Marina Dias
No documento, são citados ataques do ex-ministro à vacina, defesa da cloroquina e possível campanha eleitoral
A Associação de Funcionários do Banco Mundial pediu novas investigações sobre Abraham Weintraub, um dos diretores-executivos da instituição, desta vez por espalhar desinformação durante a pandemia e fazer campanha política para um cargo eletivo no Brasil. A Folha teve acesso à carta enviada pela associação ao Comitê de Ética do banco, na qual funcionários dizem que o comportamento do ex-ministro da Educação é "inaceitável" e que é preciso verificar se sua postura é compatível com o código de conduta e os valores fundamentais da instituição.
No documento datado em 24 de fevereiro, são apresentados exemplos dos ataques de Weintraub contra a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, sua defesa da cloroquina, medicamento ineficaz contra a Covid-19, e uma possível campanha eleitoral para o governo de São Paulo —o atual governador paulista, João Doria (PSDB), é um dos principais clientes do banco e também um dos maiores alvos do ex-ministro. "Dado o papel crítico do Banco Mundial na luta contra a Covid-19 no mundo, achamos inaceitável que um membro do conselho administrativo (muito mais do que qualquer outro membro da equipe) publique nas mídias sociais informações patentemente falsas, aparentemente com o objetivo de politizar a pandemia ou contribuir para teorias da conspiração", diz o documento.
Em junho do ano passado, a associação havia pedido ao Comitê de Ética a suspensão da nomeação de Weintraub até que fosse apurada sua atitude em episódios como discursos preconceituosos em relação à China e a minorias e sua fala defendendo a prisão de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), mas a reivindicação fora negada.
Como revelou a Folha, à época o colegiado afirmou que não poderia influenciar na nomeação e que o código de conduta do banco só é aplicado a funcionários já empossados, o que ainda não era o caso do ex-ministro. Agora, dizem funcionários, o cenário mudou. No posto desde 30 de julho, com mandato renovado em novembro por mais dois anos, Weintraub tem intercalado suas reuniões no banco —a maioria de forma virtual— com a divulgação de vídeos em suas redes sociais sobre diversos temas, que serviram de motor propulsor para a nova carta da associação.
De acordo com a entidade, sete meses depois das primeiras reclamações contra o ex-ministro, ainda há preocupação entre integrantes do banco [integrantes do banco? os funcionários que deixam o cumprimento de suas obrigações para dar palpites em assuntos que não lhes dizem respeito?] com seu comportamento e que, por isso, é preciso uma reavaliação. Segundo a carta, em vídeo publicado no YouTube em 16 de janeiro, Weintraub "busca oferecer 'evidências científicas' para atestar que a hidroxicloroquina é um tratamento eficaz contra Covid-19; e afirma que as múltiplas mutações do vírus são uma indicação clara de que ele foi fabricado em laboratório".
"Ambas as questões foram desacreditadas pela comunidade científica", diz a carta. E segue: "O Sr. Weintraub parece estar fazendo campanha para um cargo político no Brasil ao mesmo tempo em que é funcionário do Grupo Banco Mundial." Segundo a associação, esse "parece ser um claro conflito de interesses" já que o código de conduta exige que os dirigentes não interfiram nos assuntos políticos dos países membros e não se envolvam em atividades externas incompatíveis com o desempenho adequado de suas funções. "Os funcionários do conselho devem obter a autorização prévia do Comitê de Ética para todas as atividades fora das funções oficiais", completa.
Com base nesses argumentos, a associação solicita formalmente a investigação "do comportamento e das ações de Weintraub para garantir que eles estejam de acordo com o Código de Conduta da Diretoria e com nossos valores fundamentais". Em caráter reservado, líderes da associação disseram à Folha que não sabem qual seria a punição de Weintraub caso o Comitê de Ética abra a investigação e conclua que a postura do ex-ministro não está alinhada com os valores do banco.
Coluna Reinaldo Azevedo, jornalista - Folha de S. Paulo