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segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Calcinha com bolso - Carlos Alberto Sardenberg

Apareceu na categoria esperteza: calcinha com bolso de zíper, na frente, para levar o celular
Novidade para o carnaval, espécie de contramalandragem para escapar dos furtos, devidamente anunciada nos sites de roupas femininas. Coloque no Google “calcinha com bolso”, e aparecem diversas opções de modelos e preços. Há cuecas, também, mas não têm, digamos, a mesma graça. 
 
A recepção na imprensa foi positiva. Grande sacada. Destaca-se que a moça pode levar o celular e um cartão de débito, embora este seja dispensável. 
Pode-se pagar tudo pelo celular, não é mesmo? 
Também é verdade que, se ganha em segurança, a roupa íntima perde em sensualidade. 
 
Que fazer? Trata-se de um trade off diante da onda de furtos e arrastões. A ideia, ao que parece, saiu do Rio, mas o problema é nacional. Na festa da virada no Centro de São Paulo, um cara foi apanhado com 17 celulares, e isso antes da meia-noite.
Nos divertimos com a história quando comentamos na CBN, mas depois deu um baixo-astral. Caramba, gente, então estamos rindo porque neste carnaval seremos mais espertos que os bandidos? 
 
Estamos admitindo que o furto de celular acontecerá em toda festa de rua ou mesmo sem festa, num simples passeio na praia ou no parque. É da vida social. A resposta, logo, só pode ser algum truque de sobrevivência. E se o bandido for violento? Aí, é torcer para escapar com o mínimo de danos.
Estamos nos acostumando com o errado, com o crime, com o pouco que já está bom. Revela falta de confiança nas instituições, nas leis e nas pessoas que deveriam garanti-las. E um certo desânimo com o país.

Há pelo menos quatro décadas, a economia brasileira segue nessa toada: algum crescimento, inflação, pasmaceira, recessão, pequena recuperação, outra estagnação. Na média, o PIB e a renda real evoluem em torno de 1% ao ano.

Neste momento, comemora-se um crescimento de quase 3% que deve ter sido obtido no ano passado
Segundo o FMI, o número se equipara à média mundial, mas é inferior à dos países emergentes (4%) e muito menor que o resultado dos asiáticos (5,2%)
Só é melhor que a média esperada para a América Latina (2,3%) — dos nossos irmãos de baixo desempenho econômico e social.

Também se dá por coisa da vida que os juros no Brasil são mais elevados. Teoria e História mostram que os países com juros baixos exibem contas públicas equilibradas, gasto público eficiente, amplo espaço para a prosperidade das empresas e para o desenvolvimento de iniciativas pessoais e privadas, além de ganhos de produtividade com boa educação.

Por que não se consegue ao menos imitar os bem-sucedidos?

Considerem a educação. No fim do ano passado, comemorou-se por aqui, discretamente, é verdade, o resultado do Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).  
Os alunos brasileiros quase não sofreram perdas em consequência da pandemia. 
Pouco se notou que o padrão vinha de muito baixo, de onde é difícil cair. 
E se deixou de lado o principal: os alunos das escolas privadas foram bem, enquanto os estudantes das públicas ficaram entre os piores desempenhos do mundo. 
 
Parecia jogada política. Esconder o ruim. Pensando bem, foi o costume. 
A escola pública é ruim, assim mesmo. 
Em alguns estados, foi boa até os anos 1960. Daí foi piorando, em meio a infindáveis discussões sobre o melhor modelo educacional e adequado ao Brasil. 
 
Há países ricos com boas escolas públicas. Há países emergentes, especialmente os asiáticos, que deixaram a pobreza enquanto melhoravam a qualidade de suas escolas públicas. 
A relação é direta: escola boa, produtividade da mão de obra, crescimento forte e melhor distribuição da renda, porque os pobres têm oportunidades educacionais próximas às dos ricos.

Há escolas públicas de qualidade em diversas cidades brasileiras. Isso quer dizer que, mesmo aqui, sabe-se como ensinar língua, matemática e ciência para um mundo de inteligência artificial.

Para todo lado onde se olha, sabe-se o problema. Olhando um pouco em volta, encontram-se soluções corretas.

E a gente aqui inventando calcinha com bolso de zíper.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - Coluna em O Globo - 6 janeiro 2024