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segunda-feira, 4 de julho de 2016

Após colaborarem com a Justiça, condenados na Lava-Jato cumprem pena em espaços luxuosos



Delatores têm quadras de tênis e piscinas à disposição em condomínios
Longe da superlotação e do desconforto, uma casa de quatro quartos, pintada em tom sóbrio, entre o vermelho e o marrom, é o cárcere de um ex-executivo daquela que já foi a maior empresa brasileira em valor de mercado. Ali perto, dentro do mesmo condomínio reservado em Itaipava, na Região Serrana do Rio, quadras de tênis, baias para cavalos, um clube, dois restaurantes um exclusivo para proprietários e seus convidados — e seguranças circulando vinte quatro horas compõem a infraestrutura, considerada a melhor entre os empreendimentos da área.

Preso na natureza. O condomínio onde mora Paulo Roberto Costa ocupa 3,5 milhões de metros quadrados - Marco Grillo / Marco Grillo

Em busca de discrição, Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e primeiro delator da Operação Lava-Jato, não é visto com a frequência de antes, mas pode circular de segunda a sexta, entre 6h e 20h — o regime semiaberto exige recolhimento nos fins de semana. Na vizinhança — 180 casas ocupam os 3,5 milhões de metros quadrados da área total —, um imóvel com mil metros quadrados de área construída está à venda por R$ 14 milhões. Outras propriedades disponíveis para compra oscilam entre R$ 2,5 milhões e R$ 7,5 milhões nenhuma casa pode ser inferior a 200 metros quadrados, por determinação da convenção.  — O único problema de morar aqui é que a Polícia Federal aparece de vez em quando — ironiza um morador.

Paulo Roberto é um dos 56 executivos, operadores, empresários e políticos que já firmaram acordos de delação premiada. Ele inaugurou a série de colaborações, em 2014, e provocou uma reação em cadeia. Em seguida, o doleiro Alberto Yousseff revelou mais detalhes do esquema bilionário de desvios da Petrobras. 

A cada nova informação, novas fases da Lava-Jato, mais ações e prisões, em um processo ainda sem data para terminar.

Em acordo com o Ministério Público Federal e a Justiça, o ex-diretor da Petrobras, condenado em sete ações penais na Lava-Jato, foi beneficiado com uma forma mais generosa de cumprir as penas.  

As informações reveladas na delação transformaram a prisão na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, em prisão domiciliar; após um ano, no fim de 2015, migrou para o regime semiaberto.

Com taxa média mensal de R$ 1.500 de condomínio (o consumo de água, cujo pagamento é individualizado, pode reduzir ou elevar o valor), Paulo Roberto ainda não desfruta liberdade total, mas pode aproveitar o luxo que o condomínio oferece e a tranquilidade das ruas de Itaipava.

PRISÃO COM VISTA PARA O MAR
O distrito de Petrópolis também foi escolhido por Nestor Cerveró, outro ex-diretor da Petrobras condenado na Lava-Jato. Há nove dias, cumpre prisão domiciliar em um condomínio também isolado, menos luxuoso que o de Paulo Roberto. Um campo de futebol, nove casas — o caseiro ocupa uma delas — e um lote vazio compõem o cenário. Os terrenos têm por volta de dois mil metros quadrados, e o tamanho dos imóveis gira em torno de 200 metros quadrados.

Os proprietários estão na faixa dos 70 anos, segundo um dos donos de imóvel na área, e são reservados. Os encontros entre eles costumam acontecer uma vez por ano, para escolher o administrador do local. Cerveró foi beneficiado pelas revelações da delação explosiva, em que afirma, inclusive, que a presidente afastada, Dilma Rousseff, sabia das irregularidades no processo de compra da refinaria de Pasadena.

A tentativa de evitar a delação de Cerveró levou o ex-senador Delcídio Amaral para a cadeia — mais tarde, Delcídio também entrou na lista de colaboradores — e a uma extensa apuração sobre uma eventual obstrução da Justiça. Antigo parceiro de negócios de Cerveró, Fernando Baiano, apontado como operador do PMDB na Petrobras, vive em outro endereço nobre. No lugar do verde que rodeia as residências dos ex-diretores da estatal, aparece a extensão do mar da Barra, visto da cobertura de 800 metros quadrados no Posto 5 — corretores especializados no mercado de luxo avaliam o imóvel em R$ 10 milhões.

