Ela
grita no tom coloquial do transeunte que me aborda na rua e grita no
silêncio quando seu padecer não é assunto à mesa das famílias.
E
note-se, eu não sou um desenfreado que pretenda liberdade sem limites.
Os cabelos que me restam, brancos e poucos, me ensinaram que é bobagem
querer ser “livre como os pássaros” porque eles têm necessidades mais
pungentes do que as nossas.
Livre é quem faz o que quer”, afirma um senso comum pouco esclarecido, ao qual Shoppenhauer propõe a seguinte pergunta: “Posso querer o que quero?”
Fica
bem claro para a maioria das pessoas que não é possível querer a mulher
do próximo ou o dinheiro da agência bancária, ou o automóvel alheio, ou
suspender a projeção do filme enquanto se vai ao banheiro do cinema,
por atraentes ou convenientes que tais interesse pareçam.
Lord Acton
(John Dalberg-Acton, historiador britânico do século XIX) afirma algo
surpreendente para quem não conhece as raízes da civilização ocidental: “Nenhuma
nação pode ser livre sem religião. A religião cria e fortalece a noção
do dever. Se os homens não são corretos pelo dever, devem sê-lo pelo
temor. Quanto mais controlados estejam pelo temor, menos livres serão.
Quanto maior seja a força do dever, maior será a liberdade.” É dele a conhecida frase segundo a qual “todo
poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente; de
modo que os grandes homens são, quase sempre, homens maus”.
É o que constato:
Poder excessivo costuma ter a maldade como sócia majoritária.
Essas e
muitas outras reflexões apontam para a liberdade como um bem precioso.
Ao mesmo tempo, sinalizam algo bastante óbvio, ou seja, esse bem, como
tantos outros, é frágil e corruptível.
Por isso, devemos querer a
liberdade sob uma ordem inspirada na lei natural, como condição
indispensável para sua sobrevivência.
Uma ordem que nos permita ir e
vir sem temor, ordem que nos permita expressar nossa opinião sem
cerceamento e com responsabilidade, ordem que nos proporcione segurança
jurídica.
O binômio
liberdade e responsabilidade é tão natural quanto o que une qualquer
ação humana à sua consequência. Inibir a liberdade do ser humano em
vista da ordem, significa tirar-lhe a responsabilidade. E quando isso
acontece no campo da política através da Justiça temos uma tripla
violação: a da liberdade, a da responsabilidade e a constitucional. Sim,
há também uma violação à representação exercida pelo parlamento.
A
obediência dos cidadãos a uma lei aprovada pelo parlamento é uma forma
de auto-obediência e independe das virtudes ou vícios dos representantes
que a sociedade tenha elegido.
Em contrapartida, a imposição de uma
“lei” (surja ela com o nome de resolução, regulamento ou regimento, fora
do legislativo) é tirania, independentemente das virtudes ou vícios de
quem as imponha.
A liberdade, no Brasil, pede socorro!
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org),
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas
contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A
Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.
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