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domingo, 9 de julho de 2017

MPF troca delações por 600 anos de perdão

Apesar de penas reduzidas, relatos abalaram a República e ensejaram 88 denúncias

Levantamento sobre os acordos de delação mostra que houve redução de até 599 anos na soma das penas (de 710 anos para 111 anos) de 32 colaboradores condenados na Operação Lava-Jato. No total foram 140 acordos firmados em Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília, que ensejaram pelo menos 88 denúncias nos estados e no Supremo Tribunal Federal (STF). As revelações sobre o esquema de corrupção no país permitiram aos procuradores chegar ao topo da pirâmide do poder e oferecer denúncias contra o presidente Michel Temer e o ex-presidente Lula, além de recuperar valores bilionários. 
 A fala dos delatores levou à prisão dez grandes empresários; 12 executivos da cúpula das grandes empreiteiras; dois ex-ministros — José Dirceu e Antonio Palocci —, e um ex-governador — Sérgio Cabral. E não foi só. Também foram flagrados os ex-senadores Delcídio Amaral e Gim Argello e quatro ex-deputados federais: Eduardo Cunha, André Vargas, João Argollo e Pedro Corrêa — três deles perderam seus mandatos após entrar na mira da operação.

O levantamento tem como base casos de delatores que foram condenados na primeira instância e cujos acordos são públicos. A tendência é que a redução das penas aumente à medida que mais réus sejam sentenciados.  Há ainda o caso de Renato Duque, que não foi contabilizado, cuja pena atinge 57 anos e, mesmo sem ter feito acordo de delação, cumprirá apenas cinco anos de prisão em regime fechado. O benefício foi concedido pelo juiz Sergio Moro com base na lei de lavagem de dinheiro, que permite diminuir a pena para delatores e réus confessos. Renato Duque está em tratativas para uma colaboração e vai devolver € 20 milhões.

NOVAS AMEAÇAS
No Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, a preocupação com ataques ao instituto das delações premiadas é crescente. O perdão judicial [perdão judicial ou extrajudicial e que inexiste no ordenamento jurídico?] concedido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao empresário Joesley Batista, do grupo JBS, levou a uma espiral de críticas sobre os benefícios aos delatores. Uma possível delação do ex-deputado Eduardo Cunha elevou ainda mais a temperatura das discussões.

Na Câmara dos Deputados, já há articulações para incluir na reforma do Código de Processo Penal mudanças nas regras das delações premiadas — previstas na Lei de Organizações Criminosas (12.850/2013).  O procurador Paulo Galvão, da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, defende o uso das delações e afirma que manobras políticas em curso ameaçam as investigações:  — Há vários projetos de lei no Congresso Nacional que seriam desastrosos para esses instrumentos e, consequentemente, para a obtenção de informações e provas sobre corrupção e para a recuperação do dinheiro desviado — disse.


Nas últimas semanas, os procuradores reforçaram a presença nas redes sociais em busca de apoio popular para a Lava-Jato. Eles têm defendido que o eleitor puna nas urnas os parlamentares que tentam barrar a investida contra a corrupção. Para o advogado Luiz Flávio D’Urso, a colaboração não é reprovável, mas é necessário que a lei seja seguida rigorosamente. D’Urso defende o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, absolvido recentemente em segunda instância por falta de provas, apesar de ter sido acusado por vários delatores.  — O Estado não pode abdicar de buscar provas, mesmo que dez delatores digam a mesma coisa — afirma o defensor.

Assim como tem defendido o criminalista e advogado do presidente Michel Temer, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, D’Urso diz que é preciso estabelecer limites de atuação para a polícia e o Ministério Público Federal.Cada um no seu quadrado: a polícia investiga, o Ministério Público acusa, a defesa defende e o juiz julga. Não se pode subverter esse sistema. A polícia tem o dever jurisdicional de apresentar tudo o que apura no inquérito; o Ministério Público não. Ele elege o que quer investigar e pode guardar provas para usar quando quiser. Isso cria insegurança jurídica e o que está em jogo é o cidadão — avalia.

DE VOLTA AO COFRE: R$ 18,3 BI
Na sexta-feira, um dia depois de a Polícia Federal ter dissolvido o seu grupo de trabalho exclusivo para a operação, o MPF divulgou balanço mostrando que a Lava-Jato recuperou R$ 900 milhões aos cofres públicos nos últimos dez dias.  Os procuradores têm feito uma série de divulgação de recursos recuperados para comprovar que a aposta nas delações é acertada.  Ao todo, os colaboradores e empresas se comprometeram a devolver aos cofres públicos R$ 18,3 bilhões.

A conta feita pelo GLOBO inclui as leniências da empresa JBS e das empreiteiras, além dos colaboradores, cujos acordos são públicos.  Os dois maiores acordos de leniência são os da JBS e da Odebrecht/Braskem que vão pagar R$ 10, 3 bilhões e R$ 5, 3 bilhões, respectivamente.  As pessoas físicas se comprometeram com a Justiça a devolver R$ 905 milhões em acordos firmados em Brasília, Rio de Janeiro e Curitiba.


Somente o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco devolveu US$ 97 milhões e entregou uma dezena de operadores de propina e os pagadores das empreiteiras, ajudando a mapear o esquema de distribuição de dinheiro.  Os primeiros acordos de delação surgiram em agosto de 2014, cinco meses após a deflagração da Operação Lava-Jato. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef escancararam o esquema de corrupção que se espalhava nas diretorias da Petrobras, loteadas entre o PT, PMDB e PP.
A força-tarefa usou as colaborações para subir mais degraus, atingir as empreiteiras e até a mais alta cúpula da República. Sem elas, no entanto, a Lava-Jato talvez tivesse o destino das várias investigações anteriores: o arquivamento.

Fonte: O Globo
 

terça-feira, 27 de junho de 2017

Delações, colaborações premiadas e o estranho caso JBS

Por não lhe haver sido disponibilizado o instituto da colaboração premiada, Marcos Valério acabou como grande pato da ação penal referente ao Mensalão. 

Segundo leio, o publicitário, tardiamente, vem procurando construir um acordo nesse sentido desde meados do ano passado. Foi no âmbito da posterior Lava Jato que esse instrumento processual chegou aos colarinhos brancos e evidenciou sua inequívoca utilidade para desbaratar organizações criminosas que atuam nas vísceras do Estado brasileiro.  Quando as delações começaram a ser divulgadas, manifestou-se na opinião pública certa rejeição, considerando-as intoleráveis à luz dos ensinamentos morais comuns. Não é reverenciável, de fato, a conduta do dedo-duro, do alcaguete. Por isso, há advogados que se recusam a empregar tal expediente na defesa de seus clientes. No entanto, a Lava Jato jamais alcançaria a abrangência que alcançou não fosse o uso massivo que dele vem fazendo. Para que se tenha ideia do vulto que tomou, em março deste ano somavam-se 140 acordos de colaboração e,  como não há reserva de mesa para tais celebrações, subsiste longa fila de espera.

Data de 2013 a Lei de Combate às Organizações Criminosas, que disciplina a matéria em nosso país. O crime organizado, dificilmente é desarticulado de alto a baixo e desfeito em peças que possam ser buscadas pela polícia, sem que alguém, desde dentro, entregue o serviço. A lei dá ao procedimento o nome de “colaboração premiada” e, convenhamos, é muito bem-vinda. Através dela, ironicamente, muitos congressistas membros da Orcrim acabaram fornecendo à justiça a corda com que, um dia, poderão ser “enforcados”.

E o caso da JBS? Ou, mais especificamente, o caso do super prêmio concedido à colaboração de seus proprietários, que o STF acabou de sacramentar? Pois apesar da pragmática e burocrática decisão do Supremo, que se ateve aos aspectos formais da decisão do ministro Edson Facchin, seu exotismo dá margem a especulações. Se até o santo tem direito de desconfiar das esmolas excessivas, não podem ser menos legítimas as suspeitas dos pecadores. E bota excessivas nisso! O próprio tribunal não ficou alheio a essa excepcionalidade. É o que se depreende das manifestações de alguns ministros sobre o fato de que uma revisão desse acordo ensejaria uma enxurrada de pedidos semelhantes pelas defesas de outros réus.

Tudo, na verdade, chama a atenção: a presteza da operação; a concessão de absoluta anistia aos crimes praticados pelos Batista Brothers, malgrado a magnitude dos danos causados ao Erário e ao país nos âmbitos fiscal, previdenciário, político e econômico; a acolhida e a divulgação da gravação com Temer como prova maior (ao que se sabe), sem ter sido periciada; a estranha acolhida no âmbito da relatoria da Lava Jato (ministro Edson Fachin) de um acordo de colaboração que nada tem a ver com o caso do qual ele é relator; o evidente estrabismo dos colaboradores que receberam seus mais fabulosos bônus, em espécie, durante os governos petistas, mas desfecharam a integralidade de sua denúncia contra Michel Temer.

Por outro lado, permanece incompreensível ao meu entendimento o tal acerto pelo qual o presidente Temer, com 76 anos de idade, passaria a receber parcelas semanais (!) de R$ 500 mil ao longo de 20 anos, ou seja, até os 96 (!) num negócio com preço de gás. Quem neste país faz acordos por vinte anos? Quem se iria expor a carregar mala de dinheiro, toda semana, até 2037? Que influência pode exercer Temer sobre o CADE ou qualquer órgão público, que não se extinga, no máximo, em 18 meses? Muito, muito estranho!

Esclarecimento final: se repudiei a chapa Dilma/Temer em 2014; se sempre me pareceu que, tendo este último ocupado as posições que ocupou em seu partido e no governo, era impossível atribuir-lhe o desconhecimento dos fatos que aconteciam à sua volta; se, por isso, em nenhum momento me alinhei em sua defesa, não será agora que o farei. Este artigo é, apenas, um desabafo de minhas perplexidades.

Por: Percival Puggina -  http://puggina.org