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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

O SUS - Sistema Único de Saúde - Monica de Bolle

O Sistema Único de Saúde sobreviveu para lutar mais um dia neste governo de desmandos e descasos

O SUS, de fora, é visto com certa estupefação. Como um país de renda média como o Brasil conseguiu construir um sistema tão abrangente e que funciona para todos? O feito é incomum em países com características econômicas semelhantes às nossas. O feito não foi realizado nos Estados Unidos, onde, na pandemia, há muita gente desassistida, ou, quando assistida, quase falida. Aqui nos Estados Unidos a saúde é praticamente toda privada, e quem não tem plano de saúde, ainda que possa ser atendido nas emergências dos hospitais, depois recebe contas astronômicas a pagar. As falhas do sistema de saúde norte-americano, há muito debatidas, ficaram inteiramente visíveis agora, durante a crise da Covid-19. Embora os descasos brasileiro e norte-americano tenham sido semelhantes, no Brasil contivemos algumas mortes por causa do SUS. E a epidemia está longe de acabar.

Bolsonaro e Guedes tentaram passar um decreto, o infame 10.530 de 27 de outubro, que previa possíveis alterações consideráveis nas unidades básicas de saúde (UBS). O decreto mencionava estudos para avaliar a viabilidade de parcerias privadas nas UBS, ainda que não chegasse a falar em privatização. Contudo, esse é o governo do Estado mínimo. Difícil imaginar que alguma intenção privatizante não estivesse ali escondida. As UBS são a base articuladora do SUS; se privatizadas fossem, desapareceria o SUS. Não de supetão, mas penso que dá para ver o ponto.

O decreto Bolsonaro-Guedes não foi apreciado pelo Ministério da Saúde, tampouco pelo Conselho Nacional de Saúde, órgão do Ministério responsável pelas políticas de saúde pública. Não foi apreciado por órgãos fundamentais do Ministério da Saúde porque Bolsonaro-Guedes decidiram que não era relevante que opinassem sobre o documento e seu conteúdo. Evidentemente, algo que é da competência da área de saúde só pode mesmo ser apreciada, quando não elaborada, pelo Ministério da Economia. No governo de balão de ensaio de Bolsonaro-Guedes essa abordagem faz todo sentido — esse é o mesmo governo que já lançou o programa Renda Brasil, o programa Renda Cidadã e disse que o Brasil crescerá 46% de agora até 2031. Só para que os leitores não se confundam, não existe nem Renda Brasil, nem Renda Cidadã. Quanto ao crescimento de 46%, difícil opinar, já que dizer algo sobre isso necessariamente significa levar a sério o que é dito por Guedes.

O decreto não foi a lugar algum. Sob intensa pressão da sociedade, de várias entidades, dos conselhos das secretarias municipais de saúde — todas as UBS são geridas pelos municípios, que tampouco foram consultados —, o presidente o revogou. O SUS sobreviveu para lutar mais um dia nesse governo de desmandos e descasos. [o decreto pode até ter sido um balão de ensaio;

Mas teve uma utilidade honesta: serviu para destacar o SUS - a maior parte da imprensa passou a defender o SUS e na defesa apontar vantagens, o desempenho excelente, a dedicação dos que lá trabalham = mostrando que o SUS é insubstituível.]

Contudo, os desafios do SUS são de tal ordem que faltam adjetivos para descrevê-los. O Brasil caminha a passos largos para enfrentar uma segunda onda da pandemia, como já se vê mundo afora — aqui nos Estados Unidos estamos já na terceira onda. Para além disso, há a sobrecarga de pacientes com sequelas da Covid-19, sobre as quais escrevi esta semana em artigo para o Estadão. Por fim, há o enfrentamento do teto de gastos que, do jeito que está, não permitirá que qualquer centavo seja direcionado ao SUS em 2021.

O SUS. #DefendaoSUS.

Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins


sábado, 26 de setembro de 2020

O código da fome - Editorial -

IstoÉ

Dá para imaginar o que é isso? Ficar dias e dias com o estômago a ronco, aquela dor aguda, lancinante, enganada às vezes a caldo de folha ou na maisena insossa de farinha com água e nada mais? Nem aroma para consolo? Sentado no declive do chão de pedra, proximidade do teto de palha, parede de barro e pau, que ameaça todo dia cair, no castigo do sol e da chuva, com o odor incessante de esgoto a céu aberto, em um ambiente onde a miséria espreita como sina, dividir a parca ração do dia é quase um privilégio de poucos ali — cenário mais extenso e predominante Brasil afora do que imaginam os benfejados pela sorte. 
Crédito: FABIO TEIXEIRA

(Crédito: FABIO TEIXEIRA )

Quem não está lá nem desconfia da sinopse de angústias desses humildes desvalidos, o contingente populacional classificado por institutos oficiais na condição de carência alimentar extrema, consumidos pela privação, cujas vidas são uma experiência de risco em alta cadência, rotineiramente. As crianças desnutridas, que mais sofrem, com seus corpos miúdos, pernas mirradas, braços de tão magros estendidos como asas sem serventia, remela nos olhos entre insetos, reclamam no choro instintivo (manhã, tarde e noite) por um prato de alimento sólido. 

Uma refeição honesta, quem sabe! No amplo universo dos desesperados sociais brasileiros, viver com fome é realidade constante. Ao menos 10,3 milhões deles estão no momento sem nada para comer, segundo a mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, divulgada semana passada. Uma barbaridade! Número que tende a piorar com a pandemia, depois de um incremento recente de mais de 3,1 milhões de necessitados na mesma condição, agravando um quadro que já é vergonhoso e inaceitável no País que se autoproclama “celeiro do mundo”, detentor do maior cinturão verde planetário, onde tudo que planta dá, com área cultivável de dimensões continentais. A verdade do evento trágico é deveras pior. Atualmente, segundo o levantamento, 36,7% dos lares brasileiros isso mesmo! — têm dificuldade para garantir qualidade e quantidade de alimentos a todos os integrantes da família. Atente para o drama: está se falando de mais de um terço, quase a metade das casas no País, onde falta comida suficiente para seus membros. 

É suportável aceitar tamanha indigência? Talvez até para não chocar em demasia uma sociedade acostumada ao descaso, os famintos são, eufemisticamente, enquadrados em três níveis de “insegurança alimentar” — todas elas abomináveis, mas que tendem a abrandar o choque de quem não compreende a dimensão do desastre social, de proporções épicas, agora em curso. Na escala, existem as famílias que não podem comprar o suficiente para sustento e passam aperto

No pelotão intermediário é considerado restrição alimentar “moderada” o constrangedor estratagema de pular refeições. 

E no grau extremo, não há mesmo nada o que comer, muitas vezes por dias, e a mendicância, apelando nas ruas, segue como ultimo subterfúgio. É desolador aceitar, mas a fome por aqui adquire rosto e move um Brasil mais comum do que muitos imaginam. Por que falhamos em providências essenciais e prementes para boa parte da população? Como pudemos chegar a esse grau de desamparo? A face mais arrasadora e ultrajante da calamidade alimentar está no contraste da consciência de líderes, senhores do Estado, que negam o destino comum a tantos brasileiros. O mandatário Jair Bolsonaro, por exemplo, é o primeiro a desdenhar do infortúnio: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira”, disse recentemente, desconsiderando as evidências e até chacoteando dos desvalidos. “Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas, com físico esquelético”. Provavelmente, o parvo chefe da Nação não está frequentando as ruas que devia na condição que o cargo lhe exigiria. Todos sabem, sanha corrente, Bolsonaro não desperdiça uma chance de errar, como confirmam as baboseiras lançadas em qualquer direção. Foi agraciado pelo Congresso [???; o presidente da República bancou os R$ 600,00 e faltou ao Maia e Alcolumbre a coragem de derrubar os R$ 600,00 - REPETIMOS: proposto pelo presidente JAIR BOLSONARO.

