Rosângela Bittar
Imposto, contribuição ou sigla terão a carga negativa da velha CPMF
Então, eis que o polivalente [sic] Paulo Guedes, anunciado como Posto Ipiranga
por suas mil e uma competências, adere à tática oportunista do colega
ministro e aproveita a porteira aberta da mortal pandemia para fazer
passar sua boiada. A primeira e mais vistosa delas transforma a extinta CPMF em imposto
sobre transações financeiras, agora renomeado como CP, sem perder a
imagem odiosa. A nova CPMF já vingou como projeto, adiado apenas provisoriamente pelo
desgaste histórico, revivido a partir do seu relançamento. Seguirá numa
segunda etapa da reforma tributária iniciada ontem. E que os
responsáveis por sua negociação não se prendam à semântica, como costuma
fazer este governo quando lhe faltam argumentos. Imposto, contribuição
ou sigla terão a carga negativa da velha CPMF, que, há muito, migrou da
economia para a política.
Seja tributando transações eletrônicas ou transações digitais, operações
de consumo ou contribuição de pagamentos, a nova CPMF renderá mais que
seu antigo modelo. Terá incidência universal, já que as operações não
digitais estão em extinção. Não haverá condescendência com pobres e
remediados, em nome de quem, ironicamente, será cobrada. Além da
vantagem (para o governo) de ter a alíquota facilmente majorável,
conforme a demanda do momento. Injustamente cumulativo, como denunciam tributaristas, o imposto é reiteradamente desejado pelos governos de qualquer ideologia. A fácil arrecadação e a ampla base o tornam irresistível.
No governo Lula sua ressurreição foi orçada em R$ 40 bilhões; e o dobro,
R$ 80 bilhões, no governo Dilma. Com a amplitude da concepção atual,
resultará em soma ainda não avaliada devidamente. Na estratégia não escrita de negociação do imposto, argumenta-se que a
CPMF tem mais chances, agora, devido ao calendário. A sucessão está
distante e haverá tempo para reduzir a indignação de todos até a
campanha. Além de maior viabilidade de aprovação, ao contar com o apoio
do Centrão. Não tendo impeachment no horizonte, o bloco será convidado a
saldar sua fatura com a votação da CPMF. E não se fará de rogado, pois
estará gerando as verbas que vai manejar.
Criado em 1997, apesar de provisório, durou 10 anos. O imposto teve
diferentes justificativas oficiais, diferentes finalidades, diferentes
apelos e diferentes alíquotas: 0,25% na criação, subiu para 0,38%,
depois recuou para 0,30%, em seguida voltou a 0,38%, quando foi extinto,
em 2007.[o de agora, aparentemente, sendo de 0,2% cobrará de TODOS, 0,4%=incide na hora de receber e na de pagar.] Ao longo do tempo, já foi imprescindível [sic] para sobrevivência do sistema
previdenciário; para socorro à saúde; manutenção da ameaçada Bolsa
Família; reforço ao auxílio-desemprego; afastamento do risco ao abono
salarial.
Neste ano e meio de governo Bolsonaro, alegou-se ser a CPMF necessária
para o combate à sonegação, desoneração da folha e, por último, criação
do programa Renda Brasil. De repente, o destino principal voltou a ser a
desoneração. Desoneração essa que, aprovada pelo Congresso, foi vetada pelo sempre
ambíguo Bolsonaro. Lícito concluir, então, que o governo quis restaurar,
com o veto, a melhor barganha de aprovação da CPMF.
Para uma solução como esta, de pouca imaginação, não precisaria o
presidente recorrer a Paulo Guedes, com sua marca da escola de Chicago e
o poder de centralizar o comando de quatro ministérios: Fazenda, com
todos os bancos federais; Planejamento, que autoriza e administra os
gastos; o do Trabalho e o da Indústria e Comércio Exterior. Além de uma
ascendência ímpar sobre o presidente da República.
O economista Guido Mantega, cujo currículo não impressiona, propôs
exatamente a mesma solução para os mesmos problemas aos dois presidentes
petistas com quem trabalhou. Guedes poderia ter sido mais original na formulação da política
pós-pandemia, dispensando o imposto estigmatizado pela sociedade.