, possui também uma democracia ímpar, que para ser  preservada precisa ser destruída, pois no processo de preservação, principios democráticos são violados.]

Vai daí que o documento favorece Lula — tanto que já foi assinado por partidários do ex-presidente. [inclusive o Alckmin, candidato a vice do Lula,  que proferiu a já famosa frase em relação aos que votarem em Lula: querem trazer o criminoso de volta à cena do crime.] E que não o fariam se ali constassem menções, ainda que indiretas, sobre os dois maiores episódios de corrupção que abalaram a democracia: o mensalão e o petrolão.

De novo, faz sentido argumentar que a questão do momento é defesa da eleição e das urnas. Está certo, e é importante essa ampla movimentação da sociedade civil. Então, por que estamos colocando o tema da corrupção? Não é para estragar a festa, mas para tentar deixar em evidência uma questão que parece banalizada.

A última pesquisa Datafolha registra que 73% dos entrevistados acham que há corrupção no governo Bolsonaro. [vamos aguardar pesquisas amplas e o inicio para valer da campanha.  
Não esqueçamos que antes mesmo de tomar posse no cargo máximo do Brasil, que tentam - sem sucesso - impor a pecha de corrupto, de ladrão em Bolsonaro, seus familiares e até auxiliares.  
Alguém em sã consciência acredita que se houvesse provas de corrupção praticada por Bolsonaro, seus familiares e auxiliares diretos, Bolsonaro já teria sido impedido, derrubado, preso e seus auxiliares estariam encarcerados.] apontar o dedo para essa prática danosa não é embaraçoso apenas para o PT. Atinge um amplo espectro de lideranças políticas — a maioria absoluta das quais tem escapado da cadeia com incrível facilidade.[o que além de embaraçar os petistas tem impedido o descondenado de ir as ruas, por estar sendo obrigado a evitar o povo - exceto em plateia selecionadas e formadas por convertidos.É ele quem mais embaraça o 'perda total'.].

O problema está aí. Na mesma pesquisa Datafolha, a corrupção aparece, digamos, como um problema menor, atrás de saúde, economia, desemprego, fome, inflação. De novo, faz sentido: estão aí os problemas que afligem o dia a dia da população.

Outras pesquisas mostram que os brasileiros, na maioria, sabem da Operação Lava-Jato, sabem que Lula foi preso e que suas condenações foram anuladas. No mínimo, há dúvidas quanto a sua inocência.

Mas isso não parece ser argumento para tirar votos do ex-presidente. Como os bolsonaristas não se afastam de seu líder quando percebem a corrupção no atual governo.

Banalizou. Se todo mundo rouba, qual é o problema? Nesse ponto, os lulistas dizem mesmo que seu líder foi especialmente perseguido. Por que só ele foi em cana?
Lembram-se de um personagem de Jô Soares que era sempre apanhado pela Receita?
Tentava se defender com os argumentos mais ridículos, e engraçados, mas sempre terminando com o mesmo mote: “Só eu? E os outros?”.
Assim caímos no “rouba, mas faz”, da velha política.

Trata-se de enorme equívoco. Como mostram estudos coordenados pela professora Maria Cristina Pinotti, a corrupção reduz a eficiência da economia, tolhe o crescimento, aumenta a desigualdade e bloqueia as boas políticas sociais. [a volta do descondenado à cena do crime trará de volta todas as mazelas destacadas e outras não citadas.] Acrescente aí o voto de Celso de Mello, e temos a conclusão completa: a corrupção mata a economia e derruba a democracia.

É essencial compreender isso, se queremos um país desenvolvido.

 Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo -
30 de julho de 2022

 


sábado, 12 de março de 2022

A EDUCAÇÃO PELO AVESSO - Percival Puggina

Levantamento realizado pelo instituto Orbis com exclusividade para o site Diário do Poder revela que mais de 75% dos brasileiros são contrários à política de cotas raciais em concursos públicos, vestibulares etc. No total, 15,4% se dizem contra qualquer tipo de cota e outros 59,4% são especificamente contra as cotas raciais, mas a favor de cotas sociais, “pois somos um país miscigenado” e devemos “ter cotas e dar preferência para os mais pobres, independentemente da cor.” Apenas 25,2% dos entrevistados são totalmente favoráveis às políticas de cotas raciais como “reparação histórica perante a escravatura”. (Diário do Poder, 09/03)

Quando o STF, em 2012, reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais (assisti à reunião inteira), os ministros falaram muito mais sobre Sociologia, História do Brasil, Antropologia e Política do que sobre a Constituição. No que a ela pudesse importar, seguiram o voto do relator, ministro Lewandowski. Foi um legítimoTodos apoiamos a causa, constitucionalize aí, por obséquio”.

Eu acompanhava atentamente a sessão. Era inevitável que, em algum momento, o relator interrompesse o discurso e abrisse a Carta da República”, onde encontraria coisas como a igualdade de todos perante a lei e o preceito (quase universal no mundo civilizado) de que ninguém será discriminado, entre outras coisas, por motivo de raça. Como sairia o ministro da enrascada? Lewandowski, então, afirmou que um sistema de cotas raciais precisava ser transitório, temporário, devendo viger até que desaparecesse a situação que lhe dava causa... Não sendo assim, seria inconstitucional. Traduzido em miúdos, o conta-gotas funcionará até que o lago seque.

Mesmo tomando em conta haver uma efetiva desigualdade natural entre os indivíduos, as desigualdades sociais em meio às quais vivemos excedem, em muito, o tolerável! Nosso índice Gini (que mede a distribuição da renda nos países) é comparável ao das sociedades com desenvolvimento mais retardado. Chega a ser disparate alguém observar o Brasil nessa perspectiva e deduzir que o mal está no acesso às universidades públicas. Não está! É na base do sistema de ensino, no bê-á-bá da cadeia produtiva da Educação, que ele se aloja e opera.

Só os gênios ideologizados que regem de fato a Educação nacional não sabem o que acontece no mundo do mau emprego, do subemprego e do desemprego. Ali, onde é árduo o trabalho e baixo o salário, para cada graduado de cor negra que recebe seu diploma no último andar do sistema, dezenas de crianças estão entrando pelo térreo para padecer as mesmas deficiências que inspiraram a ideia das cotas.

Invisível ao conta-gotas racial percebido nos atos de formatura, há um imenso lago de hidrelétrica de alunos negros e pobres, recebendo o precário tipo de educação que a nação fornece a seus alunos pobres e negros. E ninguém vê isso? De nada nos servem os tantos bons exemplos de outros povos que superaram desigualdades internas maiores do que as nossas e emergiram como potências no cenário industrial e tecnológico, através de um bom sistema de ensino?

Ano após ano, as políticas de desenvolvimento social via universidade têm feito o quê? Reproduzem a estúpida estrutura, tão do agrado da elite brasileira: um bacharelado, um canudo, um título, uma festa de formatura. E está resolvido o problema dos pobres. Até parece ideia de rico de novela.

Saiba mais, lendo: Lei de Cotas acaba em 2022

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 22 de junho de 2021

A busca do pretexto - Merval Pereira

O Globo

Voto impresso 

Já há como checar as urnas eletrônicas, Bolsonaro só quer pretexto para gerar convulsão social

À medida que vão crescendo os indícios de que o presidente Bolsonaro chegará muito fragilizado à eleição presidencial do ano que vem, vão se multiplicando seus atos tresloucados. A CPI da Covid está chegando perto de uma possível negociata em torno da compra de vacinas e cloroquina,  e Bolsonaro reage. É tresloucado um presidente da República de país democrático advertir publicamente que uma “convulsão social” poderá ocorrer se uma de suas vontades não for satisfeita, a aprovação do voto impresso.

Mais claro que isso, só a chantagem implícita na sua advertência. Bolsonaro não está preocupado com a “convulsão social”, mas está criando um clima político favorável a sua eclosão. Faz parte desse projeto de golpe a tentativa de desacreditar os meios de comunicação que não se curvam ao dinheiro do governo ou a suas ameaças.

Como não pode desmentir o êxito das manifestações oposicionistas em todo o país no sábado, Bolsonaro parte para a ignorância, enquanto financia com verbas da União nas redes sociais a disseminação de notícias falsas. [as imagens divulgadas por algumas emissoras pró inimigos do Brasil, ou mostravam imagens panorâmicas - que impediam  precisar o que estava sendo mostrado - ou então closes, em que algumas pessoas ocupavam a tela, deixando a impressão de que por trás delas havia uma multidão.] Não há lógica em exigir que exista um papel registrando os votos de cada urna, quando já existem várias etapas de auditagem do voto eletrônico, como tem explicado exaustivamente o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além de todas as sete etapas iniciais de checagem, em que diversas organizações representativas da sociedade civil são chamadas a acompanhar — OAB, universidades, Ministério Público, partidos políticos, Congresso —, existe uma oitava auditoria a que o processo eleitoral é submetido. Como o ministro Barroso explicou recentemente no Congresso, “ o que acontece se alguém quiser conferir os votos?”.

“Isso é possível e simples. Em 2003, foi criado o registro digital do voto (RDV), que preserva o voto digitado pelo eleitor na urna, sem violar o sigilo. O RDV é a versão digital da antiga urna de lona em que os votos eram depositados. Após a eleição, qualquer partido ou interessado pode solicitar ao TSE, no prazo de 100 (cem) dias, o registro digital do voto para fazer sua recontagem, de forma automatizada, com seus softwares particulares. Esse é, assim, mais um mecanismo de auditoria, que permite a contagem eletrônica de votos (o que evita erros humanos na contagem manual) e assegura que ninguém violará o sigilo do voto de cada eleitor. Se o partido quiser, pode até imprimir esse registro. Aliás, todos os arquivos gerados pela urna podem ser solicitados para conferência.”

[o que se quer é simples, visível por olhos humanos e palpável por mãos humanas; 
o que se quer é que o eleitor ao votar em JAIR BOLSONARO, seu  o voto seja computado exatamente para JAIR BOLSONARO, não deixando espaço para que aquele voto seja computado para o candidato 'Raposão';  
e a única forma segura é que os votos sejam impressos, o sistema ao tempo que registra por via digital o voto para o JAIR também imprime (no papel) aquele voto para JAIR. Na hora de se proceder uma auditoria, se no 'boletim de urna'  consta que JAIR  teve 150 votos e 'Raposão' 20 votos, é obrigatório a existência  no coletor dos votos impressos (preso com lacre à urna) 150 VOTOS IMPRESSOS para JAIR e 10 VOTOS IMPRESSOS para o 'Raposão'.
A checagem pelo RDV é utilizar um meio digital para checar outro meio digital. 
Outro ponto que causa estranheza é o prazo de 100 dias, para solicitar ao TSE a recontagem. 
É um prazo que deixa claro que não esperam solicitação de  recontagem, visto que em 100 dias os  candidatos eleitos  já estarão exercendo os mandatos. 
Imagine que o segundo turno para presidente da República ocorra no final do mês de outubro e em 65 dias o presidente eleito é empossado - alguns dias após a posse, uns 20 dias = 65 + 20 = 85, dentro dos cem dias, um partideco qualquer resolve pedir a recontagem dos votos e seja comprovada fraude. Retirar o presidente empossado há 20 dias???]

Como se vê, já há um mecanismo para a checagem das urnas eletrônicas, só não há a possibilidade de fraudar a eleição como acontecia na época das cédulas de papel. O que o então presidente Donald Trump fez na eleição dos Estados Unidos, alegando uma falsa fraude na contagem dos votos, Bolsonaro faz antecipadamente, preparando sua “invasão ao Capitólio” caso perca a eleição. A alegação de que é preciso armar a população para que ela se defenda de governantes ditatoriais vai ganhando configuração perigosa quando se vê o trabalho contínuo de Bolsonaro para desmoralizar as instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF), que podem barrar suas pretensões ilegítimas.

A partir da Constituição de 1988, tornou-se cláusula pétrea o voto “direto, secreto, universal e periódico”, o que significa que a aprovação do voto impresso seria impossível, mesmo que aprovado pelo Congresso.[O Congresso Nacional tem plenos poderes para convocar plebiscito e este referendar a convocação de uma Assembleia Constituinte - que pode modificar 'cláusula pétrea'.
 A cláusula pétrea impede sua alteração por PEC. Convenhamos que seria algo impensável, até mesmo no Brasil, o Congresso Nacional, que representa o Povo =  Poder Constituinte originário = não ter poderes para modificar o texto constitucional.
Além do mais do alto da nossa notória falta de saber jurídico, o voto impresso não quebra o sigilo, visto que o voto continua secreto.]

Se a alegação para o registro em papel é a possibilidade de conferência da votação nas urnas, já existe o registro digital do voto. Se verdadeira a desconfiança de que o sistema de votação eletrônica pode ser adulterado, contra nosso conhecimento empírico de 25 anos, não há por que imaginar que uma tira de papel saída desse mesmo sistema não possa ser também adulterada. Tudo são pretextos para o objetivo final, perpetuar-se no poder. Isso vindo de alguém que se elegeu, entre outras coisas que já abandonou, como o combate à corrupção, com a promessa de acabar com a reeleição. [o velho e bom papel é, em determinadas situações, mais confiável do que o meio digital - os que pensam diferente, nos obrigar a ser recorrentes e lembrar que 'hackers' conseguiram paralisar um importante oleoduto nos Estados Unidos.]

Merval Pereira, jornalista - O Globo


sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

A vacina do Natal - Luiz Carlos Azedo

Nas Entrelinhas -  Correio Braziliense

Sim, os mais fortes sobreviverão. E por que não os mais fracos? É para isso que serve a medicina. Fé e confiança na ciência, por isso, são o melhor remédio contra a desesperança

Talvez esse seja o pior Natal de nossas vidas, em termos sociais, é claro, porque a experiência de vida de cada um é que determina a avaliação. Festa que congrega a família, confraterniza os amigos, dissemina amor e solidariedade, neste ano, a data magna do cristianismo, que é comemorada por todas as religiões ecumênicas, está sendo marcada pela maior tragédia humanitária já vista por nossas gerações, desde a Segunda Guerra Mundial. Aqui no Brasil, só não é maior por causa do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), público e universal, apesar de um presidente da República que, com seu negativismo, no combate à crise sanitária, sabota seu povo, seu governo e, em última instância, a si próprio.

Entretanto, é Natal. Os miseráveis, os enfermos, os condenados, todos sem exceção, de alguma forma, são acarinhados com votos de esperança e compaixão. Os poetas, os cantores, os cronistas, todos que podem espalhar amor e esperança se encarregam de fazer chegar sua mensagem àqueles que estão na pior. 
De igual maneira, os trabalhadores dos serviços essenciais, de plantão, mesmo privados da convivência com suas respectivas famílias, com sua labuta, principalmente os cientistas e o pessoal da saúde, mandam o recado: confiem, estamos cuidando de vocês.  
A magia do Natal é uma enorme força transformadora da sociedade, no sentido civilizatório, mesmo agnósticos e ateus devem reconhecê-lo.

A propósito, o biólogo evolucionista Richard Dawkins, no livro O Gene egoísta, publicado em 1976, sua obra-prima, tenta explicar a evolução biológica ao mostrar como certas moléculas replicadoras (ancestrais dos genes) poderiam ter evoluído de modo a formar as primeiras células e, a partir daí, todos os seres vivos existentes. O microscópico encontro de um vírus com uma bactéria, por exemplo, é um grande evento histórico da criação, que se reproduz na natureza a todo instante e provoca mutações genéticas. A covid-19 é fruto desse fenômeno.

Dawkins tentar explicar o problema profundo de nossa existência ao sugerir que os organismos vivos são sofisticadas máquinas de sobrevivência, eficientemente moldadas pelo processo de evolução para promover a replicação sexuada dos genes nelas contidos. Entretanto, essa abordagem levanta sérios questionamentos filosóficos. Seremos meros replicadores de genes, controlados por eles. Onde entra a consciência? Dawkins afirma que genes não têm vontades próprias ou valores morais. Aqueles genes que apresentam um comportamento que seria visto como egoísta pelos seres humanos são os que se mantêm representados dentro dos genomas das espécies, ao longo do processo evolutivo, com o passar dos anos e milênios. O altruísmo seria uma estratégia de sobrevivência, principalmente nos seres humanos.

Eugenia
Genes são polímeros químicos de fósforo e carbono, associados a uma molécula de açúcar e bases nitrogenadas, encapsulados em duas fitas reversas e complementares; ou seja, genes são codificados em moléculas de DNA. Dawkins sugere uma forma de seleção natural darwiniana na qual as moléculas quimicamente mais estáveis perduravam — enquanto aquelas mais instáveis eram destruídas. A evolução sempre dependeu da adaptação, uma molécula mais estável é mais adaptada ao universo em que vivemos. Assim como existe luta pela sobrevivência na sociedade humana, existe, também, num ambiente molecular.

Hoje, sabemos que os replicadores que sobreviveram foram aqueles que construíram as máquinas de sobrevivência mais eficazes para morarem; aqueles que foram menos aptos não deixaram descendentes. Cerca de 4 bilhões de anos depois, Dawkins explica: “Com certeza, eles não morreram, pois são antigos mestres na arte da sobrevivência. (…) Eles estão em mim e em você. Eles nos criaram, corpo e mente. E sua preservação é a razão última de nossa existência. Transformaram-se, esses replicadores. Agora, eles recebem o nome de genes e nós (todos os organismos vivos) somos suas máquinas de sobrevivência.”

O gene passa de corpo em corpo através das gerações, manipulando as máquinas de sobrevivência por meio de instruções escritas em linguagem digital (A, C, T e G), abandonando tais corpos mortais na medida que eles vão ficando senis e duplicando-se em sua prole. As instruções dizem basicamente: copie-me, ou seja, viva e reproduza. A reprodução é o processo de cópia dos genes, é o processo que os mantém vivos ao longo dos tempos. Socialmente falando, porém, essa eugenia (seleção de certos genótipos para a reprodução em lugar de outros) é totalmente inaceitável. Lembra as teorias de superioridade ariana e o Holocausto.

Sim, os mais fortes sobreviverão. E por que não os mais fracos? É para isso que serve a medicina. A postura do presidente Jair Bolsonaro em relação à pandemia do novo coronavírus — “a melhor vacina é pegar o vírus” — é um inaceitável darwinismo social. Fé e confiança na ciência, por isso, são o melhor remédio contra a desesperança. Que venham as vacinas contra a covid-19. 

Feliz Natal!

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense

 

domingo, 25 de outubro de 2020

Vacina x cloroquina - Estadão

J.R. Guzzo

Os dois lados dizem que não existe nada de 'político' em suas posições. Mas é mentira.

A pergunta que mais interessa ao público pagante neste debate sobre a vacina contra a covid-19, ou talvez a única pergunta que realmente interessa, é a que menos está sendo feita: a vacina chinesa que o governo do Estado de São Paulo quer aplicar na população e que o governo federal não quer, é ou não é eficaz contra a infecção? A troca de desaforos, de um lado e do outro, está carregada de som, fúria e cólera – mas de ciência médica, que é bom, tem aparecido muito pouco. É um desastre que as coisas tenham chegado aí, mas é perfeitamente natural. Desde o começo da epidemia a discussão vem sendo assim: política em primeiro lugar, ciência depois. Não é agora que iria mudar. 

Como em tantas outras questões que a covid-19 trouxe durante os últimos oito meses, o ponto essencial da discórdia em torno da vacina chinesa, essa Coronavac” que veio parar na boca de cena do debate, é o seguinte: de que lado está o presidente Jair Bolsonaro? Não é um jeito sério de se chegar à conclusão nenhuma sobre a natureza de qualquer remédio da farmacologia universal, mas aí é que está: na vida real é disso, e apenas disso, que se trata. Funciona na mão e na contramão. Bolsonaro é a favor da cloroquina; então, para todos os que não gostam dele, a cloroquina não serve para nada – os mais radicais, inclusive, acham melhor tomar uma dose dupla de formicida. Bolsonaro é contra a “Coronavac”; então a vacina chinesa não apenas é ótima, mas deveria ser obrigatória. 

Os dois lados, naturalmente, dizem que não existe nada de “político” em suas posições sobre uma e outra coisa – e também sobre o “distanciamento social”, o uso de máscara na praia ou o horário de funcionamento das revendas de colchões. Mas é mentira; disso, pelo menos, o cidadão pode ter certeza. Também não adianta muita coisa perguntar para os médicos. A verdade, tristemente, é que eles não sabem sobre a covid-19, hoje, muito mais do que sabiam no dia 1.º de janeiro e a sua reação natural é repetir o que recomenda a média dos “protocolos” em vigência no momento. Confiar no que diz o médico, em suma, tornou-se problemático – mesmo porque muitos deles esqueceram a ciência e se transformaram em torcida política. 

A questão-chave sobre a “Coronavac” envolve uma das palavras de melhor reputação no dicionário social em uso no momento – “transparência”, virtude exigida com o máximo rigor dos homens públicos, dos departamentos de marketing das empresas e do VAR nos jogos de futebol. Então: qual é a verdadeira transparência da vacina chinesa que está dividindo Bolsonaro e o governador João Doria? É isso o que a população precisa saber. 
O desenvolvimento da vacina nos laboratórios da China foi monitorado, pela observação livre das pesquisas, por cientistas internacionais independentes? 
Quantos países de primeiro mundo, com um histórico consistente de sucesso na pesquisa médica, já adotaram a Coronavac? 
Há cerca de uma dezena de vacinas sendo trabalhadas hoje por universidades e por laboratórios farmacêuticos que estão aí há mais de 100 anos, nos Estados Unidos e na Europa. Como elas se comparam, do ponto de vista puramente científico, com a vacina chinesa? 
Em vez disso, discute-se com paixão se está certo adotar uma vacina que vem, selada e lacrada, de uma ditadura – ou, ao contrário, se a adoção vai ajudar as exportações para a China
A vacina dá voto ou tira voto? 
Que tal mais um impeachment? 
O que querem as “redes sociais”? 
O que informa o Ibope? 
Bolsonaro e Doria não saberiam dizer o que é um Melhoral – mas estão no comando de um debate vital para a saúde pública do Brasil. Está na cara que não pode dar certo.

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo

quarta-feira, 25 de março de 2020

Mandetta, não renuncie! - O Globo

Por Ruth de Aquino

Não reaja à provocação da família Bolsonaro! Mantenha-se firme no Ministério da Saúde, mantenha as orientações alinhadas à OMS e ao mundo da ciência, dos médicos e das autoridades sanitárias! O constrangimento é do Planalto e não seu. O senhor goza de grande popularidade na população, que precisa de ministros assim, articulados e técnicos, nesse momento de extrema gravidade, emergência e calamidade. Um período de guerra, admitido pelos grandes líderes mundiais.

Não coloque o orgulho político acima das necessidades da população. Imagine o risco de esse presidente nomear para a pasta mais importante  agora, a da Saúde, um ministro incompetente como os outros, um Weintraub da vida, que está defendendo a reabertura das escolas. Não abandone o Brasil, senhor Mandetta! Continue a ser a voz da sensatez, mantenha-se firme, e nem precisa denunciar abertamente a voz da irresponsabilidade e da prepotência. Só precisa continuar a agir como antes. Ignore o ignorante. Confine o presidente a seu próprio isolamento. Achate a arrogância.

Fique descansado, o Brasil sabe muito bem que o senhor reprova a atitude e o pronunciamento desonesto do atual chefe da nação. O fato de o senhor insistir em continuar ministro, sem bater de frente, não joga sua reputação na lixeira (ao contrário do que gente bem ou mal intencionada tem insinuado em redes sociais). Sua reputação, ministro, só será manchada se o senhor concordar publicamente com as palavras do presidente, se endossar os delírios bolsonaristas. Sabemos bem quem irá para a lixeira da História.

Imagine o senhor se voluntariar a sair - e o chefe da nação colocar um pastor em seu lugar na Saúde, imagine um ministro que diga em rede nacional que só Jesus salva e que manterá escolas abertas assim como as igrejas evangélicas da Universal. Há prefeitos crentes que estão espalhando que quem acredita em Deus não fica doente. Como no município de Duque de Caxias. Pastores assim (não todos) querem só seu dízimo e não estão nem aí para a saúde dos fiéis. Orar com fé é um ato solitário. Ninguém precisa de ninguém mandar você exorcizar seus demônios. Aglomerações não garantem o exercício e a expressão da fé.
Não torne as coisas mais confortáveis para Bolsonaro, senhor Mandetta.

Fique na linha de frente, contribuindo para impedir uma explosão de vítimas e mortos como está acontecendo na Itália, na Espanha e nos Estados Unidos, países que minimizaram a força do contágio, a agressividade do vírus, no início da pandemia. Porque colocaram outros interesses à frente da medicina e da ciência ou porque simplesmente não se cuidaram a tempo. Nós temos os bons e maus exemplos a nossa frente. Bolsonaro precisa ficar com o ônus de ter um ministro na Saúde que discorde dele. O Brasil precisa confinar seu presidente à irrelevância. Senão, estaremos perdidos.

Ruth de Aquino, jornalista - O Globo


quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Disciplina militar - Folha de S. Paulo

Hélio Schwartsman

É especialmente na infância e na juventude que as pessoas devem ser livres para experimentar

Antes mesmo de o programa do governo federal de militarização de escolas públicas engrenar, a moda se espalhou e fincou raízes Brasil afora. Como mostrou reportagem da Folha, só na Bahia já são 83 as instituições que adotaram esse modelo, em que a parte pedagógica da escola segue sob comando de professores, mas policiais militares aposentados recebem um ordenado complementar para cuidar das questões disciplinares.

Para mim, o tipo de disciplina imposto aos alunos, com continências, uniformes, padrões para corte de cabelo e maquiagem, além da vigilância extrema, é um cenário de pesadelo. É especialmente na infância e na juventude que as pessoas devem ser livres para experimentar. É claro que escolas precisam de um pouco de ordem para funcionar, mas não penso que seja necessário convocar militares para estabelecê-la. Um bom diretor é em tese capaz de fazê-lo. 
[o ilustre articulista esquece que um bom diretor poderia até ser capaz de manter a disciplina nas escolas - nos meus tempos de ginásio isto era possível e, provavelmente, nos tempos do colunista, mas, agora as coisas estão mudadas.
Se o diretor resolve agir com energia e o aluno, ou alunos, decide (m) pelo confronto, o diretor corre o risco de ser espancado - ainda que o rebelde seja só um, outros a ele se juntarão para enfrentar o diretor;
optando o diretor pela expulsão é quase certo que haverá retaliação por parte do punido - as vezes apoiados por familiares e até mesmo por parentes, ou os próprios pais.
O policial resolve o assunto e o aluno, ou mesmo familiares, quase sempre se curvam ao decidido pela escola - polícia sempre é polícia.
Continência é apenas uma forma de cumprimento e a disciplina ensina os alunos a obedecer, respeitar e ter senso de hierarquia, de cumprir ordens, ficam imbuidos do sentimento que o importante é cumprir a missão, custe o que custar.
A prova que a militarização das escolas veio para crescer e expandir-se é que em Brasília já temos escolas particulares, militarizadas e houve aumento dos alunos, da disciplina e do próprio aproveitamento escolar.] 

Também me parece preocupante que muitas dessas escolas exijam que o aluno arque com o custo das fardas, quando não pedem uma contribuição voluntária às famílias. Isso, aliás, explica parte dos tão propalados efeitos acadêmicos positivos da militarização. A correlação entre renda e performance educacional é conhecida e robusta. Assim, um modo eficaz para melhorar o desempenho de uma instituição é aumentar suas mensalidades, excluindo os alunos mais pobres. Não sou, contudo, um xiita. Não pretendo que as minhas preferências pessoais sejam universalizáveis. Quem gosta de uma educação mais rígida e vê valor no corte escovinha deve ter a opção de matricular seus filhos num colégio com essas características.

O que me incomoda é a proliferação dessas instituições, pois cada escola militarizada significa uma escola normal a menos. [se uma escola para ser normal precisa oferecer espaço para a indisciplina, para o desrespeito aos professores e funcionários, aguma coisa está errada, e muito, em nossa Pátra Amada Brasil.] E sou daqueles que pensam que o ensino público básico deve ser universal, gratuito, civil, laico e, dada a impossibilidade da neutralidade, tão plural quanto possível.

Hélio Schwartsman - Folha de S. Paulo

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Privilegiados, uni-vos! Denis Lerrer Rosenfield

Qual é o tipo de esquerda que se alinha com os privilegiados de funções públicas e abandona os que não usufruem os mesmos privilégios? [óbvio que a brasileira; 

tão incompetente que ainda não descobriu,  depois da surra que o presidente Bolsonaro lhe aplicou nas eleições passadas, que rumo tomar.

Vale destacar que a esquerda sempre foi pusilânime, após a surra mais covarde ficou.]

A reforma da Previdência terminou, no campo da esquerda, por provocar desalinhamentos entre os seus membros, com deputados se demarcando da posição de seus respectivos partidos, sobretudo no PSB e no PDT, com PT, PSOL e PCdoB mantendo a fidelidade de seus parlamentares. Os primeiros mostraram uma salutar desavença interna, os últimos mantiveram-se firmes em suas origens leninistas, em suas várias vertentes.



Contudo, para além do problema partidário de ordem conjuntural, com ameaças de punições e expulsões, lideradas por chefões partidários fazendo o seu teatrinho, existe uma questão de monta, concernente ao que significa ser de esquerda. Ou seja, qual é o tipo de esquerda que se alinha com os privilegiados de funções públicas e abandona os que não usufruem os mesmos privilégios? Será que a mensagem da esquerda brasileira – e para além dela – é uma mensagem particularista, corporativa?