No inicio o Congresso era contra, quando recebeu a proposta do Poder Executivo, R$ 300 por mês, decidiu fazer política e tirar vantagem optando por R$500,00, tendo o presidente Bolsonaro batido o martelo em R$ 600,00.] 

(.....)

O vendaval de aflitos não pode esperar muito tempo, na crueza da escassez, para saciar suas necessidades. Na calada da noite, nos barracos construídos ilegalmente ou na cobertura de papelão cercada por pneus velhos, debaixo do viaduto, em palafitas rudimentares, tentando sobreviver por meios insanos, são seres humanos, cidadãos, favelados ou não, invasores de terras e de imóveis abandonados, “pobres e paupérrimos” — na lembrança, essa sim providencial, do presidente — que acalentam e esperam diariamente resposta para a fome. João, Genésia, José, Francisca, são tantos os nomes e rostos dessa tragédia que machuca até encará-los. O pequeno Gerson, da comunidade paulista de Paraisópolis, deitado no chão, numa miserável confraternização com seu vira-lata, é todo dia engabelado pela mãe para sair às brincadeiras, tentando driblar a fome. É dor que não passa assistir à cena. Qualquer um, no mínimo de discernimento humanitário, vergaria lágrimas. 

A miséria mostra seu código de necessidade mais evidente na fome. Ela atinge e faz vítimas em escala bíblica no Norte e no Nordeste, que abrigam a parcela prevalente dos domicílios com privação alimentar. As carências, no caso, são mais sentidas em áreas rurais, regiões ribeirinhas, lares chefiados por mulheres, por negros ou pessoas autodeclaradas pardas. É a fome reforçando o preconceito. Perceba, também, o tamanho da frequência do drama enfrentado pelo rebento Gerson, acima citado: metade das crianças com menos de cinco anos (6,5 milhões ao todo no País) cresce em residências com algum grau de insegurança alimentar. O que tamanha chaga representa no desenvolvimento do País a maioria desconfia. A alimentação adequada é condição “sine qua non” para o aprendizado e desempenho escolar. Parte majoritária do público de pequeninos encontrava o que comer nas escolas e entidades de ensino. 

Com o fechamento dos estabelecimentos, em meio à quarentena, nem isso. A merenda de crianças e adolescentes sumiu da rotina e a leitura lógica sinaliza que a pandemia intensificou a vulnerabilidade dos que não comem, numa escalada sensivelmente agravada pelo aumento conjuntural dos preços dos alimentos. Na pororoca de situações inesperadas, todas conspirando para o mal, o desperdício de bilhões de sacas de grãos, frutas e vegetais — que se deixam cair nos transportes de safra, nos equívocos de escoamento ou de armazenamento indevido — parece inconcebível e poderia reparar ao menos parte do drama. Restam ainda a autoestima e esperança dos desvalidos e o caminho da solidariedade, capaz de fazer milagres. Há ainda um Brasil capaz de oferecer um prato a mais para uma boca a mais. Não apenas por meio das entidades filantrópicas e mutirões assistenciais. Cada um pode e deve fazer a sua parte, começando ontem, para legitimar a erradicação dessa doença da fome, que teimou em maltratar logo o povo habitante do celeiro do mundo.

Sobre o autor

https://istoe.com.br/o-codigo-da-fome/

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três


Na terra do calango, da casa de taipa e da pouca água extraída do mandacaru — o cacto pestilento e espinhoso do agreste —, trezentos reais é fortuna na vendinha do seu Zé do vilarejo, que aceita fiado, mas apenas “rico” com dinheiro pode comprar. Ninguém tem nem R$ 1 para ir lá. Boa parte vive à base do que planta e caça de bicho do mato. Quem consegue emprego na plantação de cana do usineiro, como cortador da lavoura, leva R$ 1,90 por dia pesado de trabalho. Do nada com coisa alguma, no semiárido nordestino ou nos rincões onde a pobreza espreita como sina, 300 reais é fortuna e muda a vida de muita gente. Quem dá, vira deus. Quem recebe, venera o mito. Pode ser quem for, transforma-se naquele “deus e o diabo na terra do sol”, recordando a obra clássica do cineasta Glauber Rocha. É a realidade nua e crua da parcela setentrional desse País imenso, só bonito por natureza. O demiurgo do sertão – pode ser de esquerda, de direita, quem se importa? Não vem ao caso – ganha licença para delinquir, falar baboseiras, perseguir, destruir o meio ambiente, ser arrogante, até roubar se quiser. O que der na telha. Terá mesmo assim, e garantido, o voto do açoitado pelo destino. Humildes lavradores, incrédulos sofredores, dão a dimensão real da miséria extrema desse Brasil grande. Ali a ignorância graça com fervor. Por falta de educação e informação mesmo, artigos raros e inalcançáveis a essa parcela da população. Ali, qualquer redentor é bem-vindo, aclamado, celebrado como “salvador”. Carregue o chapéu de coco, de palha, de cangaceiro, suba no jegue da região, use e abuse de qualquer pantomima. Trouxe a ajuda? É o que importa. Será saudado e serão feitas as suas vontades. O voto de cabresto está à disposição de quem pode pagar mais, regateado a granel. E assim se repetirá por décadas e séculos, até que a chaga da brutal desigualdade social seja curada. Não irá, todos sabem! É do interesse da elite manter tamanha injustiça no recorte do bolo. A extraordinária obra “Casa Grande & Senzala”, do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, retrata à perfeição a natureza dos contrastes que prevalecem nessas paragens tropicais desde o Descobrimento. A obra do “Mestre de Apipucos” escancara os meandros de como o regime econômico patriarcal e assistencialista foi danoso, causando ao mesmo tempo o atraso endêmico e a degeneração das relações sociais e do caráter político brasileiro. Sem o fim da desigualdade, resta o aliciamento. Imoral, covarde, enganoso, torpe. Bolsonaro é o redentor da vez. Ganhou quase 10 pontos percentuais nas pesquisas com o auxílio emergencial. Eram 600 reais. Viraram 300. Ainda tá de bom tamanho. Maior do que o de Lula, decerto. E assim venceu a pendenga dos indecisos ou arredios por lá. Prorrogou o benefício. O mandatário se afia agora ao donativo não por compaixão ou caridade, mas como boia eleitoreira. Um e outro não podem mais se desprender. Do contrário, a turba some. Pobres sedentos e esfomeados precisam do assistencialismo que faz a diferença entre vida e morte. Quem mora nas grandes capitais não entende o drama. Não nessa dimensão. Ter dinheiro nos sertões é raridade. 10 reais? Nem em um mês bom. E a iniquidade dos oportunistas de plantão avança e cria raízes nesse ambiente. Bolsonaro, que classificava o “Bolsa Família” de mero instrumento para “comprar o voto do idiota”, alegando ser uma maneira de “tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda”, tomou a fórmula para si. Curiosa metamorfose. Vale até a confraternização com aqueles a quem antes se referia, jocosamente, como “paraíbas”. Eis a transmutação débil e obscena: De um degenerado radical do “golden shower”, que defende a tortura e a morte de 30 mil, no populista de ocasião. Quem há de resistir e não atender ao chamado providencial dos 300? No pináculo do populismo, o drama dos necessitados é a argamassa. Nele se montam as retumbantes promessas de que “tudo vai melhorar”, sem que nada nesse sentido efetivamente seja feito. A narrativa enganosa comove o rebanho, malgrado as infâmias sobre uma revolução social que nunca chega. Jair Messias Bolsonaro foi tomado por um súbito e despudorado interesse pelos necessitados, enxergando neles mera massa de manobra. Não quer transformar ou remodelar a dura rotina local ou ajudar aquela gente a superar a realidade. Ao contrário. Caso assim pensasse, implementaria mudanças estruturais capazes de prover, de maneira sustentável, carências elementares como saneamento básico, transporte, saúde, luz, água, ensino. Afinal, é ele o governo. Não mero candidato. Poderia fazer, ao invés de prometer. Não está no escopo. Para que? Demora e não rende voto no prazo até às urnas. Com menos da metade do mandato, Messias traçou uma cruzada de peregrinações de campanha na qual o que valem são os aplausos, discursos vazios e encenações. Tudo em troca dos 300. Tá bem pago. É vida e morte errante, Severina, que segue. Meus conterrâneos um dia, rogo e suplico, poderão ter sina melhor.

https://istoe.com.br/os-300-de-morte-e-o-voto-de-cabresto/

Sobre o autor

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três


quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Recuperação em I

Carlos Alberto Sardenberg

O ministro Paulo Guedes já garantiu que conseguiria fácil uns R$ 2 trilhões com a venda de estatais e de imóveis da União, incluindo e velho e belo prédio do antigo Ministério da Fazenda no Rio. Para se ter uma ideia do tamanho da coisa: a previsão de gastos do governo federal para o ano que que vem é de R$ 1,5 trilhão; 
e o déficit esperado para este ano, com os gastos da pandemia é de R$ 800 bilhões.
Ou seja, a venda das estatais e dos imóveis no plano delírio de Guedes – daria para cobrir todo o déficit e ainda sobraria quase um orçamento inteiro para 2021. [põe plano delírio nisso; ainda que a super mega valorização, no plano delírio do ex-Posto Ipiranga, tivesse fundamento, seria necessário que as vendas ocorressem, a necessária realização se concretizasse.
E hoje todos sabem que qualquer venda que o governo Bolsonaro pretenda realizar pode ser cancelada, ou atrasada, bastando que qualquer partideco sem votos e programa, ou qualquer inimigo do Brasil, respaldado pela sociedade civil ou qualquer coisa do tipo, ingresse na Justiça contestando a venda, e tudo empaca.]

Passados 20 meses de governo, o ministro já deve estar sabendo que não vai conseguir vender as estatais mais valiosas, muito menos os imóveis. (Só para registrar: desde o final da ditadura, todos os governos acreditaram que dava para fazer uma grana vendendo imóveis. A burocracia e a resistência das corporações barra tudo). Mas não tem problema para o ministro Guedes. Já que não dá para vender todas estatais, principalmente Petrobras e Banco do Brasil, que dão os maiores lucros, nasce uma nova ideia: o maior programa de distribuição de renda.
Como? Distribuindo para o povo pobre os lucros das estatais. Seria um dos pilares do novo Renda Brasil, cujo fundo também teria dinheiro dos ricos, a ser tomado com algum tipo de imposto.
Beleza!

Ocorre que o Renda Brasil tem que ser uma despesa fixa. Ou não? O lucro das estatais é variável. Será que estão pensando numa renda variável, proporcional ao tamanho dos lucros? Ou, no limite, se a estatal der prejuízo, o beneficiário do Renda Brasil teria que pagar uma parte das perdas? Eis porque o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista ao Globo, chamou de café com leite a proposta de orçamento para 2021, encaminhada ao Congresso no último dia 31.
Simplesmente não consta ali nada a respeito do Renda Brasil, nem quanto será pago, nem a quantas pessoas, nem a fonte de recursos. É nada. E também não está prevista a receita para o Fundeb, cujo valor foi recentemente elevado pelo Congresso.

Ou seja, o orçamento para 2021 não existe. Terá que ser feito ao longo dos próximos meses em debates com o Congresso. Significa que até aqui não tem Renda Brasil nem FundebMas terá a reforma administrativa, proposta de emenda constitucional, prometida para ser enviada ao Congresso nesta quinta-feira. É importante: trata-se de reduzir o gasto com funcionalismo (o segundo maior, depois da previdência) e melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços prestados ao público.
Para isso, serão limitadas as carreiras de estado aquelas que têm estabilidade – serão reduzidos os salários de entrada e a evolução funcional se dará pelo mérito e não pelo simples passar do tempo, como é hoje. [e aqueles privilégios de integrantes de algumas categorias, que quando cometem algum crime - muitas vezes  passível de  punição incluindo demissão a bem do serviço público e direito a camburão estacionado na porta do órgão para conduzi-lo ao presídio,  é substituída por aposentadoria compulsória com direito a salários.
Como fica a situação deles? Serão punidos com rigor, incluindo demissão sem salário, ou apenas aposentados com direito aos proventos?]
Mas isso para daqui uns 20 anos pelo menos. O presidente Bolsonaro disse que a reforma não poderá mexer em nenhum direito dos atuais funcionários. Só valerá para os concursados que entrem no serviço depois de aprovada a reforma. [enquanto for destacado que as medidas de uma reforma administrativa só vale para os futuros funcionários, não ocorrerá reforma nenhuma.
Sendo recorrente: se a reforma tentada pelo Collor, no inicio do seu governo,  tivesse sido realizada,  os alcançados por ela, futuros funcionários, já estariam em vias de se aposentar.
Quando ao projeto para erradicação dos super salários, gambiarras, penduricalhos, extratetos, etc., está parada e deve continuar = dos que serão afetados por ela, alguns possuem o poder para dar andamento ou parar tudo e outros podem mandar parar.] os]
Já seria alguma coisa para as futuras gerações. Mas, caramba, não dá para mexer em nada agora? Nem nos super-salários, aqueles que vão muito além do teto de R$ 39 mil por conta de umas gambiarras jurídicas? Essas gambiarras podem ser desfeitas com leis simples. Aliás, há um projeto na Câmara que acaba com os extratextos – e que está parado.

Tem outro jeito de adiantar a reforma e eliminar algumas carreiras de servidores que ganham muito e fazem pouco. Por exemplo: o pessoal da polícia legislativa da Câmara e Senado, cuja função é supostamente dar garantia aos parlamentares. Mas ao mesmo tempo, as duas casas contratam serviços de segurança e motoristas. Neste caso, basta simplesmente não substituir os que se aposentam. [os servidores do INSS que se aposentaram e não foram substituídos, fazem falta;
mas, esse pessoal da polícia legislativa, que não controlam nem trânsito na base do apito, não fará nenhuma falta.] Vários países fizeram isso. E poderia ser feito com várias outras carreiras a serem extintas. Ou seja, dá para fazer e é preciso tomar medidas para reduzir gastos atuais e melhorar eficiência hoje, não daqui a 20 anos.

