Alexandre Garcia - Gazeta do Povo
Gota a gota o cálice foi enchendo; agora parece que transbordou.
Há quatro anos, o Supremo abriu
um inquérito por conta própria, sem Ministério Público, baseado no seu
regimento interno que, nessa parte, está superado pela Constituição de
1988.
Afora o ministro Marco Aurélio, que ironizou o feito, chamando-o de “inquérito do fim do mundo”, ninguém mais falou.
E o Supremo foi adiante. Ou continuou, porque seu presidente já havia sancionado um rasgão no parágrafo único do artigo 52, deixando a presidente condenada sem a pena correspondente.
O veto de Dilma ao
comprovante impresso do voto fora derrubado por 368 deputados e 56
senadores, mas a vontade desses 66% do Legislativo foi anulada por oito
ministros do Supremo.
Até a Constituição se tornou inconstitucional, no
marco temporal.
A despeito de não ser Poder Legislativo, o Supremo
legislou sobre drogas, examina aborto... e a Constituição está atualizada com abundância de Adins e ADPFs.
E
o povo cobrando nas redes sociais, da OAB, da mídia, do Senado o
silêncio omisso, a alienação ante fatos que saltam aos olhos de quem
quer que leia a Constituição Cidadã.
O presidente do Senado parece ter
encontrado dificuldade em andar por terras mineiras sem ser cobrado. Rodrigo Pacheco
e a OAB caíram da cama, sobressaltados pelo pesadelo de que a
independência de poderes e o devido processo legal estavam abafados pela
toga.
Pacheco sentiu que o cálice está transbordando e tocou a emenda
que impede um único juiz do Supremo de derrubar a decisão da maioria do
Congresso.
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A
OAB precisou ser sacudida na sua própria carne – ou no seu espírito de
corpo, quando viu mais uma vez o regimento interno do STF se sobrepondo à
Constituição, no caso da ampla defesa, com sustentação oral em qualquer
situação, mesmo agravo.
Depois da nota em que a OAB afirma que
“continuará insistindo para que o tribunal cumpra as leis e a
Constituição”, ainda veio um deboche de Moraes, ao negar defesa oral num agravo: “A OAB vai lançar outra nota contra mim, vai dar mais uns 4 mil tuítes”.
Quatro dias depois, em Belo Horizonte, no Encontro Nacional da Advocacia, o presidente do Supremo teve de ouvir o presidente da OAB/MG num veemente protesto, acompanhado por aplausos, gritos e assobios de advogados de todo o país, numa cena em que todos, em pé, ovacionavam, enquanto o ministro Barroso permanecia sentado e calado.
A PEC que impede decisão monocrática está na Câmara, agora. Mas depois que o decano do Supremo, Gilmar Mendes,
reagiu chamando de “pigmeus morais” os 52 senadores que aprovaram a
PEC, a inação da Câmara será sinal de repetição da subserviência
mostrada na prisão do deputado Daniel Silveira e posterior anulação do indulto concedido por Jair Bolsonaro,
com base em poder privativo do presidente conferido pela Constituição.
O
discurso de Gilmar fala de “tacão autoritário escamoteado pela
pseudorrepresentação de maiorias eventuais” e praticamente rompe com o
Senado, no país sem poder moderador.
O ingrediente que ainda faltava
surgiu no domingo, enchendo quatro quarteirões da Avenida Paulista: o
povo, origem do poder, cobrando do Supremo a volta à Constituição.
Ao
cálice transbordante ainda foi acrescentada a indicação de Flávio Dino para o Supremo. [cabe ao Senado enquadrar de vez o presidente "Da Silva", rejeitando o nome do indicado pelo petista para o STF. Motivos não faltam.]
Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES