Leio
na Constituição Cidadã de Ulysses Guimarães que “É livre a expressão do
pensamento, vedado o anonimato”, mas sei que o texto constitucional foi
capturado e está com tornozeleira eletrônica, custodiado pelo STF.
O ensino
cristão – houve um tempo em que ele teve sua relevância – me levou a
crer que Deus criou o ser humano para ser livre com Deus, sem Deus, e
mesmo contra Deus (estou usando a imagem em sentido retórico, sem
evocação a nenhuma Corte). A História me ensinou que peste alguma
extinguiu mais vidas humanas do que a luta de indivíduos, povos, nações e
alianças entre nações por Liberdade. Milhões foram às guerras e
morreram por saber que a alternativa era servidão, ração e olhos no
chão.
“Tudo no
Estado, nada fora do Estado e nada contra o Estado”, exclamava o jovem
Benito, o Mussolini, depois da Marcha sobre Roma. Sua emoção era
sentir-se como um ícone, representando e significando a majestade
estatal. Deve ser emocionante crer-se fonte de Direito e ter ao alcance
da mão uma caneta com serventia para negar direitos. E “viva” Giovanni
Gentile, filósofo do fascismo!
Lembro até
hoje do que senti, lá pelos anos 50 quando o filme que iria assistir foi
precedido, no cinema, por um documentário já antigo sobre os primeiros
campos de concentração achados pelos Aliados ao entrarem na Alemanha
derrotada. Covas rasas e farrapos humanos culpados de coisa alguma. E
“viva” Carl Schmitt, o filósofo do nazismo!
Emoção muito
forte me levou às lágrimas no dia 9 de novembro de 1989, vendo jovens
alemães orientais dançando sobre o Muro de Berlim! Imagine a deles,
depois de 28 anos ao longo dos quais a travessia dentro da própria
cidade lhes foi interditada por um tipo de Direito que se deu o direito
de confiná-los atrás de um muro.
Em 1891, o papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum, profetizou, referindo-se ao comunismo:
“Mas, além
da injustiça do seu sistema, veem-se bem todas as suas funestas
consequências, a perturbação em todas as classes da sociedade, uma
odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a
todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o
talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como
consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em
lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, da indigência e
na miséria” (RN nº 9).
Note bem:
Leão XIII escreveu “veem-se bem as funestas consequências”, embora a
encíclica fosse publicada 26 anos antes de o comunismo se tornar
realidade e servidão impostas ao povo russo. Cem anos mais tarde, o
Kremlin teve que mobilizar-se para que Mikhail Gorbachev fosse recebido
entre 17 e 19 de julho de 1991, na reunião do Grupo dos Sete (EUA, Reino
Unido, Canadá, Japão, Alemanha, França e Itália) realizada em Londres
e, ali, formulasse um apelo à ajuda internacional a seu país, ameaçado
pelo inverno e pela fome. E "viva" Karl Marx (com quem, “vivas" a todo
um inesgotável catálogo de filósofos do comunismo!).
Só posso
lamentar que nossos dias nos remetam às páginas mais tristes do século
passado, por decisiva influência, também, dos que, em outubro,
resolveram não decidir. Trinta e sete milhões de brasileiros lavaram as
mãos como se o fizessem numa torneira do cais em vez de embarcados com
todos no convés do navio que se perdia.
São verdades
sofridas. Prometo escrever alegremente quando, com a graça de Deus,
tiver motivo para isso. Por enquanto, sou testemunha da longa noite da
estupidez.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.