Na última terça, quando saíram os resultados do PIB do segundo trimestre, o ministro Guedes disse que era o estrondo de um raio que já caiu e não cairá mais. Garantiu que a economia já está em recuperação em V. O Jornal da Globo, considerando esses planos e programas que são meras ideias sem realidade, observou que mais parece uma recuperação em I, de incerteza. [sem pretensões a ingressar no complexo mundo da previsão econômica, tem sido observado que  países sofreram uma queda  brusca do PIB  no trimestre anterior ao ápice da peste, mas, já iniciam a recuperação. Torcer para que ocorra no Brasil - apesar dos inimigos do presidente.
De qualquer forma, fica o registro de que o ministro Paulo Guedes foi considerado a panaceia, ou quase, de todos os males da economia.
Agora se percebe que é a  causa, ou o adubo de crescimento, de todas as crises. Já passa da hora de sair ou 'ser saído'.]

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

Coluna publicada em O Globo - Economia 3 de setembro de 2020


terça-feira, 4 de agosto de 2020

A conquista do Nordeste - Andrea Jubé

Valor Econômico



Para o senador Ciro Nogueira, Bolsonaro vai tomar o eleitor de Lula [lula e o perda total = pt, acabaram.]
O eleitor nordestino ganhou fama de clientelista, [lamentavelmente, não é fama e sim fato.] de quem troca voto por benefícios sociais, como o Bolsa Família. Na verdade, entretanto, políticos experientes sabem que o eleitor nordestino é cabra astuto, que cobra explicação de quem de repente muda de lado. Pois o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que foi aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT no Piauí por quase 20 anos, teve de se justificar depois de ciceronear Jair Bolsonaro no périplo nordestino na quinta-feira.

Um dia depois das agendas com Bolsonaro no Piauí e na Bahia, Ciro publicou em sua conta no Twitter: “Há um velho provérbio chinês de muita sabedoria: o sábio pode mudar de opinião. O ignorante, nunca”. 
Na postagem mais lúdica, o senador apelou para o cearense Belchior: “Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer. O que há algum tempo era jovem e novo, hoje é antigo. E precisamos todos rejuvenescer”.

Com Bolsonaro, Ciro “rejuvenesceu” politicamente mais uma vez, porque antes de se tornar aliado de Lula, integrou os quadros do ex-PFL, hoje DEM, na era Fernando Henrique Cardoso. O senador, que é presidente nacional do PP, afirmou à coluna não ter dúvidas de que Bolsonaro conquistará o eleitorado de Lula no Nordeste. Quando esgotar o auxílio emergencial de R$ 600 na pandemia, que catapultou a popularidade de Bolsonaro na região, Ciro acredita que o futuro Renda Brasil impedirá a debandada deste novo eleitor, porque será maior que o Bolsa Família, embora inferior aos atuais R$ 600.

O líder do PSD, senador Otto Alencar, que faz política na Bahia há 40 anos, e integra a base de apoio ao PT no Estado, discorda do colega de parlamento. Os votos da região, que representa quase 27% do eleitorado, decidem eleições. Os nordestinos deram votação recorde ao PT no segundo turno em 2018: 20,2 milhões do total de 47,4 milhões dos votos de Fernando Haddad. [curioso: tão importante o Nordeste em termos de apoiar o perda total = pt, e Bolsonaro ganhou as eleições 2018. Imagine, se não fosse importante.] No Piauí de Ciro Nogueira, Haddad obteve 77% dos votos válidos. “Só porque ele montou a cavalo, colocou um chapéu de vaqueiro, e distribui um auxílio que vai acabar ele vai ser o rei do Nordeste?”, questionou Alencar à coluna.

O líder do PSD ainda tripudiou, observando que Bolsonaro colocou o chapéu de vaqueiro, que ganhou do presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, ao contrário. O deputado João Roma (Republicanos-BA), que integrou a comitiva de Bolsonaro na visita a Campo Alegre de Lourdes, na divisa da Bahia com o Piauí, minimizou: “ali no meio da confusão não deu para o presidente vestir o chapéu com tranquilidade”.

Alencar observa que Bolsonaro foi a Campo Alegre de Lourdes inaugurar uma nova etapa de um sistema de abastecimento de água, que o governador Rui Costa, do PT, havia inaugurado há dois anos. Acrescenta que as outras obras que Bolsonaro inaugurou na região - um trecho da Transposição do Rio São Francisco, no Ceará, e o aeroporto de Vitória da Conquista, na Bahia - foram iniciadas nos governos do PT. [fica claro que esse Alencar, conseguiu algumas linhas em uma coluna de um jornal importante = feito que nunca conseguido antes de aderir ao vício dos inimigos do Brasil: falar mal do presidente.]

Otto Alencar duvida que Bolsonaro expanda sua força eleitoral na região sem o apoio dos governadores, que ataca dia e noite. Mesmo na pandemia, com o fechamento do comércio e das fábricas, a popularidade dos governadores continua alta. Pesquisas internas do PT mostram o governador Rui Costa com até 80% de aprovação popular em algumas regiões. Contudo, as mesmas sondagens indicam o aumento da popularidade de Bolsonaro no interior, principalmente após o início do pagamento do auxílio.

Os R$ 600, sobretudo em cidades do sertão nordestino, representam uma pequena fortuna nas casas de quem ficava dias sem comer. E embora esta quantia tenha sido definida pelo Congresso, é Bolsonaro quem leva a fama de benfeitor. [o presidente Bolsonaro teve a ideia de criar o auxílio, em valor menor, só que o ex-primeiro ministro Maia, quis pegar carona na ideia presidencial e ao mesmo tempo boicotar o governo federal - elevando gastos em plena pandemia - propôs um valor inferior a 500 reais, tendo o Poder Executivo batido o martelo em R$ 600,00.
A única coisa errada com o auxílio emergencial - resultado de rolos da CEF e do Cidadania - são os atrasos, que, no Nordeste foram pequenos, visto a grande predominância de beneficiários do Bolsa Família.]Reportagem do Valor mostrou que a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha de extrema pobreza nunca foi tão baixa em pelo menos 40 anos, desde o começo do pagamento do auxílio em junho, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas.

Otto Alencar rechaça a imagem de clientelismo do eleitor nordestino. “Isso [o auxílio] é pouco diante do que Lula fez na Bahia, como cinco universidades federais, 30 escolas técnicas, dezenas de obras de abastecimento de água no interior, mais de 560 mil ligações elétricas domiciliares no interior”, enumerou. “Essa renda mínima de cinco, seis meses vai apagar isso tudo?” O deputado João Roma associa o crescimento da popularidade de Bolsonaro na região ao pagamento do auxílio. Mas ponderou que isso virou um “dilema”, porque o governo não poderá arcar com essa quantia por muito tempo. É incerto o destino deste eleitor após o fim do auxílio.

