A ministra mandou reabrir a fronteira com a Venezuela. Chegou a hora de prestar atenção nessa gaúcha que não fala
Em 2011,
quando a juíza gaúcha Rosa Weber foi nomeada para o Supremo Tribunal Federal,
ninguém fazia fé naquela senhora calada, vinda da Justiça do Trabalho. Ela
sofreu na sabatina do Senado, massacrada pelo doutor Demóstenes Torres, que
depois viria a ser cassado pelos seus pares. Mesmo tendo um filho jornalista,
cultiva distância da espécie. Não fala, não comenta, não brilha, simplesmente
vota. Em geral, como a colega Cármen Lúcia, veste uma toga fosca, contrastando
com as capas acetinadas de outros ministros. Quando chama atenção, é porque
trocou a cor da armação dos seus óculos. Contam-se pelo menos cinco, uma
branca.
De certa
maneira, ela lembra a juíza Sandra O’Connor, a primeira mulher nomeada para a
Suprema Corte dos Estados Unidos. Ninguém dava nada por ela, era uma rancheira
republicana e acabou tornando-se o pêndulo do tribunal, para desconforto do
brilhante Antonin Scalia, que fez a besteira de menosprezá-la. Foi Rosa
Weber quem detonou a ordem de um juiz de primeira instância de Roraima que
mandou fechar a fronteira para bloquear a entrada de refugiados da ruína
venezuelana. Seu primeiro argumento, essencial, foi o de que a competência para
julgar a questão estava no Supremo Tribunal Federal. Lateralmente, lembrou que
“fechar as portas” seria o mesmo que “fechar os olhos” à questão social que já
levou 40 mil venezuelanos a buscar abrigo no Brasil.
Felizmente,
Pindorama nunca passou por ruína semelhante. Contam-se nas centenas os
brasileiros humilhados pela política de Donald Trump mas, mesmo assim, eles
foram para a fronteira com os Estados Unidos sabendo que tentavam uma entrada
ilegal. Esse não é o caso dos venezuelanos. Ademais, o Brasil já teve um
imperador (Dom Pedro II) e dois presidentes (Washington Luís e João Goulart)
obrigados a viver em terras onde não canta o sabiá. Alguns milhares de
brasileiros viveram no exílio, e centenas foram protegidos pelo instituto do
asilo diplomático. Mesmo durante a ditadura, nos anos 70 o Brasil abrigou
milhares de fugitivos chilenos, argentinos e uruguaios.
A crise
dos refugiados venezuelanos cria problemas para o povo de Roraima, mas, quando
se defende o fechamento da fronteira, está embutida a noção de que país é este.
É a de hoje, ou mesmo o Brasil do Estado Novo, que negou entrada a um
navio de refugiados judeus? Ou o Brasil que no século XIX acolheu americanos
escravocratas que fugiram dos Estado Unidos depois que o Sul perdeu a Guerra de
Secessão?
Na semana
que vem Rosa Weber assume a presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Um
atento observador de seu trabalho avisou: “Ela é dura que nem pedra, não dá
confiança.”
Numa
época em que o juiz Sergio Moro é conhecido também pelas suas camisas pretas e
tantos ministros do Supremo Tribunal são famosos pelo que fazem fora do
gabinete ou pelo que dizem fora dos autos, Rosa Weber é um refrigério. Parece
um magistrado de antigamente, daqueles que saíam andando pela Avenida Rio
Branco sem serem reconhecidos e sem receio de serem insultados ou aplaudidos.
Se hoje há ministros que têm assessor para colocar suas maletas no
compartimento de bagagens de mão do aviões, isso é um sinal dos tempos, e dos egos.
O
ministro Gilmar Mendes não gosta que se façam paralelos com a Corte americana,
mas, certo dia, um casal de turistas preparava-se para fotografar o belo prédio
do tribunal, quando viram um senhor que vinha andando e atrapalharia o
enquadramento. Pediram que parasse, e ele atendeu. Não sabiam que era o juiz
John Paul Stevens, na sua caminhada habitual.