Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Voluntarismo no Supremo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Voluntarismo no Supremo. Mostrar todas as postagens

domingo, 24 de dezembro de 2017

Voluntarismo no Supremo

O ministro Barroso, do STF, tem pressa. Parece considerar desnecessário respeitar os ritos processuais, os regimentos e estatutos e, no limite, a Constituição

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, tem pressa. Considera que o Brasil está apodrecendo em razão da corrupção e se julga no dever de salvar o País, a qualquer custo, tanto naquilo que está a seu alcance, em seu trabalho no STF, como naquilo que não é de sua alçada, como mostra sua já conhecida disposição de legislar. Para esse fim, parece considerar desnecessário respeitar os ritos processuais, os regimentos e estatutos e, no limite, a própria Constituição. Infelizmente, Barroso não está sozinho – ele é apenas o porta-voz informal de alguns ministros do Supremo empenhados em reinventar a Constituição em nome da luta contra a corrupção e da purificação da política.

Na mais recente manifestação desse vezo, o ministro Barroso decidiu enviar para a primeira instância da Justiça Federal do Rio Grande do Norte um inquérito instaurado contra um deputado federal, o tucano Rogério Marinho (RN). Como parlamentar, Marinho teria direito a foro privilegiado – ou seja, seu processo deveria ter continuado no Supremo. Mas o ministro Barroso entendeu que não é mais o caso, porque o STF já formou, em suas palavras, “maioria expressiva” em favor do entendimento de que os parlamentares só têm direito ao foro privilegiado se o crime do qual são acusados tiver sido cometido durante o exercício do mandato e esteja relacionado ao cargo que ocupam. Como o deputado Marinho é acusado de crimes contra a administração pública ocorridos entre 2005 e 2006, período em que presidia a Câmara dos Vereadores de Natal, então, conforme a interpretação do ministro Barroso, não cabe invocar o foro privilegiado.

O problema é que essa interpretação não encontra respaldo em nenhuma decisão do Supremo. O limite ao foro privilegiado ao qual ele se referiu ainda está sendo julgado naquela Corte. A questão foi trazida ao Supremo pelo próprio Barroso, que considera o foro privilegiado uma das principais fontes dos males na política. De fato, como mencionou o ministro, já há uma “maioria expressiva” a favor da restrição ao foro privilegiado, com os votos de oito ministros. O problema é que o julgamento ainda não acabou – três ministros ainda não votaram.

Pode-se argumentar, como estão a fazer os açodados, que a decisão em favor do limite ao foro privilegiado são favas contadas. Contudo, ainda que faltasse apenas um voto e o placar estivesse em 10 a 0, não é possível considerar que haja entendimento formal do Supremo sobre o tema, uma vez que o resultado ainda não foi proclamado pela presidente da Corte, a ministra Cármen Lúcia e, em tese, ministros ainda podem mudar seus votos.
Ao basear sua decisão em um entendimento do Supremo que ainda não existe, presumindo, em suas palavras, a “improbabilidade de reversão de tal orientação”, o ministro Barroso usurpou a competência da ministra Cármen Lúcia, pois, na prática, proclamou o resultado de um julgamento que ainda está em curso. Além de atropelar as regras internas do Supremo, o ministro Barroso contrariou a atual interpretação da norma, que é a única que vale por ora. De uma só tacada, o ministro, amparado apenas em sua vontade, criou um novo regimento para o Supremo e uma nova hermenêutica para a questão constitucional do foro privilegiado.

Tudo isso, é claro, com as melhores intenções. Em seu despacho, o ministro Barroso diz que o caso examinado “bem retrata a disfuncionalidade do sistema”, pois o processo contra o parlamentar em questão “já tramitou em quatro jurisdições” e “não há adjetivos suficientes para qualificar o absurdo desse modelo, que causa indignação na sociedade e traz desprestígio para o Supremo”. Para o ministro, a existência do foro privilegiado provoca “a politização indevida da Corte, a criação de tensões com o Congresso e o desprestígio junto à sociedade, por se tratar de uma competência que ele (o Supremo) exerce mal”.

Assim, certamente sem perceber, o ministro Barroso esclareceu que o verdadeiro problema não é o foro privilegiado necessário para evitar a litigância de má-fé contra certas autoridades –, mas sim a inexplicável lentidão do Supremo para julgar essas autoridades. É isso, antes de tudo, que dá a sensação de impunidade.


Editorial - O Estado de S. Paulo