Andrea Jubé, jornalista - Valor Econômico


segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Estranho liberalismo - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

Nova CPMF seria para financiar o Renda Brasil e aumentar a chance de reeleição de Bolsonaro

O assim chamado projeto de reforma tributária do governo federal é assaz estranho. Tardou 18 meses para ser apresentado, pois, da forma que foi feito, poderia ter sido entregue na segunda semana do mandato, em fevereiro de 2019. Com um pouco de preguiça, na quarta! Foi enviada à Câmara dos Deputados, com pompa e entrega pessoal, uma simples unificação do PIS e da Cofins, quando nessa Casa e no Senado tramitam duas PECs que, além de contemplarem esses pontos, são muito mais completas e abrangentes. Já há toda uma discussão em curso, comissão mista, relator, conversas avançadas com os secretários estaduais da Fazenda para incluir no projeto o ICMS, e assim por diante. Não faz o menor sentido o governo entrar em cena somente agora, salvo se a razão for política, e não econômica.

Tendo perdido protagonismo, ele tenta resgatá-lo. Seu risco consistia e consiste em ser deixado de lado, tornando-se mero ator coadjuvante, sem maior relevância. Foi ressentida uma necessidade de exposição política, veiculando a seguinte mensagem: também faço parte do jogo! Entrando como novo ator, criou toda uma encenação relativa a fatiamento, tentando embaralhar o debate. As falhas negociais são gritantes, porque a primeira etapa pressupõe as demais, com a alegação de que algo não contemplado neste momento o será depois, sem que se saiba se haverá depois ou, caso exista, qual será sua proposta. Não dá para confiar. Os diferentes agentes econômicos e sociais ficam literalmente pisando em falso, alguns com medo de ter seus interesses contrariados se disserem algo antes do tempo, sem que se vislumbre, porém, o próprio tempo! Em vez de entrar numa discussão séria, aproveitando os projetos existentes, o governo optou pela desorientação.

Houve um antecedente esclarecedor, que já prenunciava o que estava por vir. Quando da negociação do Fundeb, na última hora o governo tentou emplacar a transferência de parte dos recursos, voltados para a educação básica, para o Renda Brasil. Dessa maneira traria para si uma bandeira, preparando o caminho para seu próprio projeto político, dando-lhe visibilidade e apresentando uma justificativa social. No fatiamento, ficaram por enquanto de fora o aumento do Imposto de Renda da Pessoa Física, incidindo sobre os rendimentos mais elevados, tributação de heranças e dividendos, renúncias com o intuito de maior justiça social, questões essas, aliás, já presentes nas PECs em tramitação. [o presidente Bolsonaro deve uma promessa de atualizar a tabela do IRPF - só que más línguas murmuram que pretende também reduzir deduções - atualiza tabela = aparente redução de imposto - retira deduções = real aumento de imposto. Tudo igual a seis por meia dúzia.]
Em seu lugar reaparece uma ideia que mais parece obsessão: a recriação da CPMF. Parece que apenas isso importa. Tenta-se criar um clima favorável que possa eventualmente reverter a indisposição relativa a esse novo tributo. Por que tal afinco, quando parlamentares enviaram várias mensagens sobre a dificuldade de sua aprovação, para além de uma opinião pública avessa a essa proposta?

O objetivo é claro: recriar a CPMF para financiar o Renda Brasil que, por sua vez, serviria de instrumento para a reeleição do presidente Bolsonaro. Nessas condições suas chances seriam elevadas, repetindo a experiência lulista/petista. Não há nada de reformismo, liberalismo ou algo que o valha nessa proposta. Com o presidente Bolsonaro entrando no modo calmaria, negociação, suas chances de conclusão do mandato se potencializam, afastando o espantalho do impeachment. Tendo se dado conta de que sua aprovação popular não apenas se estabilizou, mas aumentou, optou por sair do modo sobrevivência para entrar no modo reeleição, sem se preocupar com o modo governabilidade, que implicaria projetos, ideias e negociações para tirar o País da imensa crise em que está imerso.

De liberalismo não há nada aí. De lulismo/petismo, sim! De populismo também. Estão cada vez mais parecidos, apesar de um vociferar contra o outro. Devem se amar secretamente. Lula teve a brilhante ideia de unificar os diferentes projetos sociais do governo FHC, dando-lhes novo nome, aumentando sua abrangência e seu financiamento. Nascia o Bolsa Família, criando uma clientela política cativa sob a roupagem do benefício social, assegurando sua reeleição e a eleição de sua sucessora. O presidente Bolsonaro pretende fazer o mesmo: renomear o Bolsa Família como Renda Brasil, aumentar o número das famílias beneficiadas e duplicar ou triplicar o seu financiamento. Sua reeleição estaria praticamente assegurada.

E como poderia fazê-lo? Recriando a CPMF. Não deixa de ser esquisito que um governo que se diz liberal na área econômica pretenda criar um novo imposto, chamado de digital ou seja o que for, onerando todos os contribuintes, isso depois de todo um discurso contra as políticas econômicas tucana e petista. A CPMF foi criada como IPMF no governo Itamar, perdurou até o governo petista e só foi derrubada por uma ampla concertação da oposição na época, com o ex-presidente Lula esbravejando a respeito. Também nisso o atual governo está sendo um discípulo de governos tão criticados.

Onde fica o liberalismo? E a coerência?

Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 31 de julho de 2020

Com a outra mão - Alon Feuerwerker

Análise Política


São muitos números, então é melhor ir direto para a explicação completa (leia). O fato é que o déficit primário explodiu e as previsões para este ano são astronômicas (leia). O que era para ser uma consistente política de austeridade sustentada foi abalroado pela pandemia da Covid-19. 
Paciência, dirão, o imprevisível é sempre muito difícil de prever.

É razoável supor que quando a pandemia passar (quando?) ficaremos sim com um problema de estoque de dívida, mas o fluxo vai talvez normalizar-se. Dirão os pessimistas que é muito otimismo, mas não custa ter algum. Qual é a dúvida, então? Como fazer para servir a dívida que cresceu esse tanto, mas de um jeito que não implique tirar o oxigênio da recuperação econômica.

Se o governo estiver de olho apenas em aumentar a arrecadação a todo custo, vai asfixiar a economia. O melhor seria subir a receita graças a um belo aumento da atividade. Mas isso não está no horizonte próximo, todas as pesquisas mostram um consumidor cabreiro. Quando a desconfiança do consumidor em relação ao futuro vai passar? Na boa, ninguém sabe.

O governo busca recursos para o Renda Brasil. Mas nenhum programa social terá efeito milagroso para 2022 se, com a outra mão, o governismo garrotear quem está um pouco acima na escala social.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

quarta-feira, 29 de julho de 2020

A volta do “mais do mesmo” - Nas entrelinhas

“O governo está quebrado e não tem recursos para implantar o programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família, menina dos olhos de Bolsonaro para sua reeleição”

O governo Bolsonaro perdeu o ímpeto das reformas. É normal, mas após o segundo ano de governo. Entretanto, a pandemia antecipou a inércia. E, se levarmos em conta o papel coadjuvante que representou na reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro nunca teve muita motivação para protagonizar as reformas econômicas. Sua agenda prioritária sempre foi outra, o conservadorismo nos costumes, que também anda encalhado no Congresso, e o fortalecimento do Executivo em relação aos demais Poderes, como fato consumado na política. Se ainda houver alguma reforma este ano, será a tributária, na qual as propostas em discussão na Câmara e no Senado são mais ambiciosas do que o projeto apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para embrulhar a recriação do imposto sobre operações financeiras. 

Uma solução simples para um problema muito mais complexo, que seria modernizar o nosso sistema tributário para torná-lo mais eficiente, equilibrado para os entes federados e mais justo, socialmente. Entre os economistas, há uma compreensão quase unânime de que a dívida pública, se nada for feito, trará de volta a inflação no próximo ano (o termômetro é o câmbio), que somente não está acontecendo por causa da recessão e do desemprego. Mesmo economistas como Samuel Pessoa e Armínio Fraga, que defendem políticas de austeridade fiscal, já admitem a criação de um novo imposto para evitar o colapso do governo federal no próximo ano. A alternativa que está se discutindo, a partir da proposta de Guedes, é a volta da CPMF. A tese é ampliar a base de arrecadação para ter a menor alíquota do imposto. Com isso, o governo espera resolver seu problema de caixa e evitar a insolvência.

Como aconteceu na reforma da Previdência, uma reforma tributária depende muito mais da Câmara e do Senado do que do empenho do Palácio do Planalto. O projeto encaminhado por Paulo Guedes não tem nada a ver como isso: seu foco é a falta de caixa. Por causa da pandemia, o governo está quebrado e não tem recursos para implantar o programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família, menina dos olhos de Bolsonaro para sua reeleição. Na pauta da Câmara e do Senado, respectivamente, as PECs 44 e 110 são outra coisa: uma reforma tributária de verdade.

Diferenças
A PEC 45/2019, elaborada por Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, tem como relator o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB. É defendida também pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que pretende aprovar a reforma tributária antes de deixar o comando da Casa. O ponto central do projeto é a substituição de cinco tributos por um único imposto, que seria chamado de imposto sobre bens e serviços (IBS). O modelo é inspirado em sistemas utilizados em outros países, que reúnem em um único imposto sobre valor adicionado (IVA) toda a tributação sobre o consumo, com uma alíquota uniforme. 


Economistas como Samuel Pessoa defendem a proposta. A PEC 110/2019, de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, em discussão no Senado, porém, tem a preferência dos tributaristas, porque promove uma simplificação tributária mais ampla, unificando nove impostos. A PEC, porém, facilita a concessão de incentivos fiscais a alguns setores produtivos e atividades econômicas específicas como de alimentação básica, saneamento básico, educação infantil, o que não é bem-visto pelos fiscalistas, porque gera subsídios cruzados e guerra fiscal.
[quando uma reforma profunda, completa, necessita ser realizada e muitos dão palpites, outros boicotam, a melhor solução é se optar por  uma implosão total.
Implodindo tudo, é bem mais fácil estabelecer novos fundamentos -  imperioso que a implosão soterre, definitivamente, qualquer ideia de recriação da CPMF.]

Voltando ao ponto de partida. O governo não aposta em nenhuma dos dois projetos já em tramitação. Fatiou a sua proposta de reforma tributária, porque o interesse maior de Guedes é sair do sufoco orçamentário. O problema é que essa estratégia mexe com os nervos da equipe econômica, recrutada entre economistas liberais, cuja motivação para participar do governo está longe de ser apenas financeira, é ideológica. Se Guedes jogar a toalha e aderir ao “mais do mesmo”, a equipe implode.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense




sábado, 25 de julho de 2020

Pesquisa: Bolsonaro cresce no Nordeste em aprovação e intenções de voto

Nordestinos, no entanto, se mantêm como os que menos aprovam e mais rejeitam governo, que aposta em 'novo Bolsa Família' e viagens à região 

Vencer candidatos petistas à Presidência da República no Nordeste tem sido uma missão impossível aos adversários desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva consolidou programas sociais de transferência de renda em seu governo, como o Bolsa Família, e lançou projetos específicos para a região, a exemplo da interminável transposição do Rio São Francisco. Com o PT fora do Palácio do Planalto há quatro anos e o poder nas mãos de seu maior rival, no entanto, a cidadela petista começa, aos poucos, a se tornar menos inóspita aos desafiantes do partido. 

Em meio aos pagamentos do auxílio emergencial de 600 reais para conter os efeitos econômicos da pandemia de coronavírus, à busca por expandir o Bolsa Família e rebatizá-lo como Renda Brasil, além  de viagens à região, incluindo inauguração de obras da transposição no Ceará, o presidente Jair Bolsonaro começa a reduzir a resistência dos nordestinos a seu nome. Pesquisa exclusiva feita a VEJA pelo instituto Paraná Pesquisas entre os dias 18 e 21 de julho mostra que o Nordeste ainda é, com sobras, a região onde o governo Bolsonaro é menos aprovado e mais  desaprovado. A dois anos da eleição, chamam a atenção, contudo, o salto no número de nordestinos que dizem aprovar a gestão federal e a queda entre os que a reprovam em relação ao levantamento anterior feito entre 27 e 29 de abril. 

Há três meses, 30,3% da população do Nordeste dizia aprovar o governo, número que passou a 39,4% em julho, avanço de 9,1 pontos porcentuais.

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Em VEJA, leia matéria completa


segunda-feira, 13 de julho de 2020

Segue o jogo entre o bolsonarismo e "o sistema" - Alon Feuerwerker




Análise Politica 


Vai aqui uma linha do tempo político do governo Jair Bolsonaro. Aí este ano veio a Covid-19, com suas crises sanitária e econômica. Aí o sistema (doravante sem aspas) viu uma oportunidade para contra-atacar. Aí o presidente contra-contra-atacou radicalizando contra o sistema por meio de apoio tácito a apoiadores verborrágicos e desejosos de coisas como fechamento do Congresso, fechamento do STF e intervenção militar com Bolsonaro no poder.

Aí Bolsonaro viu danificado o argumento dele de defensor da liberdade (por ele mesmo definida) e o sistema contra-contra-contra-atacou. Aí reforçou-se o sonho de uma frente ampla antibolsonarista. Aí Fabrício Queiroz foi preso. Aí o presidente acelerou a aproximação com o dito centrão e enveredou por uma linha tática de moderação verbal. Aí a frente ampla começou a perder musculatura. Mas o sistema continuou ganhando protagonismo, agora com a providencial ajuda do poder de polícia do STF, e é o estágio em que estamos. Uma etapa de equilíbrio entre o bolsonarismo e o sistema. Se perdurar, deslizaremos para a assim chamada guerra de posição. Que ainda não é um “empate catastrófico”.

Esse empate se dá quando o equilíbrio entre antagonistas paralisa o processo. Não é o caso. O bolsonarismo momentaneamente liderado pela fração dita realista e pragmática pode perfeitamente recompor-se com a maioria congressual e o establishment para fazer avançar a agenda, especialmente a econômica, mesmo que agora temperada com pitadas de social. O “Renda Brasil” vem aí. Mas nem isso garantiria com certeza - atenção - uma estabilidade estável, pois o front judicial opera com algum grau de autonomia, pelas suas características heterogêneas. São muitos ali os postulantes a protagonista nas múltiplas frentes: o Supremo, o TSE, o TCU, o STJ etc. Sem falar do arranca-rabo no MP.

É muita variável operando simultaneamente. Precisaria de um maestro dos bons. Até o primeiro governo Dilma a ascendência do Executivo sobre os demais poderes vinha funcionando. O Executivo cumpria bem o papel. O bonapartismo de Bolsonaro veio como tentativa de restaurar isso depois que Dilma e Michel Temer deixaram o poder escorrer pelos dedos. O governo vai indo meio aos trancos e barrancos, em algumas áreas melhor e noutras pior. O Congresso não mostra disposição real de confronto, no máximo alguns brilharecos em entrevistas coletivas e atos heterodoxos de alcance político limitado, mas sempre capazes de gerar manchetes. Onde está o problema? No Judiciário. Ali são vários os candidatos a herói.

E tem ela, a Covid-19. Que parece ter entrado num planalto de mortes. Quem pagará a conta política? 
O núcleo duro do eleitorado bolsonarista, cerca de um terço do estoque, parece firme, até agora. Os governadores vinham com alguma folga, mas é preciso ver como será a administração da popularidade deles na reabertura ainda com o SARS-CoV-2 forte por aqui.
E tem a economia... Sempre ela. [Falando dela, clique aqui.]

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Politica 

sábado, 4 de julho de 2020

Apagão de dados - Adriana Fernandes

O Estado de S.Paulo

Uma lei de silêncio tem sido imposta a tudo que é relacionado aos militares

O apagão de dados sobre o auxílio emergencial de R$ 600 é muito grave. É obrigação do Ministério da Cidadania começar a abrir com detalhes essas informações para entendermos a real necessidade de prorrogação do benefício para além das duas parcelas anunciadas essa semana pelo presidente Jair Bolsonaro.  A proposta do Renda Brasil, como está sendo chamado o programa social do governo que vai substituir o Bolsa Família, não poderá ser bem avaliada se os especialistas não tiverem a real dimensão do seu alcance após os efeitos da pandemia, que ampliou a pobreza no País e vai tirar emprego de milhões de brasileiros.

O desenho inicial do programa social planejado pelo Ministério da Economia, como mostrou o Estadão, revela que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende ampliar de R$ 32 bilhões para R$ 51,7 bilhões a destinação de recursos após o fim do auxílio. Maior espaço fiscal está sendo buscado para ampliar a verba, mas a equipe econômica quer que tudo fique dentro do teto de gastos, que é no momento a sua principal âncora fiscal.

Especialistas no tema, porém, avaliam que o aumento nos recursos é pouco para a realidade pós-covid. Eles fazem as contas: 60 milhões de brasileiros, que recebem hoje o auxílio, devem ficar de fora do Renda Brasil.  Como fazer uma apuração detalhada se o governo não abre a caixa-preta que se tornou o auxílio? [É necessário que as informações sobre o auxílio sejam disponibilizadas aos que tomarão decisões sobre o programa.] Nem mesmo informações solicitadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI) estão sendo respondidas. Na maioria dos casos, os pedidos da imprensa profissional são atendidos de forma protocolar, com respostas até mesmo desconectadas com as perguntas.

Quantas pessoas foram aprovadas a receber o auxílio? Quantas efetivamente receberam? Quantas tiveram os pedidos negados? Quais os motivos? Quantos pedidos estão em análise e, até mesmo, quantas famílias foram cortadas do próprio Bolsa Família, contrariando o período de suspensão dos cancelamentos determinado por portaria ministerial? Quais os Estados e municípios dessas pessoas, para que se possa preparar a Defensoria Pública e até mesmo os gestores? Perguntas ainda sem respostas.

Enquanto faltam dados precisos, alertas de organizações sociais têm chamado a atenção para a decisão do governo de passar todos os beneficiários para a poupança digital criada automaticamente pela Caixa Econômica Federal, mesmo que tenham indicado conta já existente em outro banco na solicitação do auxílio. Essa restrição provocou distorções e, até mesmo, o roubo criminoso que permitiu a movimentação indevida do valor do auxílio emergencial, trocando o e-mail e o telefone cadastrados. Casos sobre fraudes são expostos todos os dias, enquanto pelo menos 10 milhões de pessoas ainda aguardam resposta para receber o auxílio, mesmo depois de 80 dias do início dos pagamentos.

O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, só divulga o que quer e esconde os dados mais importantes sobre o programa de transferência de renda para os desassistidos na pandemia do coronavírus. Nem mesmo justifica a falha de cruzamento para detectar pessoas muito ricas aprovadas para receber a renda emergencial. Ou estão sonegando ou o sistema é muito falho mesmo? O cronograma estendido até meados de setembro para a liberação do dinheiro da terceira parcela indica que o pagamento das outras duas poderá ir até dezembro. Um grande problema para um programa que é emergencial.

Muito se tem falado sobre a falta de transparência de dados no governo Bolsonaro. O episódio mais dramático foi a tentativa do Ministério da Saúde de esconder os números das mortes e dos contaminados pela doença.  Esses casos não são pontuais. Pelo contrário, se alastram na Esplanada. Uma lei de silêncio tem sido imposta a tudo que é relacionado aos militares. O Ministério da Economia, que deveria cuidar do impacto nas contas públicas, tem recorrentemente evitado comentar quando o assunto é relacionado aos militares. Até mesmo sobre informações publicadas no Diário Oficial ou notas técnicas preparadas pelo próprio ministério.

Reportagem do Estadão mostrou o impacto de R$ 26,5 bilhões em cinco anos de apenas um dos penduricalhos salariais aprovados pelo Congresso com as bençãos do presidente Bolsonaro. É quase um ano de Bolsa Família apenas com uma bonificação salarial dada aos militares que fizeram cursos ao longo da carreira. O governo não quis explicar. Assim como também não quer revelar quantos militares da reserva estão trabalhando hoje no Executivo recebendo um adicional de 30%. Por que será?

Adriana Fernandes, colunista - O Estado de S. Paulo




segunda-feira, 15 de junho de 2020

Change partners - Valor Econômico

 Bruno Carazza

Pode estar em curso uma troca de base popular na qual se ancora o presidente

Logo após a derrota para Collor no segundo turno das eleições de 1989, Lula fez a seguinte avaliação sobre o resultado das urnas: “A verdade nua e crua é que quem nos derrotou, além dos meios de comunicação, foram os setores menos esclarecidos e mais desfavorecidos da sociedade. Nós temos amplos setores da classe média com a gente, mas a minha briga é sempre esta: atingir o segmento da sociedade que ganha salário mínimo. Nós temos que ir para a periferia, onde estão milhões de pessoas que se deixam seduzir pela promessa fácil de casa e comida”.

De outro, o escândalo do mensalão afastou do PT parte de seu eleitorado cativo na classe média, decepcionada pelo partido ter rasgado a bandeira da ética - num processo que acabou se aprofundando alguns anos depois, com a operação Lava Jato. A reeleição de Lula em 2006 evidencia essa guinada nas preferências por Lula: segundo os cálculos do Datafolha, na parcela do eleitorado que ganhava até 2 salários mínimos, o petista batia seu rival Geraldo Alckmin (PSDB) de lavada (por 64% a 25%), enquanto entre os mais ricos (com renda familiar mensal superior a 10 SM), o tucano aparecia à frente nas pesquisas com 54% a 36%. “No lulismo a polarização se dá entre ricos e pobres, e não entre esquerda e direita”, de acordo com Singer. Daí em diante, esse padrão foi mantido em todas as eleições presidenciais.

Na última sexta-feira, a pesquisa XP/Ipespe atestou que, mesmo após a saída de Sergio Moro e o acúmulo de mortos pela pandemia, Bolsonaro conseguiu, pelo menos por ora, estancar a sangria da sua popularidade. Analisando os dados desagregados, é possível identificar um expressivo crescimento na avaliação positiva do presidente nos segmentos mais vulneráveis da população, como jovens, indivíduos com baixa e média escolaridade, desempregados, com renda de até 2 salários mínimos e localizados no Nordeste e em cidades pequenas.

