Atacar a Justiça é característica do autoritarismo
A
presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, e a procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, não perderam a oportunidade da abertura solene, ontem,
do ano jurídico, para firmar posições bem adequadas ao momento político, na
proximidade de um ciclo eleitoral de importância estratégica. Enquanto
a economia dá sinais ainda pouco firmes de recuperação, partidos e grupos
políticos preparam o lançamento de candidaturas para a campanha de um pleito em
que será definido se o país irá pelo único caminho adequado, o das reformas, ou
se forças populistas, responsáveis pela crise, recuperarão espaços nas urnas,
com o uso de discursos demagógicos clássicos.
É parte
desta cena a condenação, em segunda instância, do ex-presidente Lula, o maior
nome do populismo, agora impedido, pela Lei da Ficha Limpa, de se candidatar ao
retorno, pela segunda vez, ao Planalto. Falta, apenas, a Justiça Eleitoral
formalizar o que se encontra claro na lei: ao ter a primeira condenação
confirmada por colegiado de juízes, a pessoa fica inelegível por oito anos. Esta
sentença estraga o plano de retomada de um conhecido projeto de poder do
lulopetismo — era para financiá-lo que a Petrobras foi saqueada. Explicam-se as
reações irresponsáveis do próprio Lula, insubordinando-se de forma explícita
contra uma decisão judicial, e de líderes como os senadores Gleisi Hoffmann
(PR), presidente do partido, e Lindbergh Farias (RJ).
As
agressões feitas ao Judiciário foram respondidas pela ministra Cármen Lúcia, na
presença de interessados diretos no assunto — presidente Michel Temer, senador
Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do Congresso e do Senado, e o deputado
Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Todos, em algum grau, citados em
investigações contra a corrupção, crime que condenou Lula. É
“inadmissível e inaceitável” atacar o Judiciário, discursou a presidente do STF
com endereço certo. E ensinou que se pode tentar reformar uma decisão do juiz,
mas “pelos meios legais e juízos competentes”. Outro recado.
Dodge,
por sua vez, colocou-se ao lado de Cármen Lúcia a favor do dispositivo que
permite o início do cumprimento de pena a partir da confirmação da sentença na
segunda instância, regra que “evita a impunidade”. Os campos
foram delimitados neste início de ano. O PT reage à condenação de Lula pela sua
vertente autoritária, porque não há ditador que não sufoque a Justiça, junto
com o Parlamento, ao tomar o poder. Enquanto Cármen Lúcia e Dodge defenderam as
instituições. O Brasil
vive momento especial, porque, pela primeira vez na história republicana, a
Justiça pune poderosos, à direita e à esquerda. E esta postura típica
republicana incomoda, também à direita e à esquerda, vê-se.
Editorial - O Globo