O Estado de S.Paulo
Uma lei de silêncio tem sido imposta a tudo que é relacionado aos militares
O apagão de dados sobre o auxílio emergencial de R$ 600 é muito grave. É
obrigação do Ministério da Cidadania começar a abrir com detalhes essas
informações para entendermos a real necessidade de prorrogação do
benefício para além das duas parcelas anunciadas essa semana pelo
presidente Jair Bolsonaro. A proposta do Renda Brasil, como está sendo chamado o programa social do
governo que vai substituir o Bolsa Família, não poderá ser bem avaliada
se os especialistas não tiverem a real dimensão do seu alcance após os
efeitos da pandemia, que ampliou a pobreza no País e vai tirar emprego
de milhões de brasileiros.
O desenho inicial do programa social planejado pelo Ministério da
Economia, como mostrou o Estadão, revela que o ministro da Economia,
Paulo Guedes, pretende ampliar de R$ 32 bilhões para R$ 51,7 bilhões a
destinação de recursos após o fim do auxílio. Maior espaço fiscal está
sendo buscado para ampliar a verba, mas a equipe econômica quer que tudo
fique dentro do teto de gastos, que é no momento a sua principal âncora
fiscal.
Especialistas no tema, porém, avaliam que o aumento nos recursos é pouco
para a realidade pós-covid. Eles fazem as contas: 60 milhões de
brasileiros, que recebem hoje o auxílio, devem ficar de fora do Renda
Brasil. Como fazer uma apuração detalhada se o governo não abre a caixa-preta
que se tornou o auxílio? [É necessário que as informações sobre o auxílio sejam disponibilizadas aos que tomarão decisões sobre o programa.] Nem mesmo informações solicitadas pela Lei de
Acesso à Informação (LAI) estão sendo respondidas. Na maioria dos casos,
os pedidos da imprensa profissional são atendidos de forma protocolar,
com respostas até mesmo desconectadas com as perguntas.
Quantas pessoas foram aprovadas a receber o auxílio? Quantas
efetivamente receberam? Quantas tiveram os pedidos negados? Quais os
motivos? Quantos pedidos estão em análise e, até mesmo, quantas famílias
foram cortadas do próprio Bolsa Família, contrariando o período de
suspensão dos cancelamentos determinado por portaria ministerial? Quais
os Estados e municípios dessas pessoas, para que se possa preparar a
Defensoria Pública e até mesmo os gestores? Perguntas ainda sem
respostas.
Enquanto faltam dados precisos, alertas de organizações sociais têm
chamado a atenção para a decisão do governo de passar todos os
beneficiários para a poupança digital criada automaticamente pela Caixa
Econômica Federal, mesmo que tenham indicado conta já existente em outro
banco na solicitação do auxílio. Essa restrição provocou distorções e, até mesmo, o roubo criminoso que
permitiu a movimentação indevida do valor do auxílio emergencial,
trocando o e-mail e o telefone cadastrados. Casos sobre fraudes são
expostos todos os dias, enquanto pelo menos 10 milhões de pessoas ainda
aguardam resposta para receber o auxílio, mesmo depois de 80 dias do
início dos pagamentos.
O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, só divulga o que quer e esconde
os dados mais importantes sobre o programa de transferência de renda
para os desassistidos na pandemia do coronavírus. Nem mesmo justifica a
falha de cruzamento para detectar pessoas muito ricas aprovadas para
receber a renda emergencial. Ou estão sonegando ou o sistema é muito
falho mesmo? O cronograma estendido até meados de setembro para a liberação do
dinheiro da terceira parcela indica que o pagamento das outras duas
poderá ir até dezembro. Um grande problema para um programa que é
emergencial.
Muito se tem falado sobre a falta de transparência de dados no governo
Bolsonaro. O episódio mais dramático foi a tentativa do Ministério da
Saúde de esconder os números das mortes e dos contaminados pela doença. Esses casos não são pontuais. Pelo contrário, se alastram na Esplanada.
Uma lei de silêncio tem sido imposta a tudo que é relacionado aos
militares. O Ministério da Economia, que deveria cuidar do impacto nas
contas públicas, tem recorrentemente evitado comentar quando o assunto é
relacionado aos militares. Até mesmo sobre informações publicadas no
Diário Oficial ou notas técnicas preparadas pelo próprio ministério.
Reportagem do Estadão mostrou o impacto de R$ 26,5 bilhões em cinco anos
de apenas um dos penduricalhos salariais aprovados pelo Congresso com
as bençãos do presidente Bolsonaro. É quase um ano de Bolsa Família
apenas com uma bonificação salarial dada aos militares que fizeram
cursos ao longo da carreira. O governo não quis explicar. Assim como também não quer revelar quantos
militares da reserva estão trabalhando hoje no Executivo recebendo um
adicional de 30%. Por que será?
Adriana Fernandes, colunista - O Estado de S. Paulo