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quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

A vantagem oculta do ingresso do Brasil na OCDE - VEJA - Blog do Mailson


Por Maílson da Nóbrega 

O ingresso no "Clube dos Ricos" tende a criar incentivos à boa gestão macroeconômica e reforçar o arsenal de instituições que evitam experimentos populistas

É uma boa notícia a informação, divulgada pela embaixada americana em Brasília, de que os Estados Unidos resolveram dar prioridade ao Brasil no processo de ingresso na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE). Podemos, pois, passar à frente da Argentina e do Peru e de países europeus. O processo deve ser concluído nos próximos dois anos, dependendo apenas do Brasil e de ações para amoldar-se às regras da organização.

Há muitas vantagens em fazer parte do que se convencionou chamar o “clube dos ricos”. Significa um selo de qualidade para políticas públicas, particularmente as relativas à economia. Isso contribui para elevar o nosso prestígio internacional e para melhorar a avaliação de risco do país. Ficará menos difícil atrair capitais estrangeiros para investimentos em diferentes segmentos da economia brasileira. Neste momento, realça o papel da participação estrangeira nos leilões das áreas de infraestrutura, particularmente as de energia e transportes.

O Brasil já segue muitos dos parâmetros de boa governança previstos nas regras da OCDE e tem sua economia permanentemente avaliada pela organização. Isso amplia o conhecimento dos mercados interno e externo sobre as possibilidades e vulnerabilidades da economia nacional, estimulando a adoção de medidas corretivas. Essas avaliações incluem a crucial área da educação. O Brasil já participa, há anos, da avaliação de desempenho de alunos conhecido como PISA. Os respectivos resultados influenciam o debate interno e medidas sobre melhoras de qualidade de nossa educação.

À medida que atender todos os requisitos exigidos para o ingresso na OCDE, o país acumulará graus adicionais de credibilidade e, assim, de confiança na gestão macroeconômica e nas demais políticas públicas relevantes. A autonomia operacional do Banco Central, que pode ser aprovada ainda neste semestre. Há uma vantagem nem sempre revelada nas análises sobre os benefícios do ingresso do Brasil na OCDE. Trata-se da criação de mais um elemento entre os pesos e contrapesos institucionais que forçam o governo a prestar contas. Trata-se de um incentivo adicional para evitar a adoção de políticas econômicas populistas e causadoras de desastres na economia, pois elas poderão decretar a nossa saída da organização. Dilma Rousseff não teria errado tanto se no seu governo já fizéssemos parte da organização.

O ingresso na OCDE significará, pois, o reforço que as instituições brasileiras, nelas incluídas uma imprensa independente e vigilante, já representam para inibir ações que promovem retrocessos e nos tiram da rota de crescimento e de geração de emprego e bem-estar. Saudemos, pois, a aceleração do processo de avaliação do pedido, feito pelo Brasil no governo Temer e reiterado pelo presidente Jair Bolsonaro, para fazer parte do seleto grupo de países que integram a organização.
 
Blog do Mailson da Nobrega - VEJA - Maílson da Nóbrega, economista 

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Amizade interessada - Merval Pereira

O Globo

Sem amizade não há países amigos, mas interesses comuns, a frase atribuída a John Foster Dulles, Secretário de Estado dos EUA, resume bem a situação atual, em que os Estados Unidos frustraram as expectativas brasileiras de entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mais um dos muitos objetivos de política externa brasileira emperrados pelos compromissos internacionais que não nos contemplam.

A propalada amizade entre Trump e a família Bolsonaro, base para a defesa de uma política externa atrelada aos Estados Unidos, começa a ser desmistificada pelos próprios americanos, que ontem aceitaram Argentina e Romênia no chamado “clube dos ricos”, sem abrir brecha para o Brasil, o que fora anunciado como a grande vitória alcançada na visita do presidente Bolsonaro aos Estados Unidos.

O Brasil tem tido frustradas suas ambições internacionais historicamente pelos Estados Unidos. Na Conferência Internacional de Haia, de 1899, e assim também na Segunda, de 1907, onde as potências européias organizavam os países por influência no processo decisório, fomos obrigados a sair do jogo devido às propostas endossadas pelos EUA, consideradas “humilhantes” quando se discutiu a composição do Tribunal de Presas e a do Tribunal Arbitral.

O mesmo aconteceu em 1945, como consequência da Segunda Guerra Mundial, na criação da Organização das Nações Unidas (ONU), quando o Brasil quase fez parte do seu Conselho de Segurança, meta que tentamos alcançar até hoje.

Criou-se o Conselho de Segurança da ONU a cargo dos “Quatro Policiais”: Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Soviética e China, aos quais depois se somou a França. O Brasil, que participara da Guerra através da FEB, tinha o apoio de Roosevelt, mas a Conferência de Yalta aconteceu quando a conjuntura já havia em parte mudado, inclusive, no com a morte dele, substituído por Truman. A importância estratégica que o Brasil teve na luta contra o Eixo, com as bases aéreas no Nordeste, ou na contenção da Argentina “antiamericana”, havia sido reduzida pelos acontecimentos internacionais.

Muito se falou sobre as proximidades entre a vitória de Barack Obama nos Estados Unidos, em 2008, e a de Lula em 2002, e o próprio ex-presidente brasileiro via semelhanças na trajetória de vida dos dois. Eleger um operário no Brasil teve quase o mesmo significado para nós que eleger o primeiro presidente negro nos Estados Unidos. Além de ter chamado Lula de “o cara”, nada mais aconteceu na relação pessoal entre os dois. O governo Lula na ocasião preferia um futuro presidente republicano, porque seria "menos protecionista" e menos "próximo dos tucanos".

Se a relação dos tucanos com o Partido Democrata foi fortalecida pela amizade entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente Bill Clinton, uma relação, se não de amizade, também especial, nasceu entre Lula e Bush, que teve uma convivência mais amistosa com ele do que com Fernando Henrique, que já declarou que sentia "asco físico" por Bush. Provavelmente Bush pressentia em Fernando Henrique uma rejeição intelectual que não aconteceu com Lula, cujo temperamento cordial é mais parecido com o dele.

Além da frustração dessa meta, em que pese a reiteração retórica dos Estados Unidos de que apoiarão a entrada do Brasil na OCDE, há vários efeitos colaterais que enfraquecem o governo Bolsonaro. A Argentina provavelmente será governada novamente pelo grupo dos Kirchner, a quem Bolsonaro já endereçou diversas críticas. A aceitação pelo Senado de Eduardo Bolsonaro como embaixador em Washington, que já estava difícil, ficou mais agora, pois seu grande trunfo era dizer-se próximo da família Trump. Por fim, no governo de Lula, em 2009, o país foi convidado a fazer parte da OCDE e não aceitou, pois perderia o status de país em desenvolvimento que lhe dá vantagens competitivas no comércio internacional.
Merval Pereira, jornalista - O Globo