Tem sido impossível não lembrar dos ghostbusters quando acompanho, com profundo pesar, o autoritarismo mediante o qual o topo do poder judiciário brasileiro assedia e persegue seus próprios fantasmas de modo tenaz e impiedoso, intervindo na liberdade de expressão de um modo que não se via desde tempos remotos.
Como soa pouco convincente uma defesa da democracia que cerceia liberdades, que censura opiniões, que impõe a comunicadores medidas raramente adotadas e mantidas contra traficantes! Os excelentes atores do filme sabiam que interpretavam um papel ficcional. E eram muito simpáticos.
O Brasil vive um período de instabilidade. Mas se existe algo estável é esse regime autorrotulado como democrático, no qual os poderes de Estado – estáveis como eles só! - se encarregam de promover os trancos e barrancos que fazem tremer o solo sobre o qual nós, cidadãos, queremos andar e levar nossas vidas. No regime, enfermo de nascença, ninguém tasca! As necessárias reformas que o poderiam estabilizar são inconvenientes àqueles a quem caberia votá-las. Tudo é feito em viés oposto, para preservar a ordem institucional que lhes convém e ampliar os próprios privilégios.
Leitura que fiz no site Poder 360º sobre a decisão que colocou Allan dos Santos na lista vermelha da Interpol me pôs diante de um trecho em que o ministro Alexandre de Moraes diz ser a prisão preventiva a “única medida apta a garantir a ordem pública”. Será que estamos, leitor, perante um caso de desordem pública ... imperceptível? Pois é. Do que li, colhi a impressão de haver, no Brasil, um lado que “reforça o discurso de polarização”, “gera animosidade dentro da sociedade brasileira” e “promove o descrédito dos poderes da república” (haveria tanto a dizer, em mais espaço, sobre cada uma dessas frases!).
Assim como considero pífia a inclusão de tais afirmações na lista das acusações contra Allan dos Santos, eu as percebo compatíveis com o atual modo de agir e reagir do STF.
Lembro, por fim, que nenhuma instituição se confunde com “a” democracia e que os três poderes de Estado são poderes “da” democracia. Esta, assim como tem uma dimensão técnica, que envolve seus poderes e sua organização, tem uma não menos significativa dimensão ética, na qual se incluem a adesão, tão consensual quanto possível, a valores em cuja ausência ela se desfigura e, até mesmo, muda de nome. Entre eles a liberdade de opinião.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.