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terça-feira, 20 de junho de 2023

A fábrica de morte de Wuhan - Revista Oeste

Dagomir Marquezi 

Reportagem especial do Sunday Times revela detalhes sinistros sobre a origem da covid-19

 

Mapa da China com marcador na cidade de Wuhan | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

No número 1 da London Bridge Street está a sede do jornal The Times, um dos mais longevos e prestigiados da história da imprensa mundial. 
No arranha-céu envidraçado com vista para o Rio Tâmisa, Jonathan Calvert e George Arbuthnott trabalham para a seção Insight. 
Eles produzem reportagens especiais para um diário que tem 238 anos de reputação a defender. 
Numa extensa reportagem publicada no último dia 11 na edição dominical do Times, Calvert e Arbuthnott revelaram alguns segredos perturbadores sobre a pandemia que afetou a todos.

“Cientistas em Wuhan, trabalhando ao lado dos militares chineses, estavam combinando os coronavírus mais mortais do mundo para criar um novo vírus mutante assim que a pandemia começou”, começa a longa matéria do Sunday Times. “Investigadores que examinaram comunicações interceptadas ultrassecretas e pesquisas científicas acreditam que os cientistas chineses estavam executando um projeto secreto de experimentos perigosos, que causaram um vazamento do Instituto de Virologia de Wuhan e iniciaram o surto de covid-19. (…) Investigadores norte-americanos dizem que uma das razões pelas quais não há informações publicadas sobre o trabalho é que ele foi feito em colaboração com pesquisadores do exército chinês, que o financiava e que, segundo eles, buscava a criação de armas biológicas.”

Como essas informações foram obtidas? “O Sunday Times revisou centenas de documentos, incluindo relatórios anteriormente confidenciais, memorandos internos, artigos científicos e correspondências por e-mail obtidos por meio de fontes ou por ativistas pela liberdade de informação nos três primeiros anos desde o início da pandemia. Também entrevistamos os investigadores do Departamento de Estado dos Estados Unidos — incluindo especialistas na China em ameaças pandêmicas emergentes e em guerra biológica — que conduziram a primeira investigação significativa dos Estados Unidos sobre as origens do surto de covid-19.”<img decoding="async" width="1368" height="896" src="https://medias.revistaoeste.com/qa-staging/wp-content/uploads/2023/06/rasgadinho1-1.jpg" alt="" class="wp-image-952855" srcset="https://medias.revistaoeste.com/qa-staging/wp-content/uploads/2023/06/rasgadinho1-1.jpg 1368w, https://medias.revistaoeste.com/qa-staging/wp-content/uploads/2023/06/rasgadinho1-1-300x196.jpg 300w" sizes="(max-width: 1368px) 100vw, 1368px" data-eio="p" />Reportagem publicada no último dia 11 na edição dominical do Times | Foto: Reprodução

“Impacto devastador na civilização humana”
O Instituto de Virologia de Wuhan, fundado em 1956, se envolveu nessa história no final de 2002, quando pesquisava as origens do vírus conhecido como Sars. 
O vírus provocava febre, dor de cabeça, desconforto e tosse seca. 
 
Surgiu pela primeira vez na província de Guangdong, sudeste da China.
Para pesquisar a origem da doença foi enviado um grupo de pesquisadores liderado pela cientista mais famosa de Wuhan: a doutora Shi Zhengli, conhecida como “Batwoman”, por causa de suas pesquisas sobre morcegos. O objetivo aparente da pesquisa era encontrar uma vacina contra a doença. 
 
Guangdong, sudeste da China | Foto: Shutterstock

Em 2009, o governo norte-americano ajudou a financiar o instituto com US$ 18 milhões por intermédio de uma ONG chamada EcoHealth Alliance — algo como “Aliança da EcoSaúde”. Seu presidente, o inglês Peter Daszak, dividiu com os cientistas chineses suas técnicas mais avançadas de manipulação de vírus.

Em 2012, a mesma doutora Shi descobriu em algumas montanhas da província de Yunnan um vírus parecido com o Sars
O novo vírus foi chamado de WIV1, usando a sigla que identificava o Instituto de Virologia de Wuhan. 
Outro vírus, chamado SHC014, foi enviado para o virologista norte-americano Ralph Baric. Baric desenvolveu a técnica de “humanizar” ratos de laboratório para que seu corpo se tornasse mais parecido com o organismo humano. Atropelou aí uma fila de princípios éticos científicos mais básicos. Mas aparentemente ninguém reclamou. 
 
O doutor Baric passou a fundir genes de diferentes vírus para torná-los mais fortes e virtualmente incontroláveis. 
Seu objetivo declarado era criar uma vacina contra doenças como a Sars. A vacina nunca virou uma realidade. 
E Baric tomou consciência do caminho que estava trilhando, segundo um texto de sua autoria de 2006: “Existem ferramentas para modificar simultaneamente os genomas para aumentar a virulência [e] transmissibilidade. Essas armas biológicas podem ser direcionadas a humanos, animais domesticados ou plantações, causando um impacto devastador na civilização humana”. Um desastre era apenas questão de tempo. Tudo “em nome da ciência”.
 
“O mais perigoso experimento de coronavírus já realizado”
Seguindo o princípio de Ralph Baric, vírus diferentes eram combinados no laboratório de Wuhan para um processo chamado “ganho de função”.  
O objetivo, acredite se quiser, era criar vacinas para doenças que não existiam
Cientistas estavam recebendo dinheiro para criar doenças fora do nosso controle, misturando a embriaguez do poder de vida e morte com o apetite por verbas fáceis.

A doutora Shi Zhengli anunciou em 2017 que seu pessoal no Instituto de Wuhan havia conseguido criar nada menos que oito vírus mutantes, desenvolvidos a partir das fezes de morcegos encontrados na Caverna Shitou. Dois desses vírus eram capazes de infectar células humanas. 

 Virologista chinesa Shi Zhengli dentro do laboratório P4 em Wuhan, capital da província chinesa de Hubei | Foto: Johannes Eisele/AFP

Segundo a matéria do Sunday Times, “a maior parte desse trabalho aconteceu em laboratórios (no Instituto de Wuhan) de nível 2 (BSL-2), que tomavam apenas precauções leves, comparáveis às usadas numa cirurgia dentária”. Fotos do interior do laboratório mostravam funcionários manipulando os receptáculos desses vírus de alta periculosidade.
Usavam apenas luvas cirúrgicas e uma dessas máscaras azuis que a gente compra na farmácia. 
 
Nessa mesma época, o Instituto de Wuhan desenvolveu o que foi descrito pelo biólogo molecular Richard Ebright como “o mais perigoso experimento de coronavírus já realizado”. 
Vírus criados artificialmente (fundindo os tipos WIV1 e SHC014) eram injetados nas narinas de ratos com pulmões “humanizados” — 75% das cobaias morreram no experimento. 
É um ambiente de insanidade científica, mas a essa altura havia ainda mais pressão para que o governo norte-americano continuasse enfiando dinheiro na fábrica de morte de Wuhan. Em nome da sua “Aliança da EcoSaúde”, Peter Daszak pediu mais US$ 14 milhões. O pedido foi negado.


O marco zero
E é a partir daí que a pesquisa científica se torna um enredo típico dos filmes de James Bond ou Missão: Impossível. Segundo um dos investigadores do governo norte-americano, “o rastro de documentos começa a escurecer”. Foi exatamente quando o programa secreto começou. “Minha opinião é que a razão pela qual [a pesquisa em] Mojiang foi encoberta foi o sigilo militar relacionado à busca [do exército] pela capacidade de uso duplo em armas biológicas, virológicas, e em vacinas”, disse o investigador, que não quis se identificar.

