Entre os desafios que o Brasil terá de
enfrentar, após a pandemia, está o de recolocar na escola 5,1 milhões de
crianças e adolescentes que desistiram de estudar. Por falta de condições
financeiras para comprar equipamentos eletrônicos, eles não puderam acompanhar
as aulas virtuais enquanto as escolas ficaram fechadas. Isso fez com que o País
regredisse duas décadas no acesso ao ensino básico. Esse é o número de crianças
e de adolescentes que estavam fora da escola no início da década de 2000.
Essa é uma das conclusões de um estudo do
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com o Centro de
Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), realizado
com base em estatísticas da última Pnad Contínua, concluída em novembro de 2020
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desses 5 milhões de
crianças e adolescentes, mais de 40% tinham entre 6 e 10 anos – idade em que a
escolarização estava quase universalizada antes da pandemia.
Em outras palavras, a evasão escolar
causada pelo coronavírus acabou atingindo meninos e meninas para quem o acesso
às salas de aula já não era mais um problema. Com isso, parte dos recursos
aplicados pelo poder público na universalização do ensino fundamental ao longo
dos últimos 20 anos acabou sendo desperdiçada, em decorrência do fechamento das
escolas por causa da covid-19.
Segundo a representante do Unicef no
Brasil, Florence Bauer, crianças de 6 a 10 anos sem acesso à educação eram
exceção no Brasil antes da pandemia. “Essa mudança observada em 2020 pode ter
impactos em toda uma geração. São crianças dos anos iniciais do ensino
fundamental, fase de alfabetização e outras aprendizagens essenciais às demais
etapas escolares. Ciclos de alfabetização incompletos podem acarretar
reprovações e abandono escolar”, diz ela, após chamar a atenção para a
importância da reabertura das escolas.
Como as crianças e adolescentes que
desistiram dos estudos pertencem a famílias de baixa renda, na prática isso
significa que elas se tornarão ainda mais vulneráveis. O estudo revela que a
evasão escolar se concentrou mais no Norte (28,4%) e Nordeste (18,3%) do que
nas Regiões Sudeste (10,3%), Centro-Oeste (8,5%) e Sul (5,1%). Também mostra
que a evasão foi maior entre crianças e adolescentes pretos, pardos e
indígenas. Além de deixar de aprender, ao abandonar a escola essas crianças e
adolescentes perderam a merenda escolar e ficaram expostos à violência
familiar.
São números alarmantes, o que obriga o
poder público, gestores escolares e entidades da área educacional “a ir atrás
de cada criança e cada adolescente que está com seu direito à educação negado”,
afirma a representante do Unicef no Brasil. O estudo aponta que, para reverter
essa exclusão, será necessário garantir acesso à internet para todos, promover
campanhas de comunicação comunitária em todos os municípios, mobilizar as
escolas e criar condições para que as crianças e adolescentes retomem os
estudos. E, para impedir o aprofundamento das desigualdades na formação dos
alunos, será preciso desenvolver instrumentos pedagógicos para a recuperação do
aprendizado perdido”, afirma Priscila Cruz, presidente executiva do Todos pela
Educação, uma ONG que também vem desenvolvendo programas para resgatar alunos
que desistiram de estudar.
Muitas dessas medidas podem ser
implementadas pelos municípios e pelos Estados, com apoio técnico de entidades
como essas. Mas, para que possam dar os resultados esperados, é preciso que
elas sejam articuladas pelo governo federal. É aí, justamente, onde está o problema.
Se antes da pandemia o Ministério da Educação já primava pela inépcia, depois
dela a pasta se omitiu ainda mais, limitando-se a cuidar de temas menores, mas
que interessam por razões eleitorais ao presidente Jair Bolsonaro. Ao se negar a ajudar os esforços dos
Estados e municípios para reverter o problema da evasão e avançar em direção a
um ensino público de qualidade e com equidade, essa omissão é um crime contra
as novas gerações.
Opinião - O Estado de S. Paulo