Que o Brasil tenha mais pessoas com a visão do general Villas Bôas!
O homem da cadeira de rodas fez o Brasil caminhar para a frente em
momentos delicados da História recente. Soube enfrentar várias crises,
sempre preocupado com o destino do País, enquanto bem maior a ser
preservado. Nos últimos anos, o general Eduardo Villas Bôas foi
acometido de doença degenerativa que o destinou a uma cadeira de rodas,
sem que por isso tenha perdido sua mente de estrategista nem sua
dignidade moral.
Já o vi, numa ocasião, falando em sua casa com o ex-presidente da
República acerca da sucessão no Ministério da Defesa, defendendo com
fidalguia a posição do Exército e das Forças Armadas em geral, com toda a
sua dificuldade de locomoção. Nada disso afetava sua capacidade
analítica. A janta transcorria normalmente, com sua mulher, dona Cida,
dando-lhe de comer na boca. Fui tomado por um sentimento intenso de
beleza moral, se posso utilizar tal expressão. A doença desaparecia pelo
ato de amor dela e de sua filha. A conversa transcorria normalmente,
como se isso fosse – como foi – um mero acidente.
Trago aqui o testemunho da amizade para melhor expressar a minha
indignação com os ataques de que Villas Bôas foi objeto, vindos do
ideólogo do presidente e de sua família. Recorrer à condição física do
general como meio de insulto é abjeto. Que o digam outros deficientes
físicos do País. E isso porque ousou tomar posição contra ataques que as
Forças Armadas, e o Exército em particular, têm sofrido.
A situação é propriamente surrealista: um ideólogo que mora por decisão
própria nos EUA tutela o grupo ideológico presidencial, criando
conflitos intermináveis, enquanto o governo não consegue enfrentar os
problemas mais básicos do País, como crescimento econômico, desemprego,
investimentos e distribuição de renda. O Brasil tornou-se refém de
posições ideológicas que nos impedem de andar para a frente. Sentado, em
sua cadeira de rodas, o general caminha melhor do que aqueles que o
atacam.
Nada disso é aleatório. Os militares vieram a participar do atual
governo por iniciativa individual, pois acreditaram ter uma missão a
cumprir. Apesar das aparências, não agem como um grupo. Não se encontram
nem se reúnem regularmente. Muitas vezes nem se falam. Os seus
opositores, porém, têm estrutura, constituem um grupo organizado com
coordenação, ideologia, operadores digitais, e uma estratégia de
considerar todos os que com eles não se identificam como inimigos.
E os inimigos escolhidos por esse grupo são atualmente os militares.
Curiosamente, a narrativa política deslocou-se do PT para esses
indivíduos fardados, como se eles o ameaçassem verdadeiramente. O
vice-presidente Hamilton Mourão foi alvo dos maiores impropérios, que,
de tão baixos, nem merecem ser reproduzidos. Atentam contra a sua honra
pessoal e a farda que sempre vestiu. Mourão teve conduta exemplar no
Exército, sendo um homem de convicções. O secretário de Governo, general
Santos Cruz, tornou-se recentemente alvo de ataques do mesmo tipo.
Santos Cruz foi um exemplo para seus companheiros de farda, com carreira
ímpar de combatente, pessoa também da maior retidão moral. Não se pode
senão qualificar de torpeza ética o que está acontecendo com eles.
Talvez o presidente da República não tenha atentado convenientemente
para o fato de ser constitucionalmente comandante-chefe das Forças
Armadas. Não é mais deputado, tampouco capitão. Ele se situa acima dos
generais e, como tal, tem o dever de defender a instituição militar e os
membros que a compõem. Não poderia, como fez, afagar o detrator-mor das
Forças Armadas, até mesmo com a medalha da Ordem de Rio Branco, quando
mais não seja, pelo fato de ser tal gesto contraditório com a função que
exerce. Ou seja, o próprio presidente é atacado quando a instituição
militar é dessa forma denegrida.
Para melhor compreendermos o que está acontecendo em termos de
composição política e de ideias, não basta caracterizarmos o atual
governo como formado por conservadores e liberais, pois algo falta aí. O
grupo dito de conservadores é constituído por um conservadorismo de
tipo ideológico, alicerçado na concepção do político enquanto distinção
amigo/inimigo; por um conservadorismo, digamos, institucional, composto
por militares e uma ala evangélica, que os apoia, e pelos liberais.
Os primeiros procuram criar uma situação de instabilidade permanente,
sempre atacando e procurando um inimigo, contanto que haja um, por mais
imaginário que eventualmente seja. Nada têm a propor além desses ataques
sistemáticos, como se estivessem à frente de uma revolução,
constituindo a sua vanguarda. Quando não consideram o outro como espelho
de si mesmos, tomam-no por alguém perigoso. A insegurança deles se
traduz pela instabilidade de sua ação política.
Os segundos têm como objetivo assegurar a prosperidade do País via
conservação de suas instituições e de seus valores. Caracterizam-se pela
preservação da ordem democrática, atentos a desvios que possam afetar o
seu curso. O seu conservadorismo, nesse sentido, poderia ser
qualificado como essencialmente institucional, colocando-se como
liberais do ponto de vista da economia. A pergunta que deveria ser feita
é: o que procuram os que os atacam? Qual seria o seu objetivo?
Os liberais estão, sobretudo, voltados para as necessárias reformas
econômicas, não entraram na refrega política. Sabem que tal grau de
confronto só prejudica o projeto reformista, sem o qual o País rumará
para um futuro sombrio, com risco até mesmo institucional. Estão dando
como pressuposto o liberalismo político que caracteriza as instituições
democráticas brasileiras, embora se possa perguntar por sua capacidade
de resiliência se a reforma da Previdência não for aprovada ou se o seu
desfecho for pífio. Que o Brasil tenha mais pessoas com a visão do
general Villas Bôas!