Guilherme Fiuza
Renan Calheiros disse que a Copa América é o campeonato da morte. Alerta importante. Como já notou qualquer um que acompanha o noticiário nacional, hoje a principal referência científica no país é Renan Calheiros. Os brasileiros estavam perdidos em meio à pandemia até aparecer o oráculo das Alagoas para dar-lhes o norte (e o sul, o leste e o oeste). O que ele por ventura não saiba (o que é raríssimo) aquela médica-cantora que fez um sensacional dueto com ele na CPI explica em uma frase. Isso é o bom da ciência moderna: não tem muita conversa, é tudo pá-pum.
No que viu o farol iluminista de Renan Calheiros apontado para as trevas da Copa América, Tite já se posicionou. Como se sabe, o [ainda] técnico da seleção brasileira é simpatizante de Lula, que por sua vez é unha e carne com Renan – ou seja, tudo dentro da ciência. O técnico foi logo dizendo – na véspera do jogo do Brasil nas eliminatórias sul-americanas da Copa do Mundo – que havia um ruído e os jogadores estavam na dúvida se jogariam o outro torneio. Como se vê, existem Américas e Américas.
Os reis da empatia (alguns pronunciam empatite) logo se eriçaram e se levantaram contra o campeonato da morte. O país tem jogos internacionais de três competições futebolísticas, todas sem público e com rigoroso protocolo sanitário para atletas e delegações, conforme previsto para a Copa América, mas se o Renan Calheiros alertou não dá para titubear. Fora Copa América. (O Brasil é sede de um torneio internacional de vôlei, mas se o Renan não disse nada até aqui, tá limpo. Podem jogar, narrar, assistir e vibrar numa boa. Segurança é tudo.)
Tem também o campeonato de ônibus lotados, vagões apinhados, estações aglomeradas e todo o torneio diário de muvuca nos transportes públicos promovidos por governadores e prefeitos de todo o país, mas disso o pessoal da empatite ainda não falou. Como a médica-cantora também não disse nada, depreende-se que está tudo bem. Ufa. Não é fácil seguir a ciência ao pé da letra.
E bota junta nisso. Eles quase juntaram a doutora Nise Iamagushi, faltou pouco para a delicada oncologista levar um safanão do grande Omar Aziz, incomodado justamente com tanta delicadeza. Ele foi muito claro: não estava suportando a voz suave da médica de 62 anos. Está certo, o companheiro Omar. Suavidade irrita mesmo. E ela, de forma acintosa, continuou falando suavemente. Deu sorte que o Omar e o Renan não mandaram algemar. Em defesa da vida e da ética eles são capazes de tudo.
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A complexidade da ciência é assim mesmo. Às vezes você chega a ter a sensação de estar num campo de várzea assistindo a um clássico do crime, daqueles em que a qualquer momento o zagueiro pode mandar chumbo no atacante, mas são só as ilusões do empirismo. Não se faz omelete sem quebrar os ovos e não se faz ciência sem quebrar uns ossos. E não se esqueça: perigosa é a Copa América.
Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES