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sábado, 4 de julho de 2020

Apagão de dados - Adriana Fernandes

O Estado de S.Paulo

Uma lei de silêncio tem sido imposta a tudo que é relacionado aos militares

O apagão de dados sobre o auxílio emergencial de R$ 600 é muito grave. É obrigação do Ministério da Cidadania começar a abrir com detalhes essas informações para entendermos a real necessidade de prorrogação do benefício para além das duas parcelas anunciadas essa semana pelo presidente Jair Bolsonaro.  A proposta do Renda Brasil, como está sendo chamado o programa social do governo que vai substituir o Bolsa Família, não poderá ser bem avaliada se os especialistas não tiverem a real dimensão do seu alcance após os efeitos da pandemia, que ampliou a pobreza no País e vai tirar emprego de milhões de brasileiros.

O desenho inicial do programa social planejado pelo Ministério da Economia, como mostrou o Estadão, revela que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende ampliar de R$ 32 bilhões para R$ 51,7 bilhões a destinação de recursos após o fim do auxílio. Maior espaço fiscal está sendo buscado para ampliar a verba, mas a equipe econômica quer que tudo fique dentro do teto de gastos, que é no momento a sua principal âncora fiscal.

Especialistas no tema, porém, avaliam que o aumento nos recursos é pouco para a realidade pós-covid. Eles fazem as contas: 60 milhões de brasileiros, que recebem hoje o auxílio, devem ficar de fora do Renda Brasil.  Como fazer uma apuração detalhada se o governo não abre a caixa-preta que se tornou o auxílio? [É necessário que as informações sobre o auxílio sejam disponibilizadas aos que tomarão decisões sobre o programa.] Nem mesmo informações solicitadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI) estão sendo respondidas. Na maioria dos casos, os pedidos da imprensa profissional são atendidos de forma protocolar, com respostas até mesmo desconectadas com as perguntas.

Quantas pessoas foram aprovadas a receber o auxílio? Quantas efetivamente receberam? Quantas tiveram os pedidos negados? Quais os motivos? Quantos pedidos estão em análise e, até mesmo, quantas famílias foram cortadas do próprio Bolsa Família, contrariando o período de suspensão dos cancelamentos determinado por portaria ministerial? Quais os Estados e municípios dessas pessoas, para que se possa preparar a Defensoria Pública e até mesmo os gestores? Perguntas ainda sem respostas.

Enquanto faltam dados precisos, alertas de organizações sociais têm chamado a atenção para a decisão do governo de passar todos os beneficiários para a poupança digital criada automaticamente pela Caixa Econômica Federal, mesmo que tenham indicado conta já existente em outro banco na solicitação do auxílio. Essa restrição provocou distorções e, até mesmo, o roubo criminoso que permitiu a movimentação indevida do valor do auxílio emergencial, trocando o e-mail e o telefone cadastrados. Casos sobre fraudes são expostos todos os dias, enquanto pelo menos 10 milhões de pessoas ainda aguardam resposta para receber o auxílio, mesmo depois de 80 dias do início dos pagamentos.

O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, só divulga o que quer e esconde os dados mais importantes sobre o programa de transferência de renda para os desassistidos na pandemia do coronavírus. Nem mesmo justifica a falha de cruzamento para detectar pessoas muito ricas aprovadas para receber a renda emergencial. Ou estão sonegando ou o sistema é muito falho mesmo? O cronograma estendido até meados de setembro para a liberação do dinheiro da terceira parcela indica que o pagamento das outras duas poderá ir até dezembro. Um grande problema para um programa que é emergencial.

Muito se tem falado sobre a falta de transparência de dados no governo Bolsonaro. O episódio mais dramático foi a tentativa do Ministério da Saúde de esconder os números das mortes e dos contaminados pela doença.  Esses casos não são pontuais. Pelo contrário, se alastram na Esplanada. Uma lei de silêncio tem sido imposta a tudo que é relacionado aos militares. O Ministério da Economia, que deveria cuidar do impacto nas contas públicas, tem recorrentemente evitado comentar quando o assunto é relacionado aos militares. Até mesmo sobre informações publicadas no Diário Oficial ou notas técnicas preparadas pelo próprio ministério.

Reportagem do Estadão mostrou o impacto de R$ 26,5 bilhões em cinco anos de apenas um dos penduricalhos salariais aprovados pelo Congresso com as bençãos do presidente Bolsonaro. É quase um ano de Bolsa Família apenas com uma bonificação salarial dada aos militares que fizeram cursos ao longo da carreira. O governo não quis explicar. Assim como também não quer revelar quantos militares da reserva estão trabalhando hoje no Executivo recebendo um adicional de 30%. Por que será?

Adriana Fernandes, colunista - O Estado de S. Paulo




quinta-feira, 5 de julho de 2018

Interventor acerta com Temer 'lei de silêncio' sobre caso Marielle




Militares avaliam que falas do ministro Jungmann prejudicaram investigações - Avaliação é de que verborragia de Jungmann prejudicou investigações

[Militares dão cala boca em Jungmann; 

pergunta que não quer calar: como andam as investigações sobre a morte do garoto Marcos Vinicius - citando uma morte entre milhares que não são investigadas;

uma vida humana tem o mesmo valor de outra - são todos seres humanos e esta paridade é mais que suficiente para impedir que a investigação de uma morte prevaleça sobre investigação de outra, quanto mais de milhares.]


O interventor federal na segurança pública do Rio, general Walter Braga Netto, acertou com o presidente Michel Temer uma espécie de ordem do silêncio em relação às investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), diante da interpretação de que a verborragia do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, prejudicou as investigações. A reportagem do GLOBO apurou a informação com integrantes do alto comando das Forças Armadas.

Jungmann era ministro da Defesa quando a intervenção federal no Rio foi decretada por Temer, em fevereiro deste ano. Dez dias depois, o ministro foi deslocado para uma nova pasta criada pelo presidente, de Segurança Pública. A Defesa cuida dos assuntos relacionados às três Forças Armadas. O Ministério da Segurança Pública passou a abrigar políticas de segurança e a ascendência sobre a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), por exemplo.  O comando da intervenção federal está nas mãos de generais do Exército. Braga Netto é o interventor e se reporta diretamente a Temer, conforme definido no decreto da intervenção. Ele nomeou o general Richard Nunes no cargo de secretário de Segurança Pública do Rio.

As constantes falas de Jungmann sobre o caso Marielle, especialmente as afirmações sobre o afunilamento das investigações, que evidenciariam o envolvimento de integrantes de milícias no assassinato, incomodaram tanto o interventor federal quanto o secretário de Segurança Pública. A insatisfação dos dois foi exteriorizada a integrantes do comando das Forças e também dentro do Palácio do Planalto.

Em maio, Braga Netto esteve em Brasília e, numa reunião com Temer, da qual também participou Jungmann, acertou a lei do silêncio sobre o andamento das investigações. Desde então, o ministro da Segurança Pública e o próprio interventor federal têm evitado dar declarações a respeito do andamento das investigações. Marielle foi morta a tiros, dentro de um carro, no centro do Rio, na noite de 14 de março. Já são 113 dias sem uma solução do caso e sem uma satisfação concreta sobre as descobertas das investigações até agora. O motorista da vereadora, Anderson Gomes, também foi assassinado a tiros.

Mesmo sem ter relação direta com a intervenção federal no Rio, Jungmann assumiu para si uma função de porta-voz sobre assuntos relacionados à atuação dos militares, com declarações à imprensa sobre o caso Marielle, por exemplo. Em abril e maio, o ministro deu várias declarações em que relacionou o assassinato à atuação de milicianos no Rio. No dia 10 de maio, ele chegou a dizer que a investigação do assassinato "está chegando na sua etapa final". Quase dois meses já se passaram desde então.  Jungmann é do PPS de Pernambuco. Foi deputado federal e ministro no governo de Fernando Henrique Cardoso. Quando passou a integrar o governo Temer, era apenas suplente de deputado.

Depois de o silêncio ter sido acertado entre interventor e presidente, o ministro da Segurança Pública tem evitado falar sobre as investigações do assassinato de Marielle. Para uma entrevista coletiva na tarde da última terça-feira, em que se apresentou um balanço sobre a atuação do novo ministério, Jungmann foi disposto a não falar nada a respeito, com a justificativa de que está "avesso" ao assunto e que o tema cabe à "linha de frente" da intervenção.
Em um evento no Rio, ontem, o ministro se deparou com gritos de "Marielle presente" e com algumas vaias. Jungmann respondeu:  — Sempre sou muito cobrado sobre a violência, sobre Marielle, sobre diversas coisas, mas estamos aqui justamente para celebrar a vida, a arte e a criação. Eu estou aqui para lembrar que a ponte entre nós todos é a cultura. Essa é a melhor política de segurança que existe, não é com fuzis e armas. Não adianta pensar que vamos resolver tudo só pelo lado da repressão — disse, num evento de lançamento de um programa de capacitação na área cultural.

A assessoria de imprensa do ministro afirmou ao GLOBO que não houve acerto por silêncio em relação ao andamento das investigações do caso Marielle, mas sim a interpretação pelo gabinete do interventor federal de que o sigilo é fundamental para a solução do caso, até por estar nas mãos da Polícia Civil do Rio. Ainda conforme a assessoria do ministro, militares têm dificuldade de comunicação com a mídia e, por essa razão, Jungmann assumiu essa interlocução para um esclarecimento à sociedade.  Além disso, ele era ministro da Defesa no momento da decretação da intervenção e tem conhecimento sobre a iniciativa, segundo a assessoria. O ministro deixou de falar a respeito da investigação sobre o assassinato de Marielle porque ainda não há resultados da apuração, que é complexa e depende de árdua coleta de provas, disse a assessoria de imprensa.