A mensagem da esquerda, em sua vertente marxista, era efetivamente universal. Estava voltada para a emancipação da classe trabalhadora, naquele então denominada proletária, e, por intermédio dela, da humanidade. A defesa dos proletários se faria por sua libertação das amarras do capitalismo, instituindo um tipo de sociedade cuja característica central seria a igualdade em todos os níveis, sem nenhum tipo de particularismo, nem de interesse particular.



Para o presente propósito, não cabe a discussão sobre a exequibilidade ou não dessa proposta, mas tão somente ressaltar sua universalidade, sem a qual ela se torna claramente ininteligível. A contraposição principal se estabelecia em relação aos burgueses, que deveriam ser eliminados ou, em sua versão mais branda, tornados iguais. Não se tratava, na posição marxista, de defender os interesses corporativos de funcionários públicos em detrimento dos outros trabalhadores.



Em linguagem corrente: não tem cabimento político, nem moral, que os trabalhadores comuns, com ganhos pequenos, financiem o regime dos funcionários públicos, mediante aposentadorias precoces, integralidade de seus vencimentos e paridade, entre outros benefícios. Seria a própria mensagem da esquerda que estaria sendo traída, em proveito de um punhado de privilegiados, que se arvoram, hipocritamente, em defensores dos “direitos sociais”, como se fossem os direitos de todos os trabalhadores.



Os deputados rebeldes têm, dentre outros méritos, o de terem resgatado uma mensagem de cunho universal, abandonando o corporativismo e o particularismo de seus respectivos partidos. Os que não se rebelaram ficaram atados à usurpação ideológica. Pensaram eles na sociedade como um todo, não no caráter restritivo da conjuntura partidária. Partido, em sua definição, defende uma parte, porém devendo integrá-la ao interesse coletivo, sem o qual cai nas armadilhas do corporativismo e do fisiologismo. A pauta previdenciária é uma pauta da sociedade e do Estado, não apenas dos partidos políticos. Não se trata de ser a favor ou contra o governo, mas de ser ou não a favor da coletividade, do bem maior. O cálculo meramente partidário é particular, restrito às suas lideranças e a seus interesses. Não tem nenhuma dimensão social.



Do ponto de vista da esquerda em geral, a mensagem dos rebeldes foi de renovação, de sacudida das carcaças partidárias. Pensaram no todo, e não na parte; no coletivo, e não no particular. Apesar das incompreensões de seu gesto, estão proclamando por um reposicionamento da esquerda e de seus respectivos programas. Democracias contemporâneas dependem de uma esquerda moderna e plural. Dependem de uma esquerda que pense os desafios do mundo atual, acompanhando as enormes mudanças políticas, econômicas, sociais, culturais, tecnológicas e científicas das últimas décadas, que transformaram a face da humanidade. Pense-se no conceito marxista e positivista de proletário, para melhor aquilatarmos a grande transformação. Perdeu seu significado, quanto mais não seja, porque o mundo mudou. O que tinha a esquerda a propor na reforma da Previdência? Além do não dogmático, voltado para a defesa dos privilegiados e de suas corporações, tinha algo a dizer? Não poderia ter apresentado uma proposta mais universal do que aquela que, após laboriosas negociações, foi finalmente aprovada em primeira votação? Não teria sido o momento de a esquerda dizer não aos privilegiados e sim aos trabalhadores em geral?



Em vez disso, optou por abandonar os trabalhadores, refugiando-se numa suposta fidelidade partidária e doutrinária. Ora, é precisamente essa doutrina que está em questão. Ela não responde ao espírito do tempo, funciona como óculos às avessas, que só vêm para dentro, retirando-se do exterior. O PT continua firme em suas posições esquerdizantes, à sua origem leninista, apesar de seu namoro com a social-democracia no primeiro governo Lula. O PCdoB e o PSOL seguem na mesma linha dogmática. O PSB tem também um programa partidário de cunho marxistizante, cuja leitura remete a uma peça de ficção política, própria de outro tempo. O PDT, originário do antigo PTB, por sua vez, é fruto de outra concepção, oriunda do trabalhismo inglês e, nesse sentido, já não segue a orientação leninista, algo próprio, então, dos comunistas ingleses. Historicamente, correspondem ambos os partidos a uma primeira versão da social-democracia no País, embora tampouco tenham seguido o caminho da modernização. Haveria aí uma proximidade com os tucanos, com a atual social-democracia brasileira, por terem fontes comuns.



Os debates da reforma da Previdência, extremamente pobres na perspectiva das esquerdas, mostraram os impasses de uma modernização necessária, mas claudicante e já atrasada. O seu dilema poderia ser assim traduzido: O “proletários de todo o mundo, uni-vos!” tornou-se “privilegiados, uni-vos!”. Triste destino!



Opinião - O Estado de S. Paulo - Denis Lerrer Rosenfield - Professor de filosofia na Ufgrs 

domingo, 2 de outubro de 2016

'REONERAR' a Previdência e o DILEMA DA SAÚDE

Provável alternativa para governo não estourar teto é 'reonerar' Previdência

De onde vai sair o dinheiro para o governo não bater a cabeça no "teto" em 2017? O "teto", como se sabe, é o congelamento das despesas federais a partir do ano que vem. Mesmo que a receita cresça, a despesa estará limitada. É difícil imaginar alternativa que não seja o fim de boa parte das "desonerações" previdenciárias (redução das contribuições das empresas para o INSS). Na prática, trata-se de um cancelamento de despesa.

É difícil de imaginar alternativa, admite-se também no governo. Tanto que os estudos para as "reonerações" já estão em curso, como adiantou esta Folha na segunda-feira.  As muitas dúvidas e as opções limitadas de ação ficaram mais evidentes com o balanço das contas federais de dois terços do ano, divulgado ontem. Há dois aumentos de despesas praticamente contratados e grandes para o ano que vem: Previdência e reajustes já concedidos para o funcionalismo.

Em um ano, as despesas da Previdência aumentaram cerca de R$ 26 bilhões (em termos reais, descontada a inflação; despesa acumulada nos 12 meses contados até agosto). Seria temerário imaginar crescimento menor no ano que vem. Em 2017, paga-se parte dos reajustes dos servidores federais. A depender do que sair para o Judiciário, o aumento de despesa fica entre R$ 20 bilhões e R$ 24 bilhões.  O governo, porém, deve contar com uma folga. O limite da despesa deve aumentar no ano que vem. Pela regra do "teto", a despesa pode crescer apenas no ritmo da inflação do ano anterior (em termos reais, pois, não cresce). Mas a inflação de 2017 deve ser menor que a de 2016, o que deve permitir um gasto adicional de 2,6%.
Em dinheiro, isso deve dar um extra de uns R$ 30 bilhões. Não cobre a explosão dos gastos da Previdência e a despesa extra com o funcionalismo, entre uns R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões a mais.  Note-se que se está tratando aqui apenas de despesa, não de deficits. A receita da Previdência pode crescer, com o arrefecimento da recessão. Assim, o deficit pode talvez cair. Mas o problema é a limitação geral da despesa: se a despesa previdenciária cresce, outro gasto precisa ser arrochado.  Onde vai ser o arrocho, nem tão grande assim, dado o tamanho do desastre fiscal brasileiro? Investimento em "obras"? Anda pela casa de parcos R$ 46 bilhões ao ano, sendo um terço disso para o programa Minha Casa, Minha Vida.

Por falar em deficit, o governo de qualquer modo ainda tem uma meta de deficit primário (receita menos despesa, afora gastos com juros), além de em tese ter de cumprir o "teto".  A despesa estaria congelada, mas qual será a receita? Até agosto, estava caindo ao ritmo de 7,2% ao ano; em dinheiro, quase R$ 86 bilhões, três Bolsas Família. Caso não venha um milagre do crescimento da receita, no mesmo ritmo da alta do PIB estimada para 2017, não haverá alternativa a aumento de imposto.  Nota, memorando: o deficit previdenciário (INSS) está em R$ 133,4 bilhões ao ano. Faz um ano, era de R$ 76,5 bilhões. Em agosto de 2013, de R$ 58,9 bilhões (dados ajustados para a inflação). A explosão atômica além da conta normalmente explosiva normal se deve à recessão. A despesa do INSS leva 41% do gasto federal total.

 
Por:  Vinicius Torres Freire - Folha de São Paulo

O dilema da saúde

Existem situações em que o administrador público sempre perde. O caso clássico é o do bebê doente que precisa de um remédio de alto custo não coberto pelo sistema de saúde. Se o gestor segue as regras e nega o tratamento, será visto como um monstro insensível à dor da família. Se, por outro lado, ele autoriza a compra do fármaco, será censurado por ter agido de forma antirrepublicana, passando por cima dos interesses de um número muito maior de pacientes que não padecem de moléstias midiáticas.

É bem esse o dilema dos ministros do STF que julgam a chamada judicialização da saúde. Serão criticados por qualquer decisão que tomem. Ou estarão privando alguns doentes com nome, rosto e história do direito à saúde, ou estarão agindo de forma fiscalmente irresponsável, o que, ao fim e ao cabo, também resulta em subtrair direitos vitais a um um conjunto anônimo de pacientes.

O fato de não haver como o tomador da decisão ficar bem na foto não significa que não exista uma decisão certa. Por mais difícil que seja fazê-lo, agentes que atuam em nome do Estado precisam despir-se de todas as emoções e preferências e pautar suas escolhas pelo princípio utilitarista do "maior bem para o maior número de pessoas", permanecendo deliberadamente cegos para a identidade dos indivíduos envolvidos.

Na prática, penso que os ministros precisam, sim, limitar a possibilidade de pacientes conseguirem na Justiça acesso a tratamentos não previstos no SUS, que deve permanecer universal, isto é, prestando os atendimentos a todos, sejam eles ricos ou pobres. O que os magistrados poderiam cobrar do Ministério da Saúde é que desenvolva um mecanismo para avaliar rapidamente a incorporação de novos medicamentos e terapias ao SUS, segundo critérios transparentes de custo e benefício. Existe hoje toda uma família de ferramentas estatísticas, como Qaly, Daly e Haly, que ajudam nessas decisões.


Fonte:  Hélio Schwartsman - Folha de São Paulo