Por Flavio Gordon
“Se um lado está em guerra com outro, e esse outro não se dá conta de que está em guerra, o lado que reconhece a situação leva sempre vantagem e geralmente vence” (Sun Tzu)
A despeito do negacionismo histriônico de políticos venais, organizações internacionais de má fama, cientistas suspeitos, jornalistas obtusos, “especialistas” midiáticos surfistas de pandemia e demais opinadores sinófilos no debate público ocidental, quem conhece minimamente a história e o modus operandi do Partido Comunista Chinês – descritos, por exemplo, em obras como Unrestricted Warfare: China’s Master Plan to Destroy America e Deceiving the Sky: Inside Communist China’s Drive for Global Supremacy (ver, sobre o último, esse meu artigo de dezembro do ano passado) – decerto nunca se deixou intimidar pelo agitprop pró-China a ponto de desprezar a hipótese de o novo coronavírus ter sido criado em laboratório.
Mas se, até então, a hipótese poderia ser definida como apenas plausível, nos últimos dias, com a divulgação de informações relevantes sobre o tema, ela ganhou mais força e solidez. Com efeito, os dados ora disponíveis são tão substanciais que, a meu ver, só mesmo o medo paralisante de encarar uma realidade assaz terrível – ou, alternativamente, a defesa de interesses escusos – pode levar alguém a continuar engolindo sem fazer cara feia a tese mainstream de origem natural do vírus. Vejamos.
Antes de esmiuçar os méritos de cada hipótese, Wade descreve os mecanismos políticos via os quais, na imprensa e no debate público, a primeira passou a ser inquestionável e a segunda, banida como “teoria da conspiração”. Ele demonstra como, desde o início, a percepção midiática foi enviesada em favor da tese da origem natural graças a afirmações contundentes de dois grupos científicos, afirmações jamais examinadas criticamente por jornalistas que, a título de dever profissional, deveriam tê-lo feito.
“Estamos unidos para condenar veementemente teorias da conspiração sugerindo que a Covid-19 não tem origem natural” – foi o que, ainda em fevereiro de 2020, um grupo de virologistas e epidemiologistas escreveu na The Lancet, a mesma revista responsável pelo estudo fraudulento, posteriormente retratado, segundo o qual a hidroxicloroquina provocava maior risco de morte em pacientes com Covid-19. “Cientistas do mundo todo… concluem categoricamente que esse coronavírus se originou na vida selvagem” – diziam ainda os autores do manifesto, sobre o qual comenta Wade: “Uma marca definitiva dos bons cientistas é o esforço incessante para distinguir entre aquilo que sabem e aquilo que não sabem. Por esse critério, os signatários do manifesto na The Lancet comportaram-se como maus cientistas: deram ao público uma certeza sobre fatos que não sabiam seguramente se eram verdadeiros”.
Wade conta que o manifesto na Lancet foi organizado e esboçado por um sujeito de nome Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, uma ONG dedicada à pesquisa sobre métodos de prevenção a doenças infecciosas. Ocorre que um dos destinatários dos fundos captados pela EcoHealth Alliance é justamente o Instituto de Virologia de Wuhan, com suas pesquisas sobre coronavírus, nas quais são criados in vitro vírus mais perigosos que os existentes na natureza. Portanto, se o Sars-CoV-2 de fato escapou do laboratório por ele financiado, Daszak poderia ser incluído na lista de responsáveis pela catástrofe. Temos aí um claro conflito de interesses omitido dos leitores da Lancet, uma vez que o idealizador do manifesto em prol da hipótese da origem natural poderia estar, no limite, apenas pensando em salvar a própria pele. A imprensa, por sua vez, não se interessou em investigar o assunto.
O outro posicionamento muito influente em favor da hipótese da origem natural do novo coronavírus foi uma carta (não um artigo científico, note-se!) publicada em março de 2020 na revista Nature Medicine, e cujos autores eram um coletivo de virologistas liderados por Kristian G. Andersen, do Scripps Research Institute. Em seu segundo parágrafo, encontramos a seguinte afirmação: “Nossas análises mostram claramente que o Sars-CoV-2 não é uma criação de laboratório ou um vírus propositalmente manipulado”.
Veja Também: A cruzada mundial contra a liberdade de expressão e a autonomia médica
O distanciamento social como vingança e controle
Como explica Wade, tratava-se de mais um exemplo de má ciência, no sentido previamente definido, uma vez que a afirmação central dos autores, segundo a qual todo processo de manipulação genética de vírus costuma deixar rastros, ignora métodos mais modernos, que podem não deixar sinal algum. Caso um vírus tivesse sido manipulado por meio desses novos métodos, não haveria como descobri-lo. E, portanto, Andersen e seus companheiros ofereceram ao público uma certeza sobre algo que não tinham como saber. Talvez por isso o tom da carta se altere dos primeiros para os últimos parágrafos, passando da afirmação categórica de que o Sars-CoV-2 “claramente” não foi criado em laboratório para a sugestão de que “é improvável” que o tenha sido. “A razão para essa mudança de tom é clara, uma vez que adentramos na linguagem técnica”, diz Wade. “As duas razões citadas pelos autores para sustentar a improbabilidade de manipulação são definitivamente inconclusivas”.
(....................)
Em fevereiro de 2021, a OMS enviou uma comissão à China para, supostamente, investigar a origem da pandemia. O problema é que tanto a sua composição quanto o acesso de seus membros foram controlados com mão de ferro pelo Partido Comunista Chinês. Curiosamente, dentre o seleto grupo de integrantes aprovados pelo Partido estava o onipresente Peter Daszak, que, antes, durante e depois dos trabalhos da comissão, continuou impávido, com sua cara de sucupira e pose de isento, afirmando a improbabilidade da hipótese da origem laboratorial. Contudo, como mostra Wade, aquela não foi a vitória da propaganda que as autoridades chinesas esperavam, a despeito de todo o controle exercido. Logo ficou claro que a China não dispunha de nenhuma evidência da origem natural para oferecer à comissão.
Analisando a coisa pelo aspecto geográfico, os dois parentes mais próximos do Sars-CoV-2 conhecidos foram coletados de morcegos que habitam as cavernas de Yunnan, uma província montanhosa do sudoesta da China. Se a hipótese da origem natural estivesse correta, as primeiras pessoas infectadas deveriam ter sido as que habitam a vizinhança das cavernas de Yunnan. Mas, como se sabe, não foi isso que aconteceu. A pandemia irrompeu a 1,5 mil quilômetros dali, em Wuhan.
A peste vermelha
O habitat do Rhinolophus affinis, a espécie de morcego presumivelmente hospedeira do Sars-CoV-2, não costuma ultrapassar um raio de 50 quilômetros de extensão. É improvável, portanto, que um deles houvesse chegado até Wuhan. Ademais, em setembro, data provável dos primeiros casos da Covid-19, as temperaturas na província de Hubei estão baixas o bastante para forçar os morcegos à hibernação. Portanto, a hipótese da origem natural exige necessariamente a identificação de uma espécie hospedeira intermediária, que, logicamente, deveria deixar rastros ao longo do vasto caminho que separa as cavernas de Yunnan e a agitada metrópole urbana de Wuhan. Como resume Wade: “Em outras palavras, trata-se de uma forçação de barra afirmar que a pandemia surgiu naturalmente fora de Wuhan para então, sem deixar pistas, ali fazer uma súbita aparição”.
Mas, se as evidências parecem faltar à tese da origem natural – e Nicholas Wade demonstra-o mediante uma série de outros argumentos extremamente técnicos que o leitor interessado poderá conferir por si mesmo –, elas abundam na hipótese da origem laboratorial do novo coronavírus, hipótese que começa a ser levada a sério pelo próprio Congresso americano. E é aí que os fatos descritos no artigo em tela tornam-se verdadeiramente alarmantes. Mas deles falaremos no artigo da semana que vem, examinando também a hipótese ainda mais assustadora, não contemplada por Wade, de que, sim, o vírus surgiu em laboratório, mas seu vazamento não foi propriamente acidental.
Flavio Gordon, doutor em antropologia - VOZES - Gazeta do Povo