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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O lobo e o cordeiro no STF - Fernando Gabeira

O primeiro grande golpe sofrido pelo sistema anticorrupção partiu de Toffoli em conluio com Bolsonaro

A semana que passou foi complicada demais para caber num só artigo. Começou com aquele discurso de Bolsonaro na ONU e, no final, nem se falava mais nele. Estava no Ceará cobrindo um encontro dos povos do mar. Nele, discutia-se o conhecimento das populações litorâneas: cultivo de algas para cosméticos e alimentação ou mesmo fazer um bonito lustre com escamas de um peixe grande, chamado lá de camburubim. No final do encontro, as praias nordestinas foram   invadidas por um vazamento de óleo, morte de tartarugas e tudo mais. [vazamento que os contra Bolsonaro e inimigos do Brasil, se puderem vão responsabilizar o Presidente Bolsonaro.]


Bolsonaro voltou de viagem, e dela ficou apenas sua briga com o cacique Raoni e a adolescente sueca Greta Thunberg, atacada pela família presidencial. O grande fato foi produzido pelo STF, que aplicou uma derrota na Operação Lava-Jato e todas as outras que combatem a corrupção no Brasil.  Alguns processos serão anulados por uma filigrana jurídica: o condenado não apresentou suas declarações finais depois dos delatores.  A discussão desse tema poderia aperfeiçoar as coisas daqui para a frente. Mas anular processos que desviaram milhões só por causa da ordem final é apenas o sinal do momento.

A conjuntura mudou. A correlação de forças é outra. Os vazamentos do Intercept enfraqueceram a Lava-Jato, [não podemos deixar de registrar, pela enésima vez, que a fofoca de 'comadres' do intercePTação de há muito assumiu o seu lugar no mundo das fake news = lixo fétido.] da mesma forma que a eleição de Bolsonaro, embora o discurso seja outro, e ele tenha integrado Moro ao seu governo. Não adianta discutir filigranas quando a correlação de forças muda. A convergência de juízes com políticos e o próprio presidente tornou-se forte. Criou uma situação de fábula. O lobo comeria o cordeiro, independentemente do argumento. Como recompor, por onde recompor o sistema defensivo da sociedade para se proteger do sindicato dos ladrões? No meu entender, e já escrevi isso, o primeiro grande golpe sofrido pela sistema anticorrupção partiu de Tofolli em conluio com Bolsonaro.

Ao neutralizar o Coaf, Tofolli quebrou o tripé da Lava-Jato, que era composto de PF, Receita e Ministério Público. Não se pode mais informar sobre operações financeiras suspeitas, sem autorização da Justiça.  No meu trabalho cotidiano, uso o tripé sempre que preciso de mais estabilidade na imagem. O tripé da Lava-Jato tinha uma função mais importante ainda: permitia ver coisas que escapam ao olho nu.
O que Tofolli fez com o apoio de Bolsonaro para livrar a cara do filho senador, Flávio, tumultuou inúmeras investigações no país e rompeu com alguns compromissos internacionais do Brasil no combate à lavagem de dinheiro.

Como acentuei, o bombardeio à Lava-Jato não significa apenas libertar os presos, mas reduzir as possibilidades de prender futuros envolvidos em corrupção. O velho esquema que domina o Brasil ganhou nova cara, encarnou-se em novos personagens, estruturou-se numa ampla frente e está pronto para reiniciar a roubalheira. Só que as condições não são as mesmas do passado. O nível de informações cresceu, a transparência se ampliou por força de lei.

Juízes, políticos e até jornalistas empenhados em derrotar o aparato de investigação contam apenas com um certo cansaço da sociedade. Ignoram as dimensões internacionais de sua escolha. No caso de lavagem de dinheiro, vamos nos isolar.  Aliás, já estamos isolados por causa das opções de política ambiental e pelo reposicionamento do Brasil no campo da extrema direita. [a extrema direita, felizmente, a cada dia ganha mais espaço no mundo.
A nova ordem é desesquerdizar.]
 
Quanto menos preparados, mais arrogantes são os governantes brasileiros. Tenho criticado a decisão de Bolsonaro de tirar os radares das estradas. Os especialistas também o fizeram. Meu ponto de vista é o de quem vive nas estradas. Soube na semana passada que o número de acidentes aumentou, algo que não acontecia desde 2011. A quem apelar se a Justiça não se interessa, e os políticos querem apenas ganhar votos reduzindo multas? Em situações extremas, como foi a da África do Sul num determinado momento, intelectuais se voltam para o exterior, pedindo socorro.

Desfrutamos de liberdade de expressão. A sociedade brasileira não é uma coitadinha dominada por saqueadores. Ela encontrará o seu caminho. O apoio internacional é apenas um complemento. De nada adianta, sem que se faça a lição de casa.

