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terça-feira, 19 de dezembro de 2023

A liberdade pede socorro! - Percival Puggina

        Ela grita no tom coloquial do transeunte que me aborda na rua e grita no silêncio quando seu padecer não é assunto à mesa das famílias.  
E note-se, eu não sou um desenfreado que pretenda liberdade sem limites. Os cabelos que me restam, brancos e poucos, me ensinaram que é bobagem querer ser “livre como os pássaros” porque eles têm necessidades mais pungentes do que as nossas. 
 
Livre é quem faz o que quer”, afirma um senso comum pouco esclarecido, ao qual Shoppenhauer propõe a seguinte pergunta:Posso querer o que  quero?”  
Fica bem claro para a maioria das pessoas que não é possível querer a mulher do próximo ou o dinheiro da agência bancária, ou o automóvel alheio, ou suspender a projeção do filme enquanto se vai ao banheiro do cinema, por atraentes ou convenientes que tais interesse pareçam.

Lord Acton (John Dalberg-Acton, historiador britânico do século XIX) afirma algo surpreendente para quem não conhece as raízes da civilização ocidental: “Nenhuma nação pode ser livre sem religião. A religião cria e fortalece a noção do dever. Se os homens não são corretos pelo dever, devem sê-lo pelo temor. Quanto mais controlados estejam pelo temor, menos livres serão. Quanto maior seja a força do dever, maior será a liberdade.” É dele a conhecida frase segundo a qual “todo poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente; de modo que os grandes homens são, quase sempre, homens maus”.

É o que constato:

Poder excessivo costuma ter a maldade como sócia majoritária.

Essas e muitas outras reflexões apontam para a liberdade como um bem precioso. Ao mesmo tempo, sinalizam algo bastante óbvio, ou seja, esse bem, como tantos outros, é frágil e corruptível
Por isso, devemos querer a liberdade sob uma ordem inspirada na lei natural, como condição indispensável para sua sobrevivência.  
Uma ordem que nos permita ir e vir sem temor, ordem que nos permita expressar nossa opinião sem cerceamento e com responsabilidade, ordem que nos proporcione segurança jurídica.

O binômio liberdade e responsabilidade é tão natural quanto o que une qualquer ação humana à sua consequência. Inibir a liberdade do ser humano em vista da ordem, significa tirar-lhe a responsabilidade. E quando isso acontece no campo da política através da Justiça temos uma tripla violação: a da liberdade, a da responsabilidade e a constitucional. Sim, há também uma violação à representação exercida pelo parlamento.

A obediência dos cidadãos a uma lei aprovada pelo parlamento é uma forma de auto-obediência e independe das virtudes ou vícios dos representantes que a sociedade tenha elegido. 
Em contrapartida, a imposição de uma “lei” (surja ela com o nome de resolução, regulamento ou regimento, fora do legislativo) é tirania, independentemente das virtudes ou vícios de quem as imponha.  
A liberdade, no Brasil, pede socorro!

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.