O Estado de S.Paulo
Bolsonaro emenda crises: recuou na Saúde e já partiu para cima das universidades
Saúde e Educação são áreas sensíveis e estratégicas, com corporações
mobilizadas e grande capacidade de fazer barulho. Pois a Saúde foi
obrigada a recuar e parar de esconder os números da pandemia e, já no
dia seguinte, a Educação entrou na roda com uma medida provisória do
presidente Jair Bolsonaro que quebra a autonomia universitária e dá
poderes a Abraham Weintraub – inimigo número um das universidades – para
nomear reitores a bel prazer durante a pandemia.
É assim que o Brasil vai vivendo aos trancos e barrancos. Bolsonaro
manda maquiar o número de mortes. Epidemiologistas, sanitaristas,
infectologistas, cientistas e associações médicas gritam. O Congresso, a
mídia e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta providenciam estatísticas
independentes. E o Supremo determina a volta da metodologia
internacionalmente aceita. Aí o governo recua. Sem se dar tempo para respirar, Bolsonaro já providencia automaticamente
a nova crise. Se aquela era na Saúde, que sofre um desmanche à luz do
dia, esta é na Educação, onde o ministro Abraham Weintraub nunca
explicou a que veio, brinca no twitter de “Cantando na chuva” (com
guarda-chuva e tudo), provoca os chineses com um vídeo trocando os “R”
pelos “L” e ataca professores, alunos e universidades, enquanto massacra
a língua pátria.
A Saúde recuou da chocante troca de metodologia dos números da pandemia
num dia e já no dia seguinte Bolsonaro anunciava uma medida provisória
com a novidade: Weintraub, que despreza as universidades (onde só há
“balbúrdia” e “plantações de maconha”), [estar o ministro totalmente certo é improvável, mas uns pouco mais de 90% de acerto é certeza ele ter.] vai adquirir superpoderes,
passar por cima do corpo docente, do corpo discente e dos funcionários e
indicar quem ele bem entender para ocupar temporariamente as reitorias
que vagarem durante a pandemia. Só de pensar no tipo de gente que ele
nomeará, ou nomearia, dá um frio na barriga.
A reação no caso da Saúde se reproduziu no da Educação: Congresso,
mídia, professores, alunos, entidades de educação e partidos estão
botando a boca no trombone. Além do principal – Weintraub escolhendo
reitores à sua imagem e semelhança?! –, há a questão jurídica, porque a
MP do presidente atinge a autonomia das universidades, logo, é
inconstitucional. [autonomia em matéria de ensino, currículo, mas administrativa não.] Assim como recuou na sonegação de dados da covid-19, é
muito provável que Bolsonaro recue também no caso das universidades.
Enquanto faz da Saúde e da Educação gato e sapato, Bolsonaro vai
desdizendo o que disse na campanha de 2018 e o que acaba de declarar, em
30 de abril, à Rádio Guaíba: “Não existe nenhum ministério sendo
oferecido para ninguém, como aconteceu no passado, nenhuma presidência
de banco oficial e tampouco estatais”. E ainda ressaltou: “Esse é o
nosso trabalho e vai continuar sendo feito dessa maneira. O resto é
intriga.”
Então, intrigantes, o que aconteceu? Além de ter nomeado indicados do
Centrão para fundos milionários (atenção!) da Educação e da Saúde, o
presidente também deu a eles o Banco do Nordeste (o indicado caiu em 24
horas, em mais um recuo) e acaba de brindá-los com um ministério. Não um
já existente, mas um recriado: o das Comunicações. O deputado Fábio
Faria vem aí! Ele é do PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab, que integra o
Centrão, e genro do dono do SBT, Silvio Santos. Uma combinação
perfeita, uma síntese da “nova política”.
Se a moda pega.
O general Mark Milley, chefe do Estado
Maior Conjunto e principal autoridade militar dos EUA, pediu desculpas
por ter participado de uma presepada de Trump que nada tem a ver com
Forças Armadas: “Minha presença (...) criou uma percepção de
envolvimento dos militares na política interna”, lamentou. Bingo. Já
imaginaram no Brasil? Ia ter fila.
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo