De um lado do balcão, a cúpula da Camargo
Corrêa corrompia funcionários e políticos para garantir contratos com a
Petrobras.
Do outro
lado, embolsava parte do suborno
Arquejava
ao telefone, na manhã daquela segunda-feira 21 de outubro do ano passado,
convalescente de uma cirurgia cardíaca. — Cara, ele acha que foi prejudicado, cê tá
entendendo? — gritou. — O tanto de
dinheiro que nós demo pra esse
cara... E ele tem coragem de falá
que foi prejudicado...
Escutou o
murmúrio condescendente do parceiro. E continuou, martirizando o idioma: — Vê quanto ele levô. Vê quanto o comparsa dele levô. Vê quanto o Paulo Roberto levô (...) E vem falá
pra mim que tá prejudicado?
A
gravação do telefonema, por mandado judicial, foi apresentada no tribunal em
outra segunda-feira, 10 de novembro, duas semanas atrás. — Era o
senhor mesmo? — perguntou o juiz. — Era
— confirmou Alberto Youssef, réu confesso na distribuição de propinas a
políticos. O dinheiro tinha origem em contratos superfaturados de empreiteiras
com a Petrobras. — A Camargo Corrêa me
devia R$ 2 milhões, que o vice-presidente e o presidente pediu que eu adiantasse a agentes
políticos e a Paulo Roberto (Costa, ex-diretor da Petrobras).
A Camargo
Corrêa obteve o maior contrato na construção da Refinaria Abreu e Lima, em
Pernambuco. O projeto, cotado a R$ 5
bilhões no início, já custa mais de R$ 40 bilhões, depois de centena e meia
de aditivos de preço. O superfaturamento
chegou a 43% em alguns itens.
Dalton
Avancini, presidente da empreiteira, e José Ricardo Auler, do Conselho de
Administração, são acusados de subornos
e fraudes em contratos com a Petrobras. Pagaram R$ 3 milhões a Paulo Roberto Costa, no ano passado. Era
dívida de propina, confessou o ex-diretor da estatal. O juiz seguiu com Youssef sobre o telefonema: — De quem que o senhor está falando aí?
— Eu estou falando do Eduardo
Leite (vice-presidente
da Camargo Corrêa). — Era por conta das vendas
de tubo pra Camargo. Ele também
recebia parte do comissionamento. Tanto ele quanto o diretor Paulo Augusto (Santos
da Silva, diretor de Óleo e Gás do grupo).
— Recebiam parte? — surpreendeu-se o juiz.
— Do comissionamento da vendas da
Sanko.
Sanko Sider
vendia tubos à Camargo Corrêa, superfaturados, para ocultar o pagamento de
propina (1% de cada contrato da Camargo
com a Petrobras). A empreiteira pagava. A Sanko Sider repassava o dinheiro
do suborno a Youssef, que distribuía a funcionários e políticos. — Eles
também recebiam um percentual? — insistiu o juiz, incrédulo.
— Também recebiam.
— E quem fazia esse pagamento?
— Eu fazia. Em dinheiro vivo.
Paulo Roberto ganhava, Paulo Augusto ganhava, Eduardo Leite ganhava e eu
ganhava...
Já foram
identificados também depósitos
milionários da Sanko Sider nas contas de empresas familiares do vice-presidente
(Leite) e do diretor (Silva) da Camargo Corrêa.
Erguido há 76 anos pelo lendário
Sebastião Camargo, que
exibia na parede de casa as cabeças empalhadas das suas vítimas em caçadas, o grupo
terminou 2013 com R$ 26 bilhões em receita líquida e uma inovação dos
principais executivos: o “caixa 3”
institucionalizado. De um lado do balcão, a cúpula da Camargo Corrêa corrompia funcionários e políticos para
garantir contratos. Do outro lado, embolsava
parte do suborno. Era a
propina da propina.
Fonte:
José Casado,
jornalista – O Globo