A partir daí, a busca por uma vacina dá lugar à pesquisa para tornar o vírus, desconhecido até então, ainda mais infeccioso para os seres humanos. Segundo os investigadores, “tornou-se cada vez mais claro que o Instituto de Virologia de Wuhan esteve envolvido na criação, disseminação e encobrimento da pandemia de covid-19”.Instituto de Virologia de Wuhan, na China | Foto: Wikimedia Commons

O marco zero da pandemia aparentemente ocorreu no mês de novembro de 2019, quando pesquisadores de Wuhan foram levados para o hospital com sintomas que hoje identificamos como covid-19. O silêncio do regime chinês foi absoluto. Um mês depois, o resto do mundo foi atingido pelo novo vírus.

A partir daí, a identificação da fonte da nova doença foi proibida pelo governo de Xi Jinping.  
A pesquisadora inglesa Alice Hughes, que estava envolvida na pesquisa por meio da Academia Chinesa de Ciências, foi proibida de se manifestar sobre as investigações e passou a ser vigiada pelo aparelho repressivo do Partido Comunista. Fugiu para Hong Kong.

O Departamento de Estado norte-americano passou então a agir ativamente para descobrir o que estava acontecendo nas entranhas do regime comunista chinês no período anterior ao surgimento da covid. Serviços de inteligência dos Estados Unidos tiveram acesso inédito a “metadados, informações telefônicas e de internet”. 

Xi Jinping, ditador da China | Foto: Reprodução/Flickr

Por ser altamente confidencial, o relatório publicado no início de 2021 foi ridiculamente pequeno — apenas 700 palavras. Segundo o relatório, “cientistas de Wuhan estavam conduzindo experimentos [no vírus] RaTG13 da mina de Mojang, e pesquisas militares clandestinas, incluindo experimentos em animais de laboratório, estavam sendo realizadas no instituto antes da pandemia”.
“O Instituto de Virologia de Wuhan tem realizado pesquisas secretas, incluindo experimentos em animais de laboratório, em nome do exército chinês desde pelo menos 2017”
 
O Sunday Times conversou com três dos membros dessa comissão e cientistas ligados às pesquisas em Wuhan. Eles concluíram que o objetivo era tornar os vírus cada vez mais perigosos, especialmente através do uso de ratos “humanizados”. Segundo uma dessas fontes, a técnica “acelera o processo natural de mutação. Em vez de levar anos para ocorrer a mutação, pode levar semanas ou meses. Isso garante que você acelere o processo natural”.

Ratos humanizados
Um dos cientistas que trabalhavam com o Departamento de Estado, o doutor Steven Quay, declarou que não fazia o menor sentido acreditar que vírus de morcego pudessem ser transmitidos para humanos. “Seria a primeira vez que isso aconteceria na história da ciência humana.” A covid-19 seria um claro caso de criação proposital de vírus por meio de “ratos humanizados”: “Você infecta os ratos, espera uma semana mais ou menos, e depois recupera o vírus dos ratos mais doentes. Então você repete o processo. Em questão de semanas, essa evolução direcionada produzirá um vírus que pode matar todos os ratos humanizados”. Isso explicaria, segundo ele, por que o vírus surgiu tão marcadamente adaptado para infectar humanos.

 

A covid-19 seria um claro caso de criação proposital de vírus por meio de “ratos humanizados” | Foto: Shutterstock

O relatório do Departamento de Estado deixa explícito o objetivo da criação desse vírus: “Apesar de se apresentar como uma instituição civil, os Estados Unidos determinaram que o Instituto de Virologia de Wuhan colaborou em publicações e projetos secretos com o exército chinês. O Instituto de Virologia de Wuhan tem realizado pesquisas secretas, incluindo experimentos em animais de laboratório, em nome do exército chinês desde pelo menos 2017″.

Um dos investigadores declarou que os militares chineses estão envolvidos com o Instituto de Wuhan desde 2016, quando as conclusões dos experimentos se tornaram cada vez mais secretas. Segundo a matéria do Sunday Times, as pesquisas em Wuhan eram realizadas em parceria com a Academia de Ciências Médicas Militares — um ramo de pesquisas do Exército de Libertação Popular (ELP), o nome oficial das Forças Armadas da China.

Um livro publicado por essa mesma academia, em 2015, declarava que o Sars representava uma “nova era de armas genéticas” (…) que podiam ser “manipuladas artificialmente em um vírus emergente de doença humana, que então era transformado em arma e utilizado”. Os autores do livro, pesquisadores do ELP, falavam abertamente sobre armas biológicas e colaboraram diretamente com os cientistas de Wuhan.

Caindo do telhado
Qual é a lógica por trás da pesquisa?
Segundo os investigadores entrevistados pelo Sunday Times, a ideia seria transformar vírus em armas e, ao mesmo tempo, trabalhar numa vacina contra essas novas doenças. Na cabeça desses militares, os chineses sobreviveriam vacinados, enquanto o resto do mundo seria dizimado pelo novo vírus modificado. O raciocínio não prevê o estado de caos de uma pandemia, mas é típico de mentalidades autoritárias.

A rapidez com que os chineses produziram uma vacina quando a covid-19 saiu de controle só aumentou essa suspeita. O doutor Robert Kadlec concluiu que a vacina chinesa contra a covid (coordenada pelo cientista militar Yusen Zhou) já estava sendo trabalhada em novembro de 2019 — antes, portanto, da pandemia.

Um incidente aumentou o clima de suspeita em torno do caso. Em maio de 2020, o doutor Yusen Zhou foi anunciado morto aos 54 anos. Causa mortis: ele teria “caído” do telhado do Instituto de Wuhan.  
 
Se isso acontecesse num filme de James Bond, todo mundo ia considerar uma fantasia. Na reportagem, pareceu o que se chama na linguagem policial de “queima de arquivo”.Segundo os investigadores entrevistados pelo Sunday Times, a ideia seria transformar vírus em armas e, ao mesmo tempo, trabalhar numa vacina contra essas novas doenças | Foto: Shutterstock
 
As investigações revelaram que três cientistas do Instituto de Virologia de Wuhan com idade entre 30 e 50 anos teriam sido os primeiros infectados pela covid-19, ainda em novembro de 2019. 
Um deles faleceu. 
Sinais de alerta foram captados nas comunicações pedindo reforços urgentes na segurança interna do instituto. 
 
Em 19 de novembro, o diretor de segurança da Academia Chinesa de Ciências visitou o instituto
Recebeu pedidos de alguns de seus líderes para serem retransmitidos ao próprio presidente Xi Jinping, alertando para a situação “grave e complexa” vivida no conjunto de laboratórios. 
A primeira reação do regime foi apagar as evidências de que a origem da pandemia havia sido no Instituto de Virologia. 
Suspeitas foram fabricadas contra o “mercado molhado” de Wuhan e as cavernas de morcegos de Yunnan. 
Por muito tempo o mundo comprou essas versões. 
 
O artigo do Sunday Times deixa algumas pistas que apontam os verdadeiros responsáveis por uma doença criminosa que causou 7 milhões de mortes ao redor do mundo, provocou uma crise econômica sem precedentes e possibilitou a instalação de “ditaduras sanitárias” em todo o planeta.  
Até agora, nenhuma punição aconteceu aos que provocaram essa catástrofe global.

O que estará acontecendo neste exato momento no interior das paredes do Instituto de Virologia de Wuhan?

Leia também “Procuram-se profissionais de tecnologia”

Dagomir Marquezi,  colunista  - Revista Oeste

 

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Para não dizer que não falei das flores - Evaristo de Miranda

O Brasil produz 15.000 hectares de flores, o que representa  8% da produção mundial

A capacidade de sedução das flores é fundamental para a reprodução e a sobrevivência da planta. As flores são belas e perfumadas para seduzir seus polinizadores: insetos, aves e morcegos. Até os humanos são atraídos pelo perfume e pela beleza das flores, capazes de um verdadeiro encantamento. Eles seguiram o exemplo dos vegetais. Em sinal de afeto, amor e paixão, oferecem flores. Para seduzir, perfumam-se com fragrâncias e aromas retirados das flores.

