Opinião
O Congresso, pelos feitos e malfeitos do presidente, pode dar a ele a paz que tanto diz almejar
[desacreditar o que não existe é impossível.]
Na
maior corrida do século para produzir, no mais curto espaço de tempo, uma
vacina eficaz e segura contra o novo coronavírus, obstáculos são previsíveis e
inevitáveis. Os cientistas aprendem muito com seus erros, o que, tragicamente
para os brasileiros, não é o caso do presidente Jair Bolsonaro. Só há motivos
para lamentar quando uma das tentativas de derrotar o vírus fracassa ou atrasa.
Paranoico, Bolsonaro encontrou um tétrico motivo de júbilo no episódio muito
estranho de suspensão dos testes da Coronavac, da chinesa Sinovac, que será
produzida pelo Instituto Butantan. O presidente acreditou que seu rival João
Doria fora decisivamente atingido pelo evento, que, no final, não era nada
daquilo que imaginava.
A
precipitação em obter um trunfo político lúgubre apequenou mais uma vez um
presidente já diminuído por várias demonstrações desumanas de insensibilidade.
Os efeitos nocivos do golpe falho não atingiram só o presidente, o que por si
só já seria grave. Com sua patuscada no Facebook, acusando a vacina que será
produzida em São Paulo de provocar “morte, invalidez, anomalia” colocou também
sob grave suspeita o presidente da Anvisa, o contra-almirante Antônio Barra
Torres, um amigo do presidente.
Um
dos voluntários no teste da Coronavac foi encontrado morto no dia 29 de outubro
e a polícia suspeita fortemente de suicídio. O óbito foi comunicado à Anvisa em
6 de novembro, uma sexta, e a mensagem ficou parada inexplicavelmente - a
versão oficial é de problemas técnicos - até o dia 9. Às 15 horas da
segunda-feira, a Anvisa solicitou informações de Dimas Covas, diretor do
Butantan. O ofício dava o prazo de uma dia para a resposta, que o instituto
disse ter enviado em seguida. No início da noite, um mail da direção do órgão
regulador convidara os técnicos do Butantan para um encontro, que não ocorreu:
38 minutos após o mail, a Anvisa suspendeu os testes (Folha de S. Paulo,
ontem). [suspender os testes diante de qualquer suspeita de um evento adverso grave vitimando um dos voluntários é DEVER do órgão regulador, da mesma forma que comprovada a não relação entre o evento e os testes seja autorizada a continuidade.
O órgão patrocinador, no caso o Butantã, tem a obrigação de comunicar a ocorrência à Anvisa - o que não impede que o órgão regulador adote medidas logo que cientificado, sem condicionar o cumprimento de um dever de ofício a uma ação do fiscalizado. A SAÚDE PUBLICA EM PRIMEIRO LUGAR. ]
Barra
Torres, em entrevista no dia seguinte, disse que suspendera os testes sem ouvir
previamente o Butantan. Após reunião com Covas na manhã de terça, decidiu
manter sua decisão por considerar as respostas insatisfatórias. Sugeriu um
parecer ao Comitê Internacional Independente, que pouco antes das 17h concluiu
o que já estava estabelecido - a morte não teve qualquer relação com a vacina.
Mas na manhã do mesmo dia, o presidente vangloriou-se no Facebook, “mais uma
que o Jair Bolsonaro ganha”, com a mesma alegria de alguém que vibra com
desventuras do vizinho após ter-lhe rogado terríveis pragas.
Há
mais a averiguar do que a morte do voluntário dos testes da Coronavac. [será que alguém imagina que o "suicídio" foi facilitado para interromper os testes? As aspas em suicídio é que tal nefasta ocorrência necessita ser comprovada pelo IML e outras perícias.] Antes, a
importação de vacinas pelo governo paulista parecia prestes a atrasar por falta
de aval da Anvisa. O presidente já espinafrara o ministro da Saúde, Eduardo
Pazuello, por firmar acordo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac,
e jurara que a vacinação não seria obrigatória. Pazuello, Barra Torres e
Bolsonaro foram infectados pela covid-19.
A
atitude precipitada [sic] de Barra Torres interrompendo os testes serviu à exploração
política por Bolsonaro. Barra Torres exibiu condutas incompatíveis com o cargo
que assumira (então interinamente), de presidente de uma agência reguladora de
vigilância sanitária. Em março, quando o então ministro Luiz Mandetta tomava
providências contra a covid-19, apesar do presidente, Barra Torres foi com
Bolsonaro a uma manifestação, que certamente não foi a favor da democracia, sem
máscara. É um convicto aliado do presidente e ficou a seu lado contra Mandetta,
demitido. Ontem, a Anvisa liberou os testes.[as máscaras se tornaram obrigatórias no DF em 30 de abril, data estabelecida em decreto do governador do DF = decisão suprema em abril* estabeleceu que todas as medidas de combate ao coronavírus seriam adotadas por governadores e prefeitos.
A propósito: quem é Mandetta? é aquele que foi ministro da Saúde, graduado em ortopedia, tentou ser escritor e o número de exemplares vendidos do que esperava ser um best-seller o tornou, precocemente, um ex-escritor?]
Bolsonaro
seguiu roteiro igual ao de outras vezes em que sua família aparece em apuros,
desviando atenções com declarações bombásticas e provocativas. Dias antes, o
Ministério Publico denunciou o senador Flavio Bolsonaro como chefe de
“organização criminosa” no escândalo das “rachadinhas”. 162 mil mortes depois
da omissão imperdoável do presidente na coordenação [sic]* do combate à covid-19,
Bolsonaro disse que a morte é inelutável e que o Brasil “tem de deixar de ser
um país de maricas”.
O
presidente afirmou que não tem “tesão” pelo cargo, depois do opróbrio de
comemorar falsa derrota de um político que quer seu lugar. “Minha vida aqui é
uma desgraça, é problema o tempo todo. Não tenho paz para nada”, disse. A
conduta de seu herói, Donald Trump, na pandemia, ajudou a sepultar sua ambição
de um segundo mandato. Aqui pode ocorrer o mesmo. Ou então o Congresso, pelos
feitos e malfeitos do presidente, pode dar a ele a paz que tanto diz almejar. [o Congresso ter coragem, disposição para tratar do impedimento de um presidente com ampla popularidade?]
Opinião - Valor Econômico