Gazeta do Povo - VOZES
Enfermagem não pode ter piso salarial, mas na gastança do Judiciário ninguém mexe
O ministro Luís Roberto Barroso, em mais um espasmo de
onipotência do Supremo Tribunal Federal, vetou o novo piso salarial para
os enfermeiros, estabelecido por lei que o Congresso Nacional aprovou
O ministro Luís Roberto Barroso, em mais um espasmo de onipotência do
Supremo Tribunal Federal, vetou o novo piso salarial para os
enfermeiros, estabelecido por lei que o Congresso Nacional
aprovou. [e o presidente da República sancionou - portanto, dois poderes foram desrespeitados pela decisão monocrática de um ministro do STF.]
Mas o Congresso não é um dos três Poderes da República,
independente dos outros dois, e o único autorizado a fazer leis neste
país, de acordo com as sagradas “instituições” que o STF defende com os
seus inquéritos, a sua polícia e as suas operações de busca, apreensão e
quebra de sigilo às 6 horas da manhã?
A resposta é: não, o Congresso
brasileiro, eleito pela população como seu representante, não tem o
direito de aprovar as leis que conseguem o voto da maioria dos
parlamentares. Depende do STF. Se o STF está de acordo, então a lei
vale. Se o STF não aprova a lei, a lei não vale.
Acaba de acontecer mais uma vez, e
mais uma vez o presidente da
Câmara dos Deputados fica quietinho — diz que
“entende” a decisão do STF
em vetar o novo piso,
como se soubesse a ele dar-se a apreciações deste tipo,
em vez de fazer
valer a decisão legítima e legal da casa que preside.
É óbvio, com mais
essa reação de subserviência automática por parte do Congresso, que o
STF vai continuar governando o Brasil.
Isso é o exato contrário de
democracia — é desordem.
O ministro Barroso, com o seu decreto, se mete a
decidir sobre a situação financeira dos serviços de saúde e a
remuneração da enfermagem. Quem lhe deu licença para fazer isso?
O STF
tem de cuidar, unicamente, do cumprimento da Constituição; tem de
decidir se isso ou aquilo é ou não é constitucional.
Todas as vezes que
fizer alguma coisa fora ou além disso, estará impondo uma ditadura ao
país. É simples.
Ninguém pode julgar uma decisão do STF; se os ministros
se dão o direito de resolver toda e qualquer questão, então os
ministros viram ditadores. Decidem até quanto devem ganhar os
enfermeiros; se podem decidir isso, e o que mais lhes der na telha,
então decidem tudo.
O
STF, ultimamente, tem mostrado uma estranhíssima obsessão com o
respeito às regras mais rigorosas de integridade fiscal. Vetam reduções
de impostos que beneficiam diretamente a população, pois isso, na sua
opinião — que ninguém pediu, porque não é da sua conta — poderia deixar o
poder público com dificuldades para pagar os seus compromissos. Não
pensam, jamais, que o Estado possa se comportar com mais competência e,
em consequência, precisar de menos dinheiro. Pior: nunca, jamais e em
tempo algum, o STF se preocupou com austeridade fiscal. Ao contrário, é
dos principais causadores da gastança alucinada do Estado brasileiro, ao
concordar sistematicamente com toda e qualquer exigência salarial das
castas mais vorazes do serviço público — a começar pelo que diz respeito
aos gastos da própria justiça.
Os enfermeiros não podem ter um piso
salarial de 4.750 reais, decidiu o ministro Barroso; é muito caro. Os
Estados e Municípios, coitados, terão muita dificuldade para pagar.
Os
hospitais privados e os planos das mega empresas de seguro médico
estariam correndo risco de morte.
Mas juízes podem ganhar 100.000 reais
num mês, ou muito mais, com os “penduricalhos” e “atrasados”, e o STF
acha isso a coisa mais justa e normal do mundo. Se o Estado tem
dificuldade para pagar isso, problema “deles” — ou melhor, problema do
pagador de impostos, que é quem vai ter de meter a mão no bolso para
encarar essa conta.
A Justiça brasileira é uma das mais caras do mundo; pode estar
gastando, com o aparelho todo, em volta dos 120 bilhões de reais por
ano.
Isso, em termos proporcionais ao PIB, é quase dez vezes mais do que
gasta a justiça dos Estados Unidos; é várias vezes mais do que gastam
os países europeus. [um comentário se impõe: sendo o PIB dos EUA muito superior ao do Brasil, ainda que os gastos dos USA sejam maiores em valores absolutos, sempre serão menores em termos percentuais. Fora esse pequeno lembrete, a matéria do ilustre articulista é perfeita, exata, coprreta, impecável, especialmente, sem limitar, no afirmado na frase adiante destacada.]
A população que paga essa barbaridade recebe, em
contrapartida, uma das piores justiças do mundo, comparável ao que
existe de mais tenebroso no universo subdesenvolvido.
O povo brasileiro,
por sinal, está convencido disso: só 16%, segundo uma pesquisa recente
do jornal O Estado de S. Paulo, tem respeito pelo STF. O ministro Barroso, enquanto isso, decide sobre o salário dos enfermeiros.