Acabou o escrúpulo
Orientada por Lula, a presidente Dilma rende-se ao mais rasteiro fisiologismo e ao vale tudo político para se manter no cargo. Nada garante, porém, que ela conseguirá
Desde a primeira eleição de Dilma Rousseff, em 2010, ela e o ex-presidente Lula estiveram reunidos dezenas de vezes para debater a conjuntura política. Os dois últimos encontros entre o criador e sua criatura aconteceram na quarta-feira 23 e na quinta-feira 1 no Palácio da Alvorada e foram bem diferentes dos anteriores. Em ambos, Dilma praticamente só ouviu. O tom enfático e as palavras duras proferidas por Lula não autorizaram réplica. Instada pelo petista a promover uma reforma ministerial de modo a contemplar todas as alas do PMDB e a promover à coordenação-geral do governo um lulista de carteirinha, o ministro Jaques Wagner, a presidente aquiesceu, como se alienasse o governo com porteira fechada ao antecessor. Por isso, a reforma ministerial anunciada no final da última semana diz mais sobre Lula do que Dilma.
ELES RIEM DO QUÊ?
Desde 2010, Lula e Dilma nunca estiveram tão próximos como agora.
Reforma ministerial evidenciou que o ex-presidente voltou a mandar no governo
Desde 2010, Lula e Dilma nunca estiveram tão próximos como agora.
Reforma ministerial evidenciou que o ex-presidente voltou a mandar no governo
Ninguém resiste a associação: Benito Mussolini e Clara Petacci
Sem a menor hesitação de consciência, a presidente também passou o trator sobre o respeitado filósofo Renato Janine Ribeiro, escolha comemorada havia menos de seis meses como um raro feito de seu segundo mandato. A decisão atendeu ao único propósito de acomodar na Educação Aloizio Mercadante, apeado do cargo de ministro da Casa Civil. Mercadante será o quarto ministro da Educação, área considerada prioritária por Dilma, ao menos no discurso, em apenas dez meses. Ascende à chefia da Casa Civil, Jaques Wagner, aliado de primeira hora de Lula.
Para o próprio PT e parcela dos partidos
que ainda permanece aliada a ela, Dilma piorou a qualidade do seu
governo apenas para se safar de um processo de impedimento no Congresso.
Em setores da esquerda, a mulher que um dia foi admirada pelo passado
de luta contra a ditadura e pelo pulso firme com que comandou a Casa
Civil, no governo Lula, hoje desperta apenas comiseração. Ao se
comportar como fantoche do mentor de sua candidatura, a presidente
desconsidera um importante ensinamento do florentino Nicolau Maquiavel.
“Nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar de uma guerra,
mesmo porque dela não se foge, apenas se adia para desvantagem própria”.
Para não encarar a inevitável guerra do impeachment, a ser travada em
breve no Congresso, Dilma adota medidas paliativas que podem até lhe
conferir uma aparente sobrevida, mas não resolvem a crise. Nem a do País
nem a política, ambas fruto de seus próprios erros. Nada garante a Dilma que ela não será
abandonada na esquina pelo fisiológico PMDB. Mesmo assim, a chefe do
Executivo entregou os anéis, os dedos e as jóias aos peemedebistas, num
total de sete ministérios, daqueles com verba, caneta e tinta. Além de
nomear Marcelo Castro para a Saúde, a presidente confirmou Celso Pansera
na Ciência e Tecnologia, deslocou Helder Barbalho da extinta Pesca para
os Portos e manteve Eduardo Braga, nas Minas e Energia, Kátia Abreu, na
Agricultura, Eliseu Padilha, na Aviação Civil e Henrique Eduardo Alves,
no Turismo.
Um reluzente sinal de que a cúpula do PMDB
pode lavar as mãos mais adiante, na hipótese de aprofundamento da crise
política, foi a segunda negativa de Michel Temer a Dilma, num período de
15 dias. Na quinta-feira 1, ao ser procurado pela governante para
endossar a indicação de alguém com mais lastro político para assumir a
Ciência e Tecnologia, no lugar de Aldo Rebelo, transferido para a
Defesa, Temer voltou a se recusar a carimbar a nomeação, como já o havia
feito na semana anterior. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também
tornou a se desvincular da reforma ministerial, embora suas digitais
apareçam na nomeação de menos uma pasta. Pansera, novo ministro de
Ciência e Tecnologia, é considerado seu aliado de primeira hora.
Numa outra trincheira, um grupo de 22
deputados do PMDB – um terço do total da bancada – assinou na
quinta-feira 1º um manifesto contra o fato de o partido aceitar ocupar
cargos na Esplanada. “Não é possível que ainda tenha espaço para esse
esse ‘toma-lá-dá-cá’. Estamos vendo nessa reforma uma tentativa da
presidente de diminuir as pressões ao seu mandato”, comentou o deputado
Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), que capitaneia a iniciativa.
Embora, como se vê, nada assegure a fidelidade do PMDB, o partido,
aquinhoado com sete pastas, torna-se majoritário num governo que poderá
ser comandado por ele adiante, em caso de impeachment. Já o
ex-presidente Lula, não bastasse ter sido o grande mentor das atuais
mudanças na Esplanada, passará a contar com três petistas de sua
confiança ao lado de Dilma: além de Jaques Wagner, Ricardo Berzoini, que
vai assumir a nova Secretaria de Governo, e Edinho Silva (Comunicação
Social). Com tanta gente para agradar, a presidente não conseguiu honrar
sua promessa, feita em agosto, de eliminar 10 dos 39 ministérios.
Cortou apenas oito e, embora tenha reduzido em 10% os salários do
ministros, o gesto é pouco significativo diante da colossal máquina
administrativa que sustenta o governo.
Apesar de ter preservado pastas importantes, o PT ensaia um discurso
alternativo que o permita desembarcar de Dilma mais à frente, se for o
caso. O problema é que ao fazê-lo os petistas atiram na única bóia de
salvação do governo até agora: o ajuste fiscal do ministro da Fazenda,
Joaquim Levy. Documento formulado pela Fundação Perseu Abramo, criada e
mantida pelo PT, diz que as iniciativas atuais do governo estão jogando o
País em uma recessão e prejudicando os trabalhadores. Ou seja, o texto
coloca na conta do necessário ajuste de Levy, ainda em seu início, todas
as barbeiragens administrativas cometidas por Dilma no mandato
anterior. E pede a volta justamente da política equivocada que levou o
País à crise econômica atual da qual provavelmente levaremos anos para
nos recuperar, cujo modelo – baseado na elevação do endividamento
público, no aumento dos gastos públicos e no dinheiro do subsidiado para
um seleto grupo de empresários –, se revelou um fracasso. Para o PT, no
entanto, não importa as inconsistências e fragilidades do documento.
Vale mais o significado político do gesto – a abertura de uma porta de
saída se tudo der errado. Se tiver de abandonar Dilma à frente, o PT
adotará o mesmo receituário utilizado agora pelo governo a fim de se
salvar do impeachment: às favas os escrúpulos.
Fonte: Revista IstoÉ