Ex-governador ainda pode contar segredos do Judiciário
Sérgio Cabral demorou dois anos e três
meses para admitir o que todo mundo já sabia: ele montou uma quadrilha
para saquear os cofres do estado. A confissão do ex-governador não é uma
novidade em si. A notícia está no que ele pode vir a contar.
Cabral governou o Rio por dois mandatos.
Somando o período do sucessor, Luiz Fernando Pezão, comandou a política
fluminense por 12 anos. Apesar de todas as revelações da Lava-Jato, ele
simulava indignação ao ser questionado sobre o esquema. “Que maluquice é
essa?”, reagiu, há oito meses, quando o juiz Marcelo Bretas mencionou a
cobrança de propina em obras.
Ontem o ex-governador adotou um tom
diferente. Mais humilde, disse ter desenvolvido uma relação de “apego”
com o dinheiro e o poder. “Isso é um vício”, afirmou, sem pedir
desculpas às vítimas da roubalheira. A confissão tardia é melhor do que
nada, mas está longe de justificar algum benefício penal. Se a lógica das delações premiadas é
chegar ao topo das quadrilhas, Cabral tem pouco a acrescentar sobre a
corrupção no Executivo fluminense. Ele era o chefe da organização
criminosa que se instalou no Palácio Guanabara. Seus principais
escudeiros já foram presos. O vice, que herdou a cadeira e comando do
esquema, está na cadeia desde dezembro.
O Legislativo também foi depenado. A PF
prendeu dez deputados estaduais, incluindo os últimos dois presidentes
da Assembleia Legislativa. A devassa se estendeu ao Tribunal de Contas
do Estado, que nunca se mexeu para conter os desvios da gangue. Dos sete
conselheiros do órgão, seis foram afastados.
Até aqui, o Judiciário é o único Poder
que não foi atingido em cheio pela Lava-Jato. Isso tende a mudar se o
réu confesso começar a abrir seus arquivos. Em conversas reservadas, Cabral tem
indicado disposição para revelar segredos da magistratura. Além de
influir em decisões do Tribunal de Justiça do Rio, ele apadrinhou a
indicação de ao menos quatro ministros do STJ e um ministro do Supremo.
Uma delação do ex-governador pode ser o ponto de partida para a
aguardada operação Lava-Toga.