Campo de calêndulas | Foto: Shutterstock

Diversos papiros do Egito antigo atestam a fabricação de perfumes e unguentos aromáticos a partir de lírios e várias flores. São muitas menções a perfumes na Bíblia. É emblemático o gesto da mulher rompendo um vaso de alabastro, repleto de perfume de nardo, lá das proximidades do Himalaia, e derramando-o sobre Jesus, ungindo-o da cabeça aos pés (Mt 26,7).

Maria Madalena derramou um frasco de alabastro, repleto de perfume de nardo, nos pés de Jesus Cristo | Foto: Reprodução

No passado, os perfumes eram extraídos de rosas, jasmins, lírios, laranjeiras e outras flores através do vapor, da fumaça. Daí a origem latina da palavra: per fumum, “pelo fumo”, pela fumaça, pelo vapor. E por meio de borrifadas vaporizadas, per fumum, as fragrâncias ainda se espalham no corpo humano e no ambiente.

O Livro da Química de Perfumes e Destilados, escrito pelo químico árabe Alquindi no século 9, apresenta centenas de receitas de óleos de fragrâncias, águas aromáticas ou imitações para drogas caras, além de mais de uma centena de métodos e receitas para a perfumaria. Essa presença árabe segue no nome de instrumentos da produção de perfumes, como alambique. No século 10, o médico e químico persa Avicena sistematizou a extração de óleos de flores pela destilação. Seus ingredientes e sua tecnologia da destilação marcaram a perfumaria ocidental até hoje.

A produção de flores é uma das obras-primas praticadas por pequenos agricultores. No Censo Agropecuário do IBGE de 2017, dos 5 milhões de estabelecimentos agropecuários recenseados no Brasil, 12.000 declaram ser floricultores lato sensu (flores, folhagens, mudas, sementes…), presentes em quase metade dos municípios brasileiros (mapa 1). Parte significativa desses floricultores possui uma organização empresarial e tecnológica avançada e intensiva. Atividade competitiva, nessa floricultura moderna estão mais de 8.000 floricultores profissionais. Seus cultivos têm área média de 1,5 hectare, segundo o Instituto Brasileiro de Floricultura. A área total da floricultura ultrapassa 15.000 hectares. Parece pouco, comparado à de soja ou milho. Não é. A área mundial é da ordem de 190.000 hectares. A brasileira representa cerca de 8%.

Além desse grupo, existe uma fração de floricultores, de 3.000 a 4.000, em escala muito local, menos integrada aos mercados. Segundo pesquisa da Embrapa Territorial, em janeiro de 2022, dos pequenos agricultores com Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), 3.152 declararam-se produtores de flores, além de outras atividades, com expressiva presença no Nordeste e até na Amazônia (mapa 2).

No Brasil, aproximadamente 9% das flores e plantas são cultivadas em estufas, 3% sob telados ou sombrite e 88% em campo aberto ou ao ar livre. Das 350 espécies e suas 3.000 cultivares, nativas e exóticas, 30% são flores e folhagens de corte, 39% são plantas e flores de vaso e 31% plantas ornamentais e para paisagismo.

Intensiva em capital e mão de obra, a floricultura emprega, em média, 3,8 trabalhadores por hectare. A cadeia de produção e comercialização envolve diretamente 200.000 pessoas: 50% nas propriedades, 40% no varejo, 4% na distribuição e o restante em atividades complementares. Nas pequenas propriedades, apenas 20% da mão de obra é familiar, os outros 80% são contratados. Boa parte da mão de obra é feminina. As mulheres demonstram maior destreza, habilidade e cuidado no manuseio de flores e plantas. Floriculturas vendem beleza e embelezamento, associados à presença de mulheres nos pontos de venda.

A Lei de Proteção de Cultivares, de 1997, viabilizou a entrada no mercado brasileiro de novos cultivares e lotou as prateleiras de floriculturas e pontos de venda com uma gama ampla de cores e formatos até então desconhecidos dos brasileiros, aumentando a oferta e a diversidade.

O valor bruto da produção passou de R$ 0,3 bilhão, em 2004, para R$ 11 bilhões, em 2021. São Paulo responde por praticamente 70% desse valor. O consumo de flores cresceu, no mesmo período, de R$ 15/habitante/ano para cerca de R$ 65 (US$ 12), ainda muito aquém do consumo na Suíça (US$ 174), na Alemanha (US$ 98), na França (US$ 69) e nos EUA (US$ 58).

O faturamento do setor cresce entre 12% e 15% anualmente. São cerca de 600 empresas atacadistas no mercado de flores e mais de 25.000 pontos de venda. Mais da metade do consumo se concentra no Estado de São Paulo e 85% no Sudeste. O mercado nacional absorve 97,5% da produção. Só uma pequena porcentagem é destinada à exportação. Os principais polos de produção estão no Estado de São Paulo, em Arujá, Atibaia, Holambra e Ibiúna. Outros em Andradas, Barbacena, Munhoz (MG); Nova Friburgo, Petrópolis, Serra da Mantiqueira (RJ); Vale do Caí (RS); Joinville (SC); e Serra da Ibiapaba (CE). Flores e folhagens tropicais são produzidas em localidades no litoral do Nordeste (AL, PE, RN e BA).

Ambiente de trabalho ornado com flores não é mais exclusividade de mulheres. Homens presenteiam e são presenteados com flores

A floricultura sofreu com os lockdowns no início da pandemia: cancelamento de festas, casamentos, batizados, bodas e outros eventos. Houve queda brutal na demanda por decoração com flores de corte (rosas, crisântemos, astromélias, lírios…). O tratamento do consumo de flores como algo supérfluo no início da pandemia foi revertido graças a campanhas intensas dos produtores, sobretudo no varejo, em supermercados e floriculturas.

Pessoas em home office, confinadas, buscaram maior reconexão com a natureza. Os floristas propuseram opções: da decoração com flores e até no cultivo limitado de plantas ornamentais, para tornar o ambiente de trabalho mais prazeroso e dar maior aconchego e bem-estar às casas. Durante o isolamento, a jardinagem passou a ser praticada nas casas e se tornou um hobby de muitos brasileiros. Isso ampliou e diversificou a demanda. E exigiu novas soluções em buquês, ramalhetes e plantas, além do comércio de vasos, ferramentas, pequenos sistemas de irrigação, estufas e outros. Flores de vaso, orquídeas, suculentas, cactos, antúrios e até bonsais ampliaram as vendas.

Jardinagem e plantas para decoração ajudaram no crescimento do mercado de flores entre 2020 e 2021. E, mesmo com o recuo da covid, jardins e ambientes com flores ainda se mantêm. Somaram-se a essa demanda, novos hábitos. Ambiente de trabalho ornado com flores não é mais exclusividade de mulheres. Homens presenteiam e são presenteados com flores.

A floricultura e os floristas investiram e inovaram em comunicação e comércio digital. Criaram sites, ampliaram sua inserção em redes sociais, telemarketing e aperfeiçoaram os serviços de delivery. Cresceu a venda no varejo. Floristas já eram pioneiros em entrega de flores em domicílio, mesmo à distância. Agora, ganharam uma escala maior e mais sofisticada.

Após as perdas, as vendas de 2021 superaram as de 2020 e, em alguns segmentos, até de anos anteriores. A demanda cresceu. Maio é um mês das flores, com o Dia das Mães. Junho também, com o Dia dos Namorados. As duas festas somam quase 40% das vendas ao longo do ano. Aqui, o Dia dos Namorados é na véspera da festa de Santo Antônio, e não no dia de São Valentino.

Associar flores, namorados e Santo Antônio é natural. Ele foi um pregador culto e apaixonado, com grande devoção aos pobres. Veneradíssimo no Brasil como o santo dos amores e dos casamentos, ele abre o ciclo das festas juninas. Ao tornar-se monge, ele adotou o nome Antônio ou “flor nova”, anto nous: do grego ánthos “rebento, broto, flor”, presente em antúrio, e da expressão latina novus “novo”. Antônio foi mesmo uma nova floração para o Cristianismo na Europa e um expoente da Ordem dos Franciscanos.

Flores decoram imagem de um santo católico
Flores decoram imagem de Santo Antônio | Foto: Reprodução

Na floricultura, todo dia se planta e se colhe. A busca da perfeição é absoluta. Não pode haver defeito ou mancha nas flores. Se não, são descartadas. Esse perfeccionismo é associado à sustentabilidade. Nas estufas, se a temperatura sobe demais, o floricultor a resfria, e vice-versa. A água gerada pelos sistemas de refrigeração ou das chuvas é recuperada e utilizada na produção. Cada vez gasta-se menos água por vaso produzido, graças à eficiência dos sistemas de irrigação, à gestão dos melhores horários para irrigar etc. O setor investe muito em energia solar. Teme falta de energia ou um fornecimento de má qualidade, capaz de comprometer seus equipamentos sofisticados.

Em São Paulo, a Feira Internacional de Paisagismo, Jardinagem, Lazer e Floricultura reúne mais de 200 expositores nacionais e internacionais. Outros cartões-postais da floricultura são a Expoflora, em Holambra (SP), e a Festa das Flores de Joinville (SC). Esses eventos técnicos e turísticos reúnem milhares de produtores, fornecedores de equipamentos, insumos e centenas de milhares de visitantes. Como as feiras agropecuárias e as de peão, as festas das flores são vitrines para o consumidor urbano da potencialidade da agropecuária e dos pequenos agricultores tecnificados.

Uma frase conhecida dos floristas foi adotada por muitos. As flores transformam uma casa em lar. Vale para o agro e para o país.

Flor Pink Rose, em Holambra | Foto: Tamy Atamay/Shutterstock

Leia também “O Brasil não precisa importar trigo”

Evaristo de Miranda, colunista - Revista Oeste

 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

A origem laboratorial do coronavírus: uma hipótese tanto mais robusta quanto mais proibida

Por Flavio Gordon


“Se um lado está em guerra com outro, e esse outro não se dá conta de que está em guerra, o lado que reconhece a situação leva sempre vantagem e geralmente vence” (Sun Tzu)

A despeito do negacionismo histriônico de políticos venais, organizações internacionais de má fama, cientistas suspeitos, jornalistas obtusos, “especialistas” midiáticos surfistas de pandemia e demais opinadores sinófilos no debate público ocidental, quem conhece minimamente a história e o modus operandi do Partido Comunista Chinês – descritos, por exemplo, em obras como Unrestricted Warfare: China’s Master Plan to Destroy America e Deceiving the Sky: Inside Communist China’s Drive for Global Supremacy (ver, sobre o último, esse meu artigo de dezembro do ano passado) – decerto nunca se deixou intimidar pelo agitprop pró-China a ponto de desprezar a hipótese de o novo coronavírus ter sido criado em laboratório. 

Mas se, até então, a hipótese poderia ser definida como apenas plausível, nos últimos dias, com a divulgação de informações relevantes sobre o tema, ela ganhou mais força e solidez. Com efeito, os dados ora disponíveis são tão substanciais que, a meu ver, só mesmo o medo paralisante de encarar uma realidade assaz terrível – ou, alternativamente, a defesa de interesses escusos – pode levar alguém a continuar engolindo sem fazer cara feia a tese mainstream de origem natural do vírus. Vejamos.

No dia 2 de maio, foi publicado no Medium um longo e minucioso artigo de Nicholas Wade, renomado jornalista que passou 30 anos na editoria de Ciência do New York Times, e foi membro do comitê editorial das revistas Science e Nature. Intitulado Origin of Covid Following the Clues, o artigo (publicado pela Gazeta do Povo, em tradução de Eli Vieira) examina em detalhes as duas grandes teorias rivais sobre a origem do novo coronavírus:  
a) aquela segundo a qual o Sars-CoV-2 surgiu espontaneamente na natureza, passando indiretamente de morcegos para os seres humanos via algum animal hospedeiro intermediário, assim como ocorrera com os coronavírus anteriores, responsáveis pelas epidemias de Sars1 (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio); e 
b) aquela segundo a qual o novo coronavírus foi criado em laboratório (notadamente, o Instituto de Virologia de Wuhan, cidade-epicentro da pandemia), de onde teria escapado acidentalmente.

Antes de esmiuçar os méritos de cada hipótese, Wade descreve os mecanismos políticos via os quais, na imprensa e no debate público, a primeira passou a ser inquestionável e a segunda, banida como “teoria da conspiração”. Ele demonstra como, desde o início, a percepção midiática foi enviesada em favor da tese da origem natural graças a afirmações contundentes de dois grupos científicos, afirmações jamais examinadas criticamente por jornalistas que, a título de dever profissional, deveriam tê-lo feito.

“Estamos unidos para condenar veementemente teorias da conspiração sugerindo que a Covid-19 não tem origem natural” – foi o que, ainda em fevereiro de 2020, um grupo de virologistas e epidemiologistas escreveu na The Lancet, a mesma revista responsável pelo estudo fraudulento, posteriormente retratado, segundo o qual a hidroxicloroquina provocava maior risco de morte em pacientes com Covid-19. “Cientistas do mundo todo… concluem categoricamente que esse coronavírus se originou na vida selvagem” – diziam ainda os autores do manifesto, sobre o qual comenta Wade: “Uma marca definitiva dos bons cientistas é o esforço incessante para distinguir entre aquilo que sabem e aquilo que não sabem. Por esse critério, os signatários do manifesto na The Lancet comportaram-se como maus cientistas: deram ao público uma certeza sobre fatos que não sabiam seguramente se eram verdadeiros”.

Wade conta que o manifesto na Lancet foi organizado e esboçado por um sujeito de nome Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, uma ONG dedicada à pesquisa sobre métodos de prevenção a doenças infecciosas. Ocorre que um dos destinatários dos fundos captados pela EcoHealth Alliance é justamente o Instituto de Virologia de Wuhan, com suas pesquisas sobre coronavírus, nas quais são criados in vitro vírus mais perigosos que os existentes na natureza. Portanto, se o Sars-CoV-2 de fato escapou do laboratório por ele financiado, Daszak poderia ser incluído na lista de responsáveis pela catástrofe. Temos aí um claro conflito de interesses omitido dos leitores da Lancet, uma vez que o idealizador do manifesto em prol da hipótese da origem natural poderia estar, no limite, apenas pensando em salvar a própria pele. A imprensa, por sua vez, não se interessou em investigar o assunto.

O outro posicionamento muito influente em favor da hipótese da origem natural do novo coronavírus foi uma carta (não um artigo científico, note-se!) publicada em março de 2020 na revista Nature Medicine, e cujos autores eram um coletivo de virologistas liderados por Kristian G. Andersen, do Scripps Research Institute. Em seu segundo parágrafo, encontramos a seguinte afirmação: “Nossas análises mostram claramente que o Sars-CoV-2 não é uma criação de laboratório ou um vírus propositalmente manipulado”.

 
Veja Também:     A cruzada mundial contra a liberdade de expressão e a autonomia médica
    O distanciamento social como vingança e controle
   

Como explica Wade, tratava-se de mais um exemplo de má ciência, no sentido previamente definido, uma vez que a afirmação central dos autores, segundo a qual todo processo de manipulação genética de vírus costuma deixar rastros, ignora métodos mais modernos, que podem não deixar sinal algum. Caso um vírus tivesse sido manipulado por meio desses novos métodos, não haveria como descobri-lo. E, portanto, Andersen e seus companheiros ofereceram ao público uma certeza sobre algo que não tinham como saber. Talvez por isso o tom da carta se altere dos primeiros para os últimos parágrafos, passando da afirmação categórica de que o Sars-CoV-2 “claramente” não foi criado em laboratório para a sugestão de que “é improvável” que o tenha sido. “A razão para essa mudança de tom é clara, uma vez que adentramos na linguagem técnica”, diz Wade. “As duas razões citadas pelos autores para sustentar a improbabilidade de manipulação são definitivamente inconclusivas”.

(....................)

Em fevereiro de 2021, a OMS enviou uma comissão à China para, supostamente, investigar a origem da pandemia. O problema é que tanto a sua composição quanto o acesso de seus membros foram controlados com mão de ferro pelo Partido Comunista Chinês. Curiosamente, dentre o seleto grupo de integrantes aprovados pelo Partido estava o onipresente Peter Daszak, que, antes, durante e depois dos trabalhos da comissão, continuou impávido, com sua cara de sucupira e pose de isento, afirmando a improbabilidade da hipótese da origem laboratorial. Contudo, como mostra Wade, aquela não foi a vitória da propaganda que as autoridades chinesas esperavam, a despeito de todo o controle exercido. Logo ficou claro que a China não dispunha de nenhuma evidência da origem natural para oferecer à comissão.

Ao contrário do que ocorreu com a Sars1 e a Mers, o novo coronavírus não deixou traços relevantes no ambiente. Por exemplo, a espécie hospedeira intermediária da Sars1 foi identificada quatro meses após o início daquela pandemia; a do Mers, nove meses depois.  
No entanto, já se passaram 15 meses desde o início da pandemia da Covid-19 e, até agora, a população original de morcegos contaminados não foi identificada, nem a espécie intermediária a partir da qual o Sars-CoV-2 teria mutado e infectado os seres humanos, nem tampouco qualquer evidência de que a população chinesa, incluindo os habitantes de Wuhan, houvesse sido exposta ao vírus antes de dezembro de 2019.

Analisando a coisa pelo aspecto geográfico, os dois parentes mais próximos do Sars-CoV-2 conhecidos foram coletados de morcegos que habitam as cavernas de Yunnan, uma província montanhosa do sudoesta da China. Se a hipótese da origem natural estivesse correta, as primeiras pessoas infectadas deveriam ter sido as que habitam a vizinhança das cavernas de Yunnan. Mas, como se sabe, não foi isso que aconteceu. A pandemia irrompeu a 1,5 mil quilômetros dali, em Wuhan.

 A peste vermelha
O habitat do Rhinolophus affinis, a espécie de morcego presumivelmente hospedeira do Sars-CoV-2, não costuma ultrapassar um raio de 50 quilômetros de extensão. É improvável, portanto, que um deles houvesse chegado até Wuhan. Ademais, em setembro, data provável dos primeiros casos da Covid-19, as temperaturas na província de Hubei estão baixas o bastante para forçar os morcegos à hibernação. Portanto, a hipótese da origem natural exige necessariamente a identificação de uma espécie hospedeira intermediária, que, logicamente, deveria deixar rastros ao longo do vasto caminho que separa as cavernas de Yunnan e a agitada metrópole urbana de Wuhan. Como resume Wade: “Em outras palavras, trata-se de uma forçação de barra afirmar que a pandemia surgiu naturalmente fora de Wuhan para então, sem deixar pistas, ali fazer uma súbita aparição”.

Mas, se as evidências parecem faltar à tese da origem natural – e Nicholas Wade demonstra-o mediante uma série de outros argumentos extremamente técnicos que o leitor interessado poderá conferir por si mesmo –, elas abundam na hipótese da origem laboratorial do novo coronavírus, hipótese que começa a ser levada a sério pelo próprio Congresso americano. E é aí que os fatos descritos no artigo em tela tornam-se verdadeiramente alarmantes. Mas deles falaremos no artigo da semana que vem, examinando também a hipótese ainda mais assustadora, não contemplada por Wade, de que, sim, o vírus surgiu em laboratório, mas seu vazamento não foi propriamente acidental.

Flavio Gordon, doutor em antropologia - VOZES - Gazeta do Povo

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Ebola: o vírus assassino que ressurge de tempos em tempos

África Ocidental

Ao contrário da gripe, esse vírus não é transmitido pelo ar. Portanto, é menos contagioso do que muitas outras doenças virais. Mas taxa de mortalidade é assustadora: de 50% até 90% no caso de algumas epidemias, segundo a OMS

 O vírus do ebola, que ataca novamente na Guiné após três mortes, é um assassino que ceifou mais de 15.000 vidas desde 1976. Até agora, foram identificados cinco subtipos do agente infeccioso e houve onze epidemias causadas por três deles.

De onde vem o vírus?
O vírus do ebola foi identificado pela primeira vez em 1976 na República Democrática do Congo (RDC, então Zaire). É um vírus da família filoviridae (filovírus). Seu nome vem de um rio no norte do país, próximo ao local onde eclodiu a primeira epidemia.  Desde então, cinco "subtipos" do vírus do ebola foram identificados: Zaire, Sudão, Bundibugyo, Reston e e Floresta de Tai. Os três primeiros causaram graves epidemias no continente africano.
 
Como é transmitido?

O vírus circula entre morcegos frugívoros, considerados o hospedeiro natural do ebola, mas eles não desenvolvem a doença. Outros mamíferos, como grandes símios, antílopes ou porcos-espinhos, podem ser portadores e transmiti-los às pessoas.

Durante uma epidemia, o ebola é transmitido entre humanos por meio de contato próximo e direto. Uma pessoa saudável é infectada pelos "fluidos corporais" de um doente: sangue, vômito, fezes...  Ao contrário da gripe, esse vírus não é transmitido pelo ar. 
Portanto, é menos contagioso do que muitas outras doenças virais.
Mas esse vírus é assustador pela alta taxa de mortalidade: em torno de 50% e até 90% no caso de algumas epidemias, segundo a OMS.

Quais são os sintomas?
Após um período de incubação de 2 a 21 dias (cerca de cinco dias em média), o ebola se manifesta com febre repentina, fraqueza, dores musculares e articulares, dor de cabeça e dor de garganta e, em alguns casos, hemorragia.Os sobreviventes costumam ter sequelas: artrite, problemas de visão e audição e inflamação dos olhos.
 
Existe vacina?
Uma primeira vacina, fabricada pelo grupo norte-americano Merck Shape and Dohme, mostrou-se altamente protetora contra o vírus, segundo ensaio realizado na Guiné em 2015. A OMS pré-qualificou esta vacina em novembro de 2019 para ser homologada. Mais de 300.000 doses foram administradas em uma campanha de vacinação direcionada durante a última epidemia na República Democrática do Congo.

Uma segunda vacina experimental, do laboratório norte-americano Johnson & Johnson, foi introduzida preventivamente em outubro de 2019 em áreas onde o vírus está ausente, e mais de 20.000 pessoas foram vacinadas.

A pior epidemia (2013-2016)
A pior epidemia da história surgiu no sul da Guiné em dezembro de 2013 e se espalhou para os países vizinhos da África Ocidental. Causou mais de 11.300 mortes entre os quase 29.000 casos registrados, de acordo com a OMS, que declarou o fim da epidemia em março de 2016.

Mais de 99% das vítimas foram registradas na Libéria, Serra Leoa e Guiné.

Décima e décima primeira epidemia na RDC
A décima epidemia começou em 1º de agosto de 2018 na província de Kivu do Norte. A OMS declarou emergência sanitária de alcance internacional em julho de 2019, quando ameaçava países vizinhos.

As autoridades do país proclamaram o fim desta epidemia, a segunda mais grave da África (com cerca de 2.280 mortes) depois da de 2013-2016, em junho de 2020. Sem ligação com esta epidemia, em junho de 2020, uma décima primeira epidemia de febre ebola estourou na província de Equateur. O país declarou seu fim em 18 de novembro (55 mortos).

"Reaparecimento" na RDC e "situação epidêmica" na Guiné
A República Democrática do Congo anunciou no dia 7 de fevereiro um surto da doença no leste, para onde a OMS enviou uma equipe de epidemiologistas após a morte de uma mulher.Uma semana depois, no dia 14, a Guiné anunciou que estava novamente "em situação de epidemia", depois de ter confirmado o aparecimento no sudeste do país de sete casos, três deles fatais.
São as primeiras mortes pela doença desde 2016 na Guiné. A OMS vai implantar meios "rapidamente", como doses de vacinas, para ajudar a Guiné. [o desempenho medíocre da OMS na pandemia em curso, mostra  a velocidade do "rapidamente" da OMS. Descoberta há 44 anos, o peste do 'ebola', com transmissibilidade bem menor que os vírus da família H, uma vacina efetiva ainda não foi descoberta.
O índice de transmissibilidade do ebola é dezenas de vezes menor que o da peste SARS.]
 
Mundo - Correio Braziliense

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Risco de pandemia - Nas entrelinhas

São dois problemas: um é genético, como as bactérias, os coronavírus estão em permanente evolução; o outro, a escala demográfica da China, com quase 1,386 bilhão de habitantes”


Radicado em São Paulo, o médico chinês Peter Liu, em vídeos postados nas redes sociais, afirma que a China perdeu o controle sobre a epidemia do coronavírus. Atribuiu a informação a sua irmã, deputada estadual em Pequim, no mesmo dia em que a capital chinesa registrava a primeira morte devido à doença. Segundo ele, as autoridades da cidade de Wuhan falharam pela demora em fechar as fronteiras: “Quando decidiram fechar, já haviam saído 300 mil pessoas de Wuhan para o mundo, para a China inteira”, afirmou. “A minha irmã falou que na China todas as cidades estão infectadas, em todas as cidades têm pessoas que já têm o problema”, completou.
[Extremamente lamentável e preocupante a ainda incipiente epidemia do coronavírus na China. 
Primeiramente, lamentável e preocupante para a própria China, além do potencial risco para milhares, ou mesmo milhões, de vidas humanas, há o grande prejuízo que para a economia chinesa - apesar do grave inconveniente de ser comunista, a China caminha a passos largos para a liderança mundial;
Na sequência,  para os demais países do mundo, que além do elevado risco de morte de seres humanos, terão sérios problemas econômicos. 
A China já admite que ocorreu falha, atraso, no fechamento das fronteiras de Wuhan - o que, teoricamente, colocou 300.000 "bombas" humanas em circulação na China e no mundo.

Não podemos deixar de pensar se o coronavírus tivesse surgido no Brasil; 
a China, apesar da já reconhecida demora, conseguiu de forma célere fechar uma cidade com 7.500.000 de habitantes  e grande centro comercial e econômico;
também, suspendeu as comemorações do  Ano Novo chinês, as viagens internas e externas, mesmo assim, o risco foi reduzido, mas, permanece;


Imagine se o problema é no Brasil e fosse preciso suspender, vamos ousar supor, o carnaval. De imediato, protestos ocorreriam, verdadeira rebelião e partindo a decisão do Poder Executivo, haveria uma grita geral do demais Poderes, do MP e pedidos de liminares à Justiça Federal para suspender a medida preventiva e essencial para contar a peste.

Protestos seriam apresentados pelo Poder Legislativo, cogitando até mesmo do 'impeachment' presidencial, juízes concederiam liminares - muitas seriam referendadas por instâncias superiores - alegando que a suspensão feria a liberdade dos cidadãos brasileiros expressarem sua alegria.

Por tudo isso, apesar de lamentar e desejar que a epidemia seja contida, antes de se tornar  pandemia,  temos que reconhecer que é melhor para o mundo que seja na China - onde, apesar do comunismo, as autoridades possuem e podem exercer autoridade.
A China é um dos poucos países do mundo em condições de conter o coronavírus - da parte dos brasileiros e demais países do mundo, nos resta pedir a Deus para conter a peste e, concomitantemente, adotar medidas preventivas.]  

Ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou como “elevado” o risco internacional de contaminação pelo novo coronavírus. Retificou a avaliação feita anteriormente pela própria instituição, que assumiu o “erro de formulação” ao apontar o risco como “moderado”. Até o começo da tarde, os dados oficiais apontavam 81 mortes e mais de 2,7 mil pacientes infectados. A epidemia de coronavírus na China gerou drásticas restrições ao transporte de pessoas e mercadorias, paralisia do turismo e queda do consumo,e já ameaça agravar a desaceleração da economia chinesa.

Pequim adotou medidas de confinamento sem precedentes: em plenas festividades do Ano Novo chinês, o governo suspendeu as viagens organizadas na China e para o exterior, um duro golpe para o turismo. Wuhan virou “cidade proibida”, embora seja um “hub logístico” e centro de produção de automóveis da província de Hubei. Nela está instalada a Dongfeng, segunda fabricante automotiva chinesa, que tem parcerias com as francesas Renault e PSA, com fábricas instaladas na região. Produz 1,7 milhão de veículos. O setor automotivo gera negócios de mais de 58 bilhões de dólares por ano.

Os coronavírus (CoV) são uma grande família viral, conhecidos desde meados dos anos 1960, que causam infecções respiratórias em seres humanos e em animais. Infecções por coronavírus causam doenças respiratórias leves e moderadas, semelhantes a um resfriado comum. Alguns coronavírus, porém, podem causar síndromes respiratórias graves, como a que ficou conhecida pela sigla SARS ( Severe Acute Respiratory Syndrome). SARS é causada pelo coronavírus associado à SARS (SARS-CoV), sendo os primeiros relatos na China em 2002.

Evolução
O SARS-CoV se disseminou rapidamente para mais de doze países na América do Norte, América do Sul, Europa e Asia, causando em torno de 800 mortes, antes da epidemia global de SARS ser controlada em 2003. Em 2012, foi isolado outro novo coronavírus, distinto daquele que causou a SARS, na Arábia Saudita e, posteriormente, em outros países do Oriente Médio, na Europa e na África. Por isso, a doença passou a ser designada como síndrome respiratória do Oriente Médio, cuja sigla é MERS (Middle East Respiratory Syndrome). Agora, surgiu outro coronavírus na China.


De acordo com as investigações em andamento, o novo coronavírus pode ter origem em serpentes ou morcegos, porém não existe consenso entre os cientistas sobre isso. Coronavírus diferentes podem sofrer mutações e se recombinar, dando origem a agentes inéditos. Pulando entre espécies animais (os hospedeiros), eles eventualmente chegam aos seres humanos. É um processo que tem semelhanças com o que acontece na gripe. Na gripe suína, um porco pegou o vírus de aves e, na recombinação de vírus diferentes dentro do animal, surgiu um H1N1 que conseguiu migrar para os seres humanos.

São dois problemas: um é genético, como as bactérias, os coronavírus estão em permanente evolução; o outro, a escala demográfica da China, com quase 1,386 bilhão de habitantes, o que faz de qualquer erro de planejamento econômico ou de políticas públicas uma tragédia nacional. O governo chinês corre contra o tempo para evitar que a epidemia se alastre ainda mais e se torne uma pandemia, mas o coronavírus já afeta os negócios e a imagem dos chineses. Enquanto tenta encontrar uma vacina eficaz, a China se fecha novamente para o mundo.

Um exemplo de como a escala da China pune o erro de forma dramática foi o Grande Salto para Frente (1958-1962), um programa de profundas reformas de Mao Tsé-tung, cujo objetivo era acelerar a marcha para o comunismo. As Comunas Populares reuniam cerca de 20 mil a 30 mil pessoas, criando uma unidade social, agrícola, industrial, administrativa, cultural, médica e militar. O resultado dessa estratégia, porém, foi a desorganização da economia e a fome em massa, que matou pelo menos 18 milhões de chineses. Alguns estudos, porém, sugerem que o número de mortos foi mais próximo de 55,6 milhões.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense  


sexta-feira, 26 de julho de 2019

Grupo LGBTI ocupa prédio em Copacabana e provoca pôlemica entre vizinhos- O Globo


[Pergunta que não quer calar: será que ser contra a invasão por travestis, transexuais e transgêneros de propriedade alheia é crime de racismo?]

Construção de seis andares foi invadida por coletivo voltado para acolhimento de travestis, transexuais e transgêneros
Um prédio de seis andares, no número 27 da Rua Dias da Rocha, em Copacabana, está no centro de um impasse após uma invasão. A polícia ainda não foi acionada, e os vizinhos dizem que a propriedade do imóvel, abandonado há pelo menos dez anos, é desconhecida. Enquanto isso, a permanência dos ocupantes divide moradores. Uns ajudam com doações, outros descontentes usaram, um dia após a ocupação, há cerca de uma semana, grossas correntes para trancar todos dentro do edifício, infestado de ratos e morcegos.


O grupo que está no imóvel faz parte do coletivo da Casa Nem, formado por 23 integrantes da comunidade LGBTI em situação de vulnerabilidade. Líder do movimento, a ativista Indianare Siqueira, de 48 anos, diz que o grupo não se intimidou ao se ver trancado no local e conseguiu sair arrebentando as correntes. Ela afirma que a pretensão é transformar o espaço em sede da Casa Nem, que acolhe moradores de rua, transexuais, travestis e transgêneros:
—Além de oferecer cursos para a comunidade LGBTI, queremos abrigar aqui mulheres e crianças vítimas de violência doméstica que, muitas vezes, não têm onde ficar quando são agredidas. Manteremos o nosso pré-vestibular e daremos assistência jurídica. Há espaço suficiente para isso — contou.

Tesouro encontrado
O coletivo, queinvadiu construções na Lapa e em Vila Isabel, de onde foi expulso, encontrou, ao chegar ao prédio, um verdadeiro tesouro escondido. Indianare conta que, durante uma primeira limpeza do local, foram achadas obras de arte escondidas no sótão, além de quadros, bustos e animais empalhados. Chamados pelo grupo, a Polícia Federal e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) recolheram , nesta terça-feira, o material para análise.

Presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães não vê a ocupação com bons olhos.— Não temos o que fazer. A área já foi interditada, pois teve reboco que caiu e machucou um pedestre. Não sabemos como estão lá dentro, se tem gás, se estão usado botijão e se a água e a luz são irregulares.

Vera Araújo - O Globo

segunda-feira, 18 de março de 2019

O sono da razão de assassinos intoxicados

Como de praxe, até celibatários que nada entendem de formação de crianças e educação de alunos intoxicaram o distinto público com seus diagnósticos



Deonísio da Silva
O pintor espanhol Francisco de Goya retratou-se sentado e dormindo sobre suas anotações. Seu corpo luta para não dormir, mas a força do sono é maior.
Atrás dele, criaturas soturnas espreitam o sono do pintor: morcegos, linces, corujas e um gato preto, representando fantasmas e medos do artista. Talvez a obra de Goya sirva de moldura para outro massacre numa escola brasileira, que serviu de pretexto para falsas interpretações.

Como de praxe, até celibatários que nada entendem de formação de crianças e educação de alunos intoxicaram o distinto público com diagnósticos mais arrumadinhos e mais bem aparados do que seus cabelos e pestanas, preocupados em aparecer, dando a impressão de que sabem de tudo, como sempre. Não sabem. E mostram isso logo ao abrir a boca. Mas enganam bem, há muito tempo e a muita gente.

As coisas, porém, começam a mudar. Assim, houve quem trouxe, como o psicólogo, advogado e assistente social Jacob Pinheiro Goldberg, ainda no calor da hora, o claro raio ordenador para ver os acontecimentos à luz de prática e teoria combinadas.  Em resumo, as raízes destas tragédias de já assustadora frequência estão no ambiente intoxicado em que vivem os estudantes, onde é patente a falta de autoridade sobre adolescentes e jovens, seja por parte dos pais, seja por parte dos professores, e no caráter violento da sociedade brasileira e seu complexo sistema de exclusões, sem esquecer o lado patológico e demoníaco do mal em si mesmo. De resto, a razão ainda esbarra em aspectos inexplicáveis do cotidiano, mesmo quando não está dormindo.

Mas o fato é que para milhões de brasileiros, sejam crianças, adolescentes, jovens ou adultos, sempre falta quem lhes possa dizer não. “Manda quem pode e obedece quem tem juízo”, diz o provérbio, mas no Brasil o verbo obedecer virou pesado anátema. Mandar também.  Sem contar que muitas drogas rondam as escolas, não apenas o tóxico, associado aos mais diversos crimes, como sabem aqueles que frequentam o ambiente escolar e universitário.

A própria palavra assassino veio do Árabe haxaxin, fumador de haxixe, droga utilizada para instigar jovens bandoleiros a assaltar e matar os cruzados nos desfiladeiros do Irã, a caminho de Jerusalém, entre os séculos XI e XII. Haxix designa erva seca em árabe, que pode ser feno, forragem, mas também o cânhamo, cannabis sativa em Latim e makanha em Quimbundo, uma língua africana. Deu maconha em Português.
O haxixe e a maconha tornaram-se drogas de referência, mas no berço estas palavras ainda estavam cobertas pela pureza das designações originais, sem quaisquer ligações com o crime.

Entre fins do século XI e começos do XII, durante as primeiras cruzadas, um líder religioso nizarita, ramo dissidente do islamismo xiita, notabilizou-se por liderar um bando que cometia as maiores atrocidades nos desfiladeiros do Irã. Conhecido pelo apelido de Velho da Montanha, por refugiar-se entre as montanhas do Norte do Irã, numa fortaleza conhecida por Alamute, cujo significado é Ninho da Águia em língua persa, o ancião chamava-se Hassan ibn al-Sabbah Homairi e, depois de perpetrar inumeráveis homicídios, foi executado pelas tropas de Gengis Khan em 1124, aos 90 anos.

Ele e seus liderados tinham, porém, cometido tantos homicídios em mais de meio século de assaltos sistemáticos que a palavra assassino, cujo étimo veio da erva consumida, com influências do nome do próprio chefe, chegou ao Português e substituiu homicida, confinado aos territórios jurídicos da lei, o mesmo ocorrendo em outras línguas. Os jovens assassinos autores do massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), fizeram com que palavras como assassino, bárbaro, pavor e medo fossem invocadas para descrever a situação de pânico que instauraram ali. É curioso que esteja ausente a palavra fobia nessas horas, que reservamos para medos irracionais, como homofobia, claustrofobia, demofobia etc.

Outras singularidades estão no tenebroso e trágico contexto. O professor Raul Brasil, que dá nome à escola paulista onde houve o massacre, era casado com uma senhora chamada Otília. Eles tiveram dez filhos e a todos deram nomes iniciados por H: Helena, Hugo, Herval, Hélio, Heitor, Hilda, Heberth, Hebe, Haydeé e Heros.  No reino das palavras, escrevendo apenas para dizer outras coisas, não com o fim de acrescentar alguma luz sobre a tragédia, mas com o propósito de aliviar a tamanha tristeza que tomou conta de todos, lembremos que a inocência original das palavras é violada de forma inaudita quando elas são usadas para expressar outras realidades.

Assim, a palavra escola está mudando de significado ao longo destas últimas décadas no Brasil. Pouco se aprende ali, pela decadência assustadora do ensino, e para piorar tornou-se, como as igrejas, os templos, as universidades, as mesquitas e as sinagogas em tantos lugares do mundo, um alvo de terroristas desesperados para aparecer na mídia, ainda que o coroamento de seus atos seja o suicídio. Algo deve ser feito e a sociedade ainda não sabe como defender-se de assassinos que querem matar, mas também querem morrer junto com suas vítimas.
Uma tarefa urgente, porém, se impõe: acordar a razão.
*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Suprema embromação federal

Lobby do presidente do STF para garantir aprovação pelo Senado de reajuste do próprio subsídio é tão absurdo quanto o é garantia de suspender auxílio-moradia para juízes em geral para justificar

Nada se salva no grotesco episódio do reajuste de subsídios dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para R$ 39,2 mil por mês, autorizado em lei aprovada por folgada maioria de parlamentares presentes à sessão convocada pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira. E este já fora dispensado de cumprir mais um mandato de oito anos na Casa por decisão sábia e soberana dos eleitores de seu Estado do Ceará.

O reajuste começou a ser exigido no mandato presidencial de dois anos do ministro Ricardo Lewandowski, que antes fora revisor do julgamento da Ação Penal n.º 470, a do mensalão, ocasião em que travou pesados embates com o relator e depois presidente, Joaquim Barbosa. Em dois anos no cargo, Sua Excelência comportou-se como dirigente sindical, reivindicando privilégios para ele próprio e também para todos os membros da magistratura, da qual, como comandante da Corte Suprema, se considerava “poderoso chefão”. A pauta sindicalista do membro do colegiado no topo do Judiciário já era totalmente imprópria, mas à época foi pouco levada em conta, por não ser surpreendente partindo de quem partia e, ainda, porque, mesmo existente, a crise econômica da família brasileira não tinha chegado ao estado de crueldade atualmente sofrido.

O índice que mais clama na exposição dessa situação é o total dos desempregados em seu nível mais elevado, até estonteante, de 14 milhões de trabalhadores, alcançado sob a presidência de sua sucessora, Cármen Lúcia. Esta, justiça lhe seja feita, comportou-se de forma exemplar nesse particular. A procuradora pública mineira, que sempre teve vida social muito recatada, ao contrário de colegas muito mais pródigos no uso de seus vencimentos, que, aliás, servem de limite para as folhas de pagamento não apenas do Poder a que servem, mas de toda a União, nunca misturou sua atividade judicante com reivindicações de remuneração. Na condição de chefe do plenário de última instância, ela nunca encaminhou o pleito e, com isso, seus subsídios e os dos colegas ficaram estagnados desde 2014, como propagam os que agora o reivindicam como se fossem recuperação de perdas acumuladas do passado. Por mais realista que seja o argumento, ele se torna, mais do que hipócrita, cínico, se se partir do princípio de quem paga a conta, e não de quem se beneficia do alto cargo para se dar bem. 

De 2014 para cá a economia brasileira andou para trás e os trabalhadores que remuneram os ministros foram desempregados ou, no mínimo, não tiveram reajuste nenhum ou, ainda pior, receberam os salários reduzidos. A cobrança da “recuperação da perda” passou a ser, então, uma reivindicação sem nenhum senso de justiça social, virtude da qual eles tanto se jactam. Dias Toffoli, que chegou ao “supremo” posto sem nunca ter sido aprovado num concurso para juiz de primeira instância, não se fez de rogado. E, ao substituir Cármen Lúcia, repetiu a pauta de reivindicações antes adotada por Lewandowski, com quem se acostumou a soltar criminosos abonados de colarinho branco, sob alegação errada de respeito à letra constitucional, na qual “ser considerado culpado” passou a ter o mesmo significado de “ser preso”, o que os dicionários não avalizam. 

Reforçado pelo argumento da reposição da perda salarial, típica alegação de sindicalistas operários em datas de dissídios coletivos, o ministro que liberou o ex-patrão José Dirceu, condenado a 30 anos e meio de cadeia, até da obrigação de usar tornozeleiras, não teve pudor de reclamar publicamente do pleito da “categoria”. E, segundo noticiário nunca desmentido, apelou pelo telefone aos senadores responsáveis pela aprovação final do pedido para lhe ouvirem o pleito, como faziam os chefes de polícia avisando aos sambistas nas primícias dos desfiles de carnaval. Ou seja, um magistrado sem concurso agiu como um mendigo com Chanel para tirar o pão dormido sem manteiga da boca do desempregado em nome da democracia, que, desde as raízes gregas, é tida como “igualitária”.

Não sendo impossível agravar algo tão degradante, não é possível omitir que Dias Toffoli tentou amenizar a dureza de uma medida impopular como a que exigia de políticos cuja liberdade depende de sua penada autocrática, ou combinada com os colegas de regabofe, com uma compensação. Em troca, eles negariam a si mesmos e aos outros magistrados em geral o benefício do auxílio-moradia. Ora, o adicional ao vencimento é um privilégio absurdo, gozado por juízes, promotores e outros membros da casta dos marajás do serviço público, que não podem ser confundidos com os coitados dos barnabés. Os próprios defensores desse abono de casta reconhecem publicamente e sem pudor algum que não precisam da esmola para pagar o lugar de morar no exercício da função, o que só seria defensável para garantir a segurança de titulares de comarcas em ermos violentos e desprotegidos, o que está longe de ser o caso dos membros dos tribunais sediados em capitais. A mera enunciação dessa desigualdade patente entre julgadores e julgados é algo muito distante do que significa “justiça” pelos mesmos dicionários que não autorizam a tentativa deles de contestar a jurisprudência da autorização para tribunais de segunda instância determinarem a prisão de criminosos factualmente definidos como aptos a iniciarem o cumprimento de suas penas.

Destarte, fique aqui combinado que não tem propósito nenhum cobrar o reajuste a ser pago pelos que perderam o emprego ou não tiveram seus salários aumentados e continuam bancando cada centavo dos milhares de reais que são depositados em suas contas polpudas. E também que a contrapartida oferecida é, de igual forma, injusta e carente de qualquer conceito de ética que seja aplicável no convívio civilizado de iguais.
 
A troca proposta por Toffoli, sem pudor, assemelha-se à “Lei da Compensação” consagrada por Jackson do Pandeiro no sucesso que fez com a interpretação do hilariante forró de Rosil Cavalcanti e oculta pelo sigilo telefônico entre ministro e senador. Se o reajuste esfola o pobre para garantir o luxo de maiorais do Judiciário, que têm garantia perpétua de emprego, aposentadoria pela mais alta remuneração e mais um rosário de benesses asseguradas por lei, o auxílio-moradia estabelece a injustiça como padrão para toda a magistratura. Ou seja, no afã de “compensar”, Toffoli dispensou gasto contestado no próprio STF. E mandado para as calendas da burocracia mercê de uma decisão pra lá de corporativista do ministro Luiz Fux, ao dar seis meses de prazo à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal da Advocacia-Geral da União. Enquanto o reajuste causa ônus permanente, que produzirá um rombo que se repete. É como se ele oferecesse a troca de uma gaiola de belos e melodiosos canários belgas por um bando de andorinhas em revoada ruidosa em sua rota de migração.

E, mais grave, o acinte está sendo perpetrado com base em cálculos falsificados. O auxílio-moradia é uma despesa permanente e ilegal, apesar do lero-lero dos beneficiados e da cumplicidade dos “supremos”, mas o desembolso do erário para pagá-lo não produz efeitos paralelos e colaterais no Orçamento federal. Já o reajuste produz um efeito-cascata bilionário de tal monta que os técnicos têm dificuldade até para calcular. 

Especialistas avaliam entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões o resultado dessa “reposição de perdas salariais” do time de morcegos protegidos pela venda que tapa os olhos da Justiça na estátua em frente ao prédio de seus gabinetes. O auxílio-moradia transfere do bolso do trabalhador para as togas dos magistrados R$ 1 bilhão 627 milhões 990 mil e 232 por ano e isso é, de fato, extravagante, mas representa menos da metade do gasto para compensar essa eventual economia, que não será feita. Toffoli sabe disso. Embora talvez sua massa encefálica não avalie o fosso abissal entre reajuste e prebenda. Nós, que pagamos ambas as contas, não devemos desprezar a consciência que tem do volume de dinheiro do Brasil real (da crônica atual de Machado de Assis) que gasta na parte que lhe toca de banquetes e regabofes da farra em que a suprema embromação federal do País oficial se refestela.

Nem tente calcular seu prejuízo pessoal nessa ignomínia, pois não dá. Mas convém guardar com zelo a lista dos senadores que a tornaram lei e sempre se lembrar de esquecê-los nas próximas eleições que vierem a disputar. Em particular, do autor da tramoia, Eunício Oliveira. E por falar no sujeito em questão: Vade retro e tchau, cabrão!

José Nêumanne, jornalista, poeta e escritor - O Estado de S. Paulo

 

E por falar no sujeito em questão: Vade retro e tchau, cabrão!



José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)