Foi dada a largada. O governo Bolsonaro começa repleto de convicções, embalado pelas esperanças dos brasileiros e crivado de desconfianças sobre seus métodos. O presidente que saiu vitorioso das urnas com uma folgada e convincente vantagem de votos, sem alianças, oriundo de um partido nanico e com propostas nada ortodoxas, alcança o poder para provar que tudo pode ser diferente.
Assim pregou durante toda campanha e trajetória até a posse na terça-feira 1, e dele é esperada a confirmação desse preceito. Em pesquisa recente do Ibope, três em cada quatro brasileiros disseram acreditar que o mandatário está no caminho certo e a maioria absoluta (64%) demonstrou confiar em bons resultados do futuro governante. São números representativamente superiores aos de sua votação, refletindo um recuo na rejeição que ele apresentava de início. Na prática, isso significa que as pessoas estão lhe dando um voto de confiança quanto à melhora do Brasil e de suas próprias vidas. Decerto é natural que mesmo os reticentes ao seu estilo de liderança concedam uma trégua e apostem em transformações positivas. Todos querem um País melhor, progredindo no campo social, político e econômico.
Há condições concretas para que, em tese, o mandatário atinja o objetivo. A economia entrou nos trilhos. O ciclo virtuoso de curto prazo é favorável, desde a correção de rumo adotada após o desastre das administrações petistas. O ambiente político, por sua vez, é habitualmente receptivo a quem chega credenciado pelo voto popular. E, na transição, a montagem da equipe ministerial foi alinhavada sem maiores barbeiragens – salvo aqui, acolá, nomes notoriamente pouco familiarizados às pastas sob seu comando. No geral, com Sergio Moro na direção da Justiça e Paulo Guedes no controle da Economia, os pilares fundamentais para o ataque às carências históricas e agudas da Nação estão erigidos. O que é preciso então para assegurar que os prognósticos positivos se confirmem?
Impõe-se nesse início que o mandatário defina logo quais as linhas mestras de orientação de sua gestão. As prioridades de largada e os caminhos para alcançá-las. O verdadeiro compromisso de mudança, lavrado e reconhecido pela população que colocou Jair Bolsonaro lá no Planalto. O novo presidente deve deixar de lado as pequenas querelas, as agressões verbais a minorias, dar foco e ênfase aos desafios já conhecidos. Reformas estruturais, ajustes de caixa e bom entendimento com o front externo, para começar. Há tempos difíceis pela frente, aqui e lá fora, sem dúvida. E eles só serão superados com uma real disposição e concentração de forças nesse sentido. A distensão dos ânimos ocorrerá apenas com o fim da escalada do desemprego, a melhoria das condições sociais e do ambiente de negócios, a retomada do desenvolvimento e o firme combate à violência. Sem tirar, nem por, esse é o tamanho do caldeirão que vai cozinhar a receita do governo que entra.
Em outras palavras: está aí delineado um esboço sucinto do compromisso que, certamente, será cobrado diretamente de Bolsonaro. O tempo para mostrar serviço, ou ao menos apresentar estratégias, é curto. No máximo seis meses. Depois daí virão pressões enormes. O Congresso não se apresenta exatamente amigável e só dará crédito às iniciativas do capitão reformado enquanto houver suporte popular. Esse, de sua vez, costuma derreter com o passar dos meses. Para todos os fins e efeitos, a própria ideia de uma “democracia direta”, vendida como a panaceia no dia da diplomação, escancarou um perigoso desconhecimento de como as estruturas de poder funcionam e o necessário balé de rituais e relações que o mandatário precisará cumprir para se dar bem. Tomem-se os exemplos, nada desprezíveis, de dois presidentes atualmente encalacrados. Emmanuel Macron, na França, e Maurício Macri, na Argentina. Ambos desembarcaram nos respectivos cargos festejados como fenômenos políticos, prometendo reviravoltas e a tal conversa direta com a população. Sem “intermediários”. Em boa medida, lograram rotundos fracassos. Macron não consegue dialogar com caminhoneiros, que rejeitam suas políticas restritivas a atividades. Também tem a popularidade em queda acentuada pela insatisfação geral com a falta de resultados. O mesmo repete-se com Macri.
A transformação que representou sua chegada ao poder ficou pelo caminho. O desejo, por ele manifestado, de “destruir o sistema” e iniciar nova era, perdeu-se na ausência de ações concretas e de apoio parlamentar. Bolsonaro não pode sequer arriscar cair na mesma armadilha. A composição, em bases republicanas naturalmente, é condição vital para o sucesso da sua empreitada. E quanto antes o presidente, que dá início agora a sua jornada, perceber isso, melhor. Afinal, o compromisso dele é o mesmo buscado por todos nós.