O Banco Central (BC) espera que as novas regras do rotativo possibilitem melhores condições para as instituições financeiras reduzirem os juros
As novas condições para o pagamento da fatura do cartão de crédito
entram em vigor hoje. Com as mudanças, os consumidores podem usar a
modalidade de crédito rotativo do cartão por, no máximo, 30 dias. Caso a
pessoa pague qualquer valor entre o mínimo, 15% do total da fatura, e o
integral, o saldo devedor deve ser quitado no mês seguinte. Para quem
não puder pagar a pendência na data, os bancos serão obrigados a
oferecer um parcelamento da dívida por uma linha de crédito com taxas de
juros menores, com prazo de até 24 meses.
O Banco Central (BC) espera que as novas regras do rotativo
possibilitem melhores condições para que as instituições financeiras
consigam reduzir as taxas de juros cobradas e evitem o
superendividamento das pessoas, o que pode diminuir a incidência de
consumidores inadimplentes no rotativo, que é a modalidade de crédito
mais cara do mercado. Na prática, a expectativa é que os consumidores
saiam de uma dívida em que os juros chegam a 481,5% ao ano para uma que
cobra, em média, 163,5%.
Hoje,
a inadimplência do cartão de crédito rotativo para pessoas físicas é de
33,2% do total de operações, enquanto a do parcelado é de apenas 1,2%. A
economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, afirma que o número
alto de endividados é consequência da facilidade em usar o cartão de
crédito, combinada com as altas taxas de juros e o descontrole
financeiro dos brasileiros.
O consultor de
vendas Alisson Marques da Silva, 26 anos, quer se livrar do cartão. Para
ele, a praticidade da ferramenta estimula o consumo. Há três meses, ele
paga o valor mínimo da fatura porque as compras foram excessiva.
Acumulou uma dívida de R$ 2 mil no período. “Comprei um celular, tênis,
roupa, gastei com festas e até parcelei a entrada de um carro. Quero
acabar com o cartão, porque vira um vício. Gastei demais e quando vi não
tinha como pagar”, diz.
A dívida de Silva
aumentou mais de R$ 500 em três meses. “Eu nem olho para quanto cobram
de juros. Não gosto de ver essas taxas”, afirma Alisson. Mesmo com as
novas regras, ele acha que vai se enrolar com as parcelas. “Não vai
fazer muita diferença para mim. O segredo é a pessoa saber se programar
para pagar a fatura em dia”, declara.
Pesquisa
do SPC Brasil aponta que o cartão de crédito é o motivo da inadimplência
para metade das pessoas que estão com o nome sujo ou que estiveram
nessa situação nos últimos 12 meses. A auxiliar de serviços gerais
Cristiana Carneiro da Silva, 40 anos, conhece a realidade de não ter
crédito na praça. Por três meses pagou o valor mínimo da fatura, mas,
sem emprego, não conseguiu mais honrar os compromissos. “A dívida
aumentou quase R$ 500 em alguns meses”, diz. Apesar
de achar extorsivos os juros oferecidos, ela está se planejando para
limpar o nome. “Bloqueei o cartão e não uso nenhum. É ruim estar com o
nome sujo, não consigo comprar nada”, desabafa.
Para
Marcela, além das novas regras, é necessário que os consumidores se
segurem na hora de comprar com o cartão. “De fato, as taxas do parcelado
são menores que as do rotativo, mas continuam elevadas. Ainda é
necessário ter cuidado na hora de comprar a prazo, até porque os juros
do rotativo continuam sendo cobrados no primeiro mês”, nota. A
economista aponta que o problema é o consumidor usar o cartão para
gastos corriqueiros e de curto prazo, além de não ter controle do valor
da fatura, como admitiram 49% das pessoas ao SPC Brasil.
O
diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor
(Brasilcon), Leonardo Garcia, acredita que a medida será positiva para o
consumidor, pela obrigação de negociar a pendência com o banco antes
que a dívida se torne uma bola de neve. “As pessoas só se preocupam em
resolver o problema quando já é um montante alto”, afirma. Para ele,
além de informação, é importante que o cliente receba aconselhamento da
instituição financeira para saber qual a melhor opção. “Mesmo no
parcelado, há o risco de ele escolher uma opção que não é tão vantajosa.
É importante que ele conheça todos os encargos e possa comparar qual a
melhor forma de pagamento”, aponta.
As regras
são válidas para todos os cartões de crédito do mercado, inclusive os
cartões private label, como C&A e Lojas Americanas. O cartão Nubank,
um Fintech, também deve observar as novas regras, de acordo com o
professor Breno Peixoto Cortez, do Centro Universitário Estácio. O
especialista explica que as medidas funcionam como proteção aos
consumidores que financiavam suas compras com o rotativo do cartão de
crédito. “O parcelamento de fatura já é um produto ofertado pelos
bancos, porém, pouco utilizado. A mudança será benéfica para todos os
envolvidos. O consumidor terá mais consciência financeira, os juros
totais pagos tendem a reduzir e a curto prazo a inadimplência, também”,
argumenta. [o único risco é que o crédito que vai substituir o rotativo tenha taxas altas - a legislação não estipula um limite para as mesmas, o que deixa os bancos livres para levares tais taxas a percentuais inferiores em um ou dois pontos em relação ao temido rotativo.]
Ferramenta pode ser aliada
Atenção
O
cartão de crédito, usado com cuidado, pode trazer benefícios para os
clientes, avaliam especialistas. Reinaldo Domingos, presidente da DSOP
Educação Financeira, afirma que a ferramenta deve ser usada como aliada e
não inimiga. É um meio de compra seguro, que proporciona rapidez,
segurança e comodidade de fazer pagamentos 30 dias após a transação, sem
juros. “O cartão de crédito não é o vilão. As pessoas precisam aprender
a lidar com ele, porque, se bem utilizado, ele pode gerar benefícios,
como bônus, milhas e pontuação”, garante.
Segundo
o educador, ao longo do Plano Real, durante o governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso, várias pessoas adquiriram o cartão de crédito
pela primeira vez. Muitas com limites acima da capacidade de pagamento.
“Isso resultou em um desastre, porque não há educação financeira. Há
quatro anos, nós tínhamos 50 milhões de endividados. Hoje nós temos 60
milhões e 80% deles no cartão de crédito”, afirma Domingos. O
especialista diz também que a ferramenta precisa ser usada com
sabedoria. Não é necessário ter vários cartões de crédito com limites
altíssimos. “Quando se paga o valor mínimo da fatura é como se o
consumidor fosse entrando numa areia movediça. No começo parece que vai
conseguir sair, mas, no fim, não consegue. Fica atolado com os juros do
rotativo ou do parcelamento”, afirma Domingos.
Se
for inevitável entrar no rotativo, o consumidor precisa observar o
cenário e pesquisar as opções para quitar a dívida gastando o mínimo
possível com juros. “O parcelamento pode levar muita gente para a
inadimplência. Cabe a cada pessoa procurar o crédito pessoal ou
consignado com taxas menores para quitar a dívida logo no primeiro mês”,
recomenda Domingos.
O principal ponto é
respeitar o dinheiro. Rafael Seabra, educador financeiro do blog Quero
Ficar Rico, conta que o cartão de crédito deve ser usado para pagar os
“sonhos” dos consumidores. “Não se pode usar para pagar combustível ou
compras do supermercado. Os gastos do dia a dia devem ser pagos com
dinheiro ou cartão de débito. Todo mês você vai pagar isto, então por
que deixar para pagar no mês seguinte? Precisa caber no orçamento”,
explica.
Nos últimos seis meses, o policial
civil Luis Ramires de Lima, 48 anos, percebeu que as despesas com o
cartão estão saindo do controle. “Uso para tudo, até na padaria”,
admite.
Com medo de se endividar, ele está
começando a mudar os hábitos. Até o começo do ano, usava três cartões de
crédito, mas preferiu bloquear um dos plásticos. “Eu paguei o mínimo em
um deles, porque extrapolei o limite do orçamento e não dei conta de
quitar a fatura. Só então me dei conta do quanto os juros são altos”,
conta.
Fonte: Correio Braziliense