Baiano está em prisão domiciliar e não pode sair do condomínio, mas tem autorização judicial para circular pelo espaço, que conta com três quadras de tênis, piscina, espaço gourmet, salão de jogos e uma intensa vida social — uma concorrida festa junina aconteceu no local no último fim de semana.

Na manhã da última terça-feira, O GLOBO flagrou o momento em que Baiano, de camisa polo listrada e calça jeans, deixava a portaria do edifício Vieira Souto — os prédios levam o nome de ruas da Zona Sul. — Não sei dizer se ele circula com frequência — interrompeu um dos seguranças da área, orientado a não deixar ninguém incomodar o morador célebre.

Fonte: O Globo


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

JK na Vieira Souto e Lula no Guarujá

A ‘ladroeira consumada’ de Juscelino terminou num funeral apoteótico porque ele foi proscrito a partir de indícios

Dias depois da morte de Juscelino Kubitschek, o presidente Ernesto Geisel recebeu uma carta de um coronel zangado. Ele dizia:
“Estamos assistindo à ‘choradeira’ nacional pela morte de JK, muito bem urdida e explorada pelos comunas e seus eternos aliados irresponsáveis. (...) O que é mais triste, prezado amigo, e disto discordo, é ver-se o governo decretar luto oficial por três dias.”

JK tivera um funeral apoteótico, e Geisel contrariara a opinião do seu ministro do Exército, decretando o luto. O presidente tinha horror a Juscelino e anos antes participara da decisão que cassou seu mandato de senador, banindo-o da vida pública por dez anos. Geisel anotou na carta do coronel: “O lamentável é que as provas não eram provas de qualquer valor jurídico. Na realidade, eram indícios, embora todos soubéssemos da ladroeira consumada. Eu penso que não houve, nem haveria condenação.”

O símbolo da “ladroeira” era um apartamento no edifício Ciamar (Avenida Vieira Souto 206, o mesmo onde viveria Caetano Veloso).

Como chefe do Gabinete Militar da Presidência e secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, Geisel acompanhara o inquérito que investigou o caso do apartamento. As acusações eram duras. Sem concorrência, JK entregara a construção de uma ponte unindo o Brasil ao Paraguai a um consórcio de empreiteiras (Sotege-Rabello). Os empreiteiros seriam responsáveis pela construção do edificio Ciamar e também por benfeitorias feitas num terreno que o governo paraguaio doara a Juscelino na região de Foz do Iguaçu.

Quem passava pela Vieira Souto e via “o apartamento do Juscelino” decidia que JK era corrupto e seu governo, uma “ladroeira consumada”. Afinal, fora substituído por um político que fez da vassoura o símbolo de sua campanha. O ex-presidente foi proscrito por uma ditadura que tinha como objetivo afastá-lo da sucessão presidencial de 1965. A corrupção era um pretexto.

O eixo empreiteira-apartamento-presidente ressurgiu com as conexões em que se meteu Lula. O triplex do edifício do Guarujá reencarna o da Vieira Souto, e Nosso Guia, como JK, pode ser candidato à Presidência. Para quem não gosta dele, como para quem não gostava de Juscelino, não há o que discutir: é a “ladroeira consumada”. Felizmente, a ditadura se foi e restabeleceu-se o estado de direito. Nele, acusação não é prova, e a condenação depende do respeito ao devido processo legal.

O triplex do Guarujá está sendo tratado de forma semelhante ao apartamento de JK. Um promotor de São Paulo acredita que já juntou provas para comprovar a malfeitoria de Lula. O núcleo de investigadores da Lava-Jato, menos espetaculoso, vem buscando a conexão da maracutaia a partir da lavanderia de dinheiro de uma offshore panamenha. Tomara que feche o círculo.

Metamorfose ambulante, Lula diz que não é dono do triplex e que desistiu dele em novembro passado. Também não tem nada a ver com o sítio de Atibaia. Acredita quem quiser. Certezas, cada um pode ter as suas; sentenças, só a Justiça produz. O papel do Ministério Público e do Judiciário é o de trabalhar em cima de provas, porque se essa porteira for aberta, não se derretem apenas os direitos de pessoas metidas em “ladroeiras consumadas”, derretem-se os direitos de todos.
O edificio Ciamar foi rebatizado e hoje se chama JK. [mudar nome de edificio ou ruas não significa inocentar o dono do novo nome;
afinal, o Marighella foi e sempre será um porco, um maldito traidor e terrorista, e muitas ruas tem agora o nomes dele.]
 
Fonte: Elio Gaspari, jornalista