Blog do Gabeira
 
Artigo publicado no jornal O Globo, Opinião,  em 30/09/2019


domingo, 22 de setembro de 2019

O mundo acordou - Dorrit Harazim

O Globo

Duas greves que expõem o mundo à deriva

Greve Global pelo Clima, o movimento da garotada, foi maximalista em tudo: ambição, propósito, participação, desdobramento

As duas greves foram mera coincidência uma local/nacional, a outra global/universal. Elas são tão díspares que poderiam ter ocorrido em planetas diferentes. Ainda assim (ou por isso mesmo), somadas em suas diferenças, produziram o retrato mais eloquente do nosso mundo à deriva. A primeira foi convocada pelo Sindicato dos Metalúrgicos dos Estados Unidos, a outrora poderosa UAW, na sigla em inglês, e brotou na última unidade da GM em Flint (Michigan), histórico berço da paralisação trabalhista que em 1936 deu fama e força ao movimento sindical automotivo. Só que os tempos são outros, e hoje restam apenas 600 empregados naquela unidade. A UAW não recorria a paralisações há mais de uma década e conseguiu a adesão de 49 mil sindicalizados. E endureceu agora porque a GM decidira repassar ao sindicato a conta do seguro-saúde de seus trabalhadores. Mais: a empresa registrara um lucro de US$ 25 bilhões nos dois últimos anos, e sua CEO, Mary Berra, recebera um salário de US$ 22 milhões em 2018, 281 vezes superior ao do operário médio da empresa. Um deles resumiu assim o seu mundo em extinção: “Estamos lutando não só por nós, mas por nossos filhos e pelo futuro dos nossos filhos”. 

A segunda greve repetiu mantra semelhante ao derramar por ruas e praças do planeta um mar de jovens de 150 países. Chamada de Greve Global pelo Clima, o movimento da garotada foi maximalista em tudo — ambição, propósito, participação, desdobramento. Turbinado pelo ativismo monotemático da adolescente sueca Greta Thunberg, que desde o início do ano contagia o mundo como porta-voz de sua geração contra a degradação ambiental do planeta, o movimento virou arrastão. Foi acolhido por empresários e sindicatos, ONGs e lideranças mundiais; cruzou gerações, classes sociais, raças e gêneros, e atravessou idiomas para dar um mesmo recado: a Terra arde. Um comunicado conjunto dos prefeitos de Nova York, Los Angeles e Paris informava: “Quando sua casa está pegando fogo, você soa o alarme”. A prefeitura de Nova York chegou a liberar 1,1 milhão de estudantes de suas escolas públicas para participar do ato.

À mesma época em que Greta emergia nas ruas de Estocolmo com protestos solitários que se transformaram em corrente mundial, decanos do bom jornalismo americano constataram a falência da grande mídia mundial na cobertura do estado de saúde do planeta. Exceto por alguns rompantes luminosos como os alertas de Rachel Carson nos anos 1960, e de Bill McKibben 20 anos depois, ambos na revista “New Yorker”, as coberturas ambientais não encontravam foco nem rumo, consistência nem equilíbrio. Daí o nascimento do projeto Covering Climate Now, iniciado pela “Columbia Journalism Review” e pela revista “The Nation”, de incentivo a coberturas ambientais. Passados cinco meses, mais de 250 publicações, instituições, jornalistas independentes e meios digitais mundo afora se juntaram à empreitada, somando uma audiência global de mais de 1 bilhão de pessoas.

[IMPORTANTE; esta matéria deve ser lida em conjunto com Happy hour: exageros sobre clima causam enchente de piadas... clicando aqui.]

Embora a defesa do meio ambiente pipoque por todos os poros do planeta — com direito até mesmo a citação do poeta bengali Daulat Qazi, que no século 17 escreveu “A terra é nossa existência, e nosso corpo a ela está atrelado” —, a causa tem carga política explosiva. Há quem veja na própria Greta a semente de um movimento irracional, um culto fundamentalista. “Ela parece uma personagem messiânica que veio nos salvar de nossos pecados”, alerta o editor Brendan O’Neill, da revista britânica “Spiked”. “O que leva o mundo adulto, ou uma parte dele, a se prostrar aos pés de uma criança sueca, em adoração sacrílega, como se estivesse na presença de um messias renascido?”, indaga em coluna na “Folha” o escritor João Pereira Coutinho.

Ou, como diria o presidente Jair Bolsonaro, o mundo entrou “em psicose ambientalista”. E o Brasil por ele governado não deverá estar entre os 60 países que, a partir de amanhã, participarão da Cúpula de Ação Climática da ONU para anunciar seus projetos de redução de gases de efeito estufa. Pena, porque, como escreveu o editor da refinadíssima trimestral Lapham’s Quarterly, chegou a hora de saber se o capitalismo sobreviverá à mudança climática, ou se o clima alterado vai acabar com o capitalismo. E por trás das duas greves aqui citadas o relógio está ticando. Ele marca tempos distintos. No caso dos grevistas da indústria automobilística que emite CO2, o relógio marca o fim do mês, hora de pagar as contas. No ato dos ambientalistas, o relógio aponta para o fim do mundo, ou o tempo de adiá-lo. Urge acertar os dois ponteiros.



Dorrit Harazim, jornalista - Publicado em O Globo