Fernando Exman
Cenário para aprovação de nova CPMF é desafiador
Está se consolidando um cenário desafiador para o governo discutir com o
Congresso a criação de um novo imposto sobre pagamentos. A equipe
econômica e os articuladores políticos do Palácio do Planalto terão
dificuldades para convencer os parlamentares de que a ideia de reforçar o
caixa do governo com uma espécie de nova CPMF, somada a investidas
contra o teto de gastos, não tem relação alguma com o projeto do
presidente Jair Bolsonaro de se reeleger em 2022. Hoje o diálogo entre os chefes dos Poderes é muito mais fluente do que
se via poucas semanas atrás. Há exceções, claro, como a recente
desavença entre as Forças Armadas e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo
Tribunal Federal, em razão da declaração do magistrado sobre a gestão
do Ministério da Saúde por militares durante a pandemia. A tentativa da
Polícia Federal de entrar no Congresso para vasculhar o gabinete do
senador José Serra (PSDB-SP), impedida pelo presidente Davi Alcolumbre
(DEM-AP) com o apoio do STF, tampouco contribui para desanuviar ainda
mais as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas é
evidente que o ambiente institucional serenou. [Notem a contradição = dois pesos, duas medidas:
- quando foi cogitada a possibilidade de um ministro do STF determinar a apreensão do telefone do presidente Jair Bolsonaro, e o general Heleno alertou via nota para o risco de medida tão acintosa, quiseram levar o general para o 'tronco' - o menor adjetivo empregado contra o general foi o de 'golpista.
Agora, imbuído de um espírito conciliador - ausente na maior parte dos ministros do STF, alguns buscando o confronto via provocação - o ministro Dias Toffoli entendeu conveniente impedir que a Polícia Federal ingressasse no gabinete do senador José Serra e vasculhasse suas dependências.
Medida acertada, não tanto por preservar o senador e sim por sua efetivação representar ofensa a um dos Poderes da União.
A decisão do ministro também alertou o magistrado que havia autorizado as medidas de busca e apreensão, que a apreensão do celular não era adequada para o momento - determinando a suspensão.]
No Congresso, agora o Palácio do Planalto tem uma base de pelo menos 200
integrantes e pode ampliar esse número dependendo do projeto que
estiver em discussão. A atual legislatura tem um perfil mais reformista.
A falta de credibilidade, contudo, pode ser um obstáculo crescente para
o governo conseguir emplacar sua agenda. As relações institucionais são feitas por pessoas e, como em toda
interação humana, a desconfiança dificulta a convivência e a realização
de um trabalho conjunto. Parte considerável do Congresso não acredita
mais totalmente no que é dito por autoridades do Planalto nem por seus
representantes no Legislativo. [Em contrapartida, o povo não acredita que os parlamentares estejam do lado dos seus anseios - se estão, se esmeram em que seus atos causem impressão contrária, certeza mesmo.
É conveniente que o presidente Bolsonaro entenda que o a nova CPMF - com qualquer nome - não trará os resultados favoráveis esperados, por ser aplicada em quem paga e em quem recebe, vale o dobro e penaliza os mais pobres = para quem ganha um salário mínimo até os centavos contam e tudo que for comprar terá embutido, no mínimo, 0,4%.
Algo óbvio mas que muitos esquecem = qualquer valor pago, ainda que em percentual que pareça mínimo, tem importância maior para os que ganham menos.
Quando o perda total majorou o IOF, o diário em centésimos, pareceu insignificante, só que foi o bastante para tornar desvantajoso usar o cheque especial, mesmo quando o banco concede dez dias sem juros, para não usar a poupança.
Assim, a nova CPMF pode ser o golpe decisivo nos planos de reeleição do presidente - ainda que seja necessária e conveniente ao Brasil e aos brasileiros.
O melhor, ficou para o final: a alíquota poderá ser alterada mediante um simples decreto -modelo do IOF citado.] Acordos são descumpridos. Sinais são trocados entre o discurso e a prática.
O melhor, ficou para o final: a alíquota poderá ser alterada mediante um simples decreto -modelo do IOF citado.] Acordos são descumpridos. Sinais são trocados entre o discurso e a prática.
A percepção é que o Executivo está cada vez mais dedicado a viabilizar a
reeleição de Bolsonaro - uma obsessão do presidente desde os primeiros
meses de seu mandato - do que a estabelecer uma agenda comum com o
Parlamento. É compreensível, portanto, que os congressistas que não
estejam alinhados ao Palácio do Planalto ajam com cada vez mais cautela,
antes de encampar as propostas originadas no Executivo. Nessa nova
conformação das relações, a intenção de se criar uma nova tributação
sobre pagamentos ou transações digitais, uma reedição da antiga
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), pode ser
uma das principais vítimas.
Bolsonaro, historicamente contrário à CPMF, chegou a demitir um
secretário da Receita Federal para evitar que o impopular assunto
danificasse sua imagem. Agora tenta reposicionar-se no debate. A argumentação da equipe econômica também está pronta e afiada: a
contribuição se faz necessária para reforçar o novo programa de
assistência social, o Renda Brasil, e bancar desonerações. Estaria no
bojo de uma reforma mais ampla do sistema tributário nacional. No Palácio do Planalto, o que se diz é que a carga tributária não
aumentará e que, pelo menos de um ponto de vista, a CPMF seria um
imposto relativamente justo: o valor não chegaria a ser um absurdo e
paga mais quem faz um maior número de transações financeiras. Em outras
palavras, se estão pedindo um sacrifício da população no pós-pandemia, a
abnegação maior precisa vir daqueles que possuem mais dinheiro. O
governo conta com o respaldo do Centrão e da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp), a qual protagonizou no passado a campanha
que ajudou a inviabilizar a prorrogação da CPMF pelo ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Mas o governo sabe que no Congresso o embate não será fácil. A CPMF ficou estigmatizada.
A primeira experiência com esse tipo de contribuição foi feita em 1994.
Dois anos depois, o governo da época retomou a discussão sobre a
possibilidade de se direcionar essa arrecadação para a área da saúde. O
provisório foi se tornando permanente, até que no fim de 2007 a Câmara
dos Deputados aprovou a prorrogação do tributo até 2011, mas o Senado
barrou a iniciativa.
O governo Lula ponderava que o fim da CPMF acarretaria numa perda de
arrecadação de aproximadamente R$ 40 bilhões em 2008, mas o argumento
não sensibilizou o Senado. Apesar de ter sido criada sob a alegação de
que seria usada para financiar a saúde, seus recursos sempre foram
destinados para outras áreas. A derrota virou uma questão de honra para Lula. O ex-presidente fez de
tudo para derrotar nas eleições seguintes os algozes da proposta de
prorrogação da CPMF, os quais, por sua vez, passaram a dizer que a
votação da manutenção do imposto seria um teste do governo para depois
tentar emplacar uma PEC para permitir um terceiro mandato do petista.
Mesmo que essa correlação não tivesse base na realidade, é inegável que a
aprovação da prorrogação da CPMF daria um grande fôlego para o governo
imprimir sua marca no restante do mandato de Lula às vésperas das
eleições seguintes. Beneficiaria tanto Lula quanto seus aliados.Conjectura semelhante pode ser feita agora, com uma grande diferença: o
governo atual teria que burlar ou alterar as regras que regem o teto de
gastos, a grande âncora fiscal, para poder aumentar despesas ou
investimentos. O problema de Bolsonaro é que sinais nesse sentido já
estão sendo captados tanto por parlamentares quanto por economistas.
Os opositores de uma nova CPMF insistem que essa contribuição sobre
pagamentos é regressiva e punirá os mais pobres. Inevitavelmente, a
esquerda tentará retomar a discussão da tributação de grandes fortunas,
sob o argumento de que esta sim seria a forma mais justa de reforçar os
cofres públicos. No pano de fundo das discussões, no entanto,
permanecerão as suspeitas sobre os reais objetivos do governo. A
confiança é um produto em escassez na Praça dos Três Poderes.
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