A melhoria da imagem de Bolsonaro perante um eleitorado que nunca foi prioritariamente seu pode ser atribuída, entre outros fatores, à concessão do auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia. E a mensagem foi captada pelo presidente e sua equipe, a ponto de Paulo Guedes ter anunciado, na última reunião ministerial, a intenção de lançar o programa Renda Brasil.

É verdade que, em tempos de covid-19, com arrecadação em queda e dívida crescente, há pouco espaço fiscal para algo muito revolucionário. Mas, por mais paradoxal que possa parecer, a própria pandemia pode ajudar a viabilizar um amplo programa bolsonarista voltado para os mais pobres, pois uniu economistas e políticos de diversos matizes no apoio a iniciativas de renda mínima. Pode surgir daí, portanto, um clima propício para uma remodelação de políticas sociais esparsas e mal focalizadas, a serem concentradas num único “Bolsa Família turbinado” que pode dar a Bolsonaro um grande capital político com vistas a 2022.

Nas últimas semanas o presidente tem alternado movimentos de defesa e ataque buscando não apenas manter seu eleitorado cativo mobilizado, mas também ampliar seu capital político para, assim, sobreviver à tempestade em que, de certa forma, ele próprio se colocou. Numa frente de batalha, fustiga os demais Poderes e investe com a Polícia Federal em investigações que tendem a enfraquecer os governadores, enquanto na retaguarda coopta o Centrão e acena com benefícios à parcela mais pobre do eleitorado.

Ainda é cedo para afirmar que Bolsonaro será bem sucedido em manter e ampliar sua aprovação junto aos mais desfavorecidos - não podemos perder de vista que Lula conseguiu fazê-lo não apenas com o Bolsa Família, que era apenas um dos ingredientes num processo que envolvia ainda PIB, emprego e renda em alta. Mas uma eventual estratégia do atual presidente em deixar de lado a dicotomia esquerda e direita, pela qual foi eleito, para focar num público que condiciona seu voto mais à melhoria de suas condições do que em aspectos ideológicos, tal qual Lula fizera no seu primeiro mandato, pode tornar ainda mais complicadas as pretensões de uma “frente ampla” que deseja ver Bolsonaro fora do Palácio do Planalto - seja por meio de um impeachment, uma decisão do TSE ou no voto, em 2022.

Se Bolsonaro conseguir atrair para si parcelas mais expressivas do eleitorado mais pobre, uma “frente ampla” só será vitoriosa se, além de superar rivalidades e vaidades de seus protagonistas, conquistar também corações e mentes das classes média e alta insatisfeitas com o ex-capitão. E isso passa, necessariamente, pela cicatrização de feridas ainda abertas relacionadas à valorização do combate à corrupção, de um lado, e ao combate às desigualdades sociais, de outro.

Enquanto Bolsonaro chama os pobres para dançar, os integrantes de uma frente ampla precisam virar o disco com o qual estão acostumados a ouvir nos últimos 15 anos e entenderem que a defesa da ética está no mesmo compasso do progressismo social.

Bruno Carazza, mestre em economia -  Valor Econômico


quarta-feira, 10 de junho de 2020

Vem aí o Bolsa Capitão - O Globo


Por Bernardo Mello Franco


MAQUIAGEM ELEITOREIRA

Antes de sonhar com o Planalto, Jair Bolsonaro era um crítico feroz do Bolsa Família. Em 2011, ele disse que o programa serviria para transformar “pobres coitados” e “ignorantes” em “eleitores de cabresto”. “Não interessa ao PT fazer com que o povo tenha cultura, emprego, trabalho, porque vai perder esse curral eleitoral”, pontificou. Segundo o então deputado, transferir renda aos mais pobres significava empurrar o país para o comunismo. Seria preciso “colocar um fim” ao programa antes que o Brasil virasse uma “ditadura do proletariado”. Os microfones da Câmara aceitam tudo, mas o Muro de Berlim já estava no chão desde 1989. 

Leia também: O deboche de Paulo Guedes

Ao subir a rampa, o capitão mudou o discurso. Passou a se dizer um defensor do Bolsa Família, embora seu governo tenha recriado a fila do benefício. Agora ele pretende rebatizar o programa. O novo nome será Renda Brasil, confirmou ontem o ministro Paulo Guedes. A mudança tem um objetivo claro: Bolsonaro quer se apropriar de uma vitrine associada à oposição. Ele poderia fazer isso se melhorasse o programa e ampliasse o número de beneficiários. Preferiu o caminho fácil da maquiagem eleitoreira.

[as palavras do então então deputado Bolsonaro  foram e continuam sendo certas e adequadas.
A solução é ajudar os necessitados, mas ao mesmo tempo desenvolver políticas que propiciem aos 'eleitores de cabresto' oportunidade de sair da dependência. Propiciar tal oportunidade é uma das razões que tornam imperativa a reeleição do presidente Bolsonaro em 2022.
Qual o motivo da necessidade? o Presidente Bolsonaro precisa de mais um mandato para governar e propiciar a libertação dos eleitores de cabresto.
O atual mandato - conferido por quase 60.000.000 de eleitores - se tornou insuficiente devido o fato de em 2019 não pôde governar - o Poder Executivo sofreu boicote sistemático de um dos Poderes irmão, ato sempre convalidado pelo outro irmão.
Em 2020, a pandemia desmontou qualquer perspectiva  de governar - brutal recessão com queda geral do PIB mundial, incerteza quanto ao fim da covid-19 (a bilionária OMS em um dia emite uma recomendação e no seguinte revoga. Os especialistas a cada dez dias adiam a data do inicio do achatamento da curva.)
O ministro Guedes, apesar das restrições a algumas ideias que defende,  agiu com dignidade: teve a coragem de reconhecer que pobres não faziam parte do seu cotidiano - o importante é que agora integram seu dia a dia, o que resultará em melhoras para eles (nós)  e para o Brasil.

O presidente Bolsonaro sofre marcação tão cerrada, que é o único chefe de Estado que até seus exames de saúde não estão protegidos por sigilo.
Se realizar um exame de fezes - cocô na linguagem dele - e não divulgar o resultado aos quatro ventos, algum paladino de nenhuma causa vai ao Supremo e o presidente será compelido a divulgar os resultados.]

Os últimos meses ensinaram ao governo que socorrer os pobres não é só uma ação humanitária. Graças ao auxílio emergencial de R$ 600, Bolsonaro recuperou popularidade na base da pirâmide social. Isso compensou parte de sua queda na classe média, irritada com o descaso federal pela pandemia. Guedes revelou que o coronavírus teve outra utilidade. “Aprendemos que havia 38 milhões de brasileiros invisíveis”, disse, referindo-se às pessoas que se cadastraram para receber o auxílio. Aos 70 anos, o economista parece ter descoberto a existência dos pobres. Mesmo assim, o governo ainda é traído por seus instintos.

Na quinta passada, o Ministério da Economia transferiu R$ 83,9 milhões do Bolsa Família para a Secretaria de Comunicação. A verba social seria torrada em propaganda. Ontem a pasta foi obrigada a voltar atrás. Não pelo absurdo da ideia, mas para evitar problemas com o Ministério Público e o TCU.

 Bernardo Mello Franco, colunista - O Globo