Missão de Paz no Haiti, iniciada em 2004, é o ponto de inflexão para o Exército, que se tornou mais operacional. O protagonismo foi retomado na gestão Temer, que, ao recriar o GSI, garantiu espaço para os generais
A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro foi o ápice
de um movimento que já se evidenciava na gestão Michel Temer: a
retomada do protagonismo dos militares na vida política nacional. A
partir de um gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, com uma
vista privilegiada do Congresso Nacional, o gremista Sérgio Etchegoyen,
ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), é figura
central nesse tabuleiro. Esmera-se, no entanto, para afastar os
holofotes, afirmando que não vai competir politicamente com ministros
palacianos atuantes. Mas não se engane: o militar mais próximo de Temer é
o mais forte comandante do GSI dos últimos 16 anos.
Há quem se recorde do general Alberto Cardoso, que ocupou o mesmo cargo
nas gestões de Fernando Henrique Cardoso. Mas o tucano criou, em 1999, o
Ministério da Defesa, um órgão civil para comandar as três forças.
Hoje, segundo especialistas, a pasta está cada vez mais militarizada na
hierarquia. Até mesmo o cargo de ministro é ocupado por um oficial
militar, o general Joaquim Silva e Luna. Duas semanas atrás, em
entrevista exclusiva ao Correio, Silva e Luna justificou a maioria
fardada na pasta. “Eu já encaminhei para o Ministério do Planejamento um
estudo feito, uma carreira de analista de defesa com todos os níveis.
Faz o concurso, ingressa, começa como analista e galga todas as
posições, mesma coisa que a carreira civil, com remuneração e tudo
definido. Por que o Ministério da Defesa tem tantos militares aqui
dentro? Porque senão não funciona. Todo mundo que está aqui dentro é
cedido, civil e militar”, disse Luna.
Etchegoyen mantém o mesmo tom diplomático quando fala de si e do
amplo espectro de atribuições que exerce. Garante que tudo o que faz
está previsto no organograma do GSI, Temer apenas foi demandando,
paulatinamente, ações efetivas em episódios específicos. “O que existe
hoje é a atenção ao papel institucional que cabe ao GSI. Ou seja, se
antes isso não era feito, não sei por que não era. Não sou o assessor
mais importante de defesa, nem o mais importante de segurança, mas sou o
imediato”, afirma Etchegoyen, citando os despachos constantes pela
manhã quando Temer chega ao Planalto.
O
superministro militar tem a fala calma, mas é capaz de se transformar ao
defender os próprios pontos de vista. Foi assim quando viu o nome de
seu pai, o general Leo Etchegoyen, ser incluído, post mortem, na lista
dos militares citados pela Comissão da Verdade como responsáveis por
atos de tortura durante a ditadura. Protestou, abriu um processo e não
engoliu o fato, alegando que o pai não tivera direito à defesa. A reação
foi ajudada pelo fato de Dilma ter uma relação conflituosa com os
militares, que culminou com a extinção do GSI.
“Creio
que Etchegoyen é refém do passado por causa do pai. Há outros oficiais
assim. É difícil para eles. O mais comum é uma atitude defensiva e um
ódio exacerbado aos grupos de esquerda, amplificado pela Comissão da
Verdade. Mas a oposição é mais que ideológica, é pela honra da família”,
afirmou um funcionário do Ministério da Defesa.
Durante
a gestão da petista, Etchegoyen foi assessor de Planejamento do
Ministério da Defesa, um dos três nomes que despachavam diretamente com o
ministro Nelson Jobim. Ganhou pontos preciosos ao contribuir na
elaboração da Estratégia Nacional de Defesa. Acabou aproximando-se de
Temer após o impeachment e assumiu o GSI. “Ele sempre passou a imagem de
um homem duro. Surpreendentemente, após o início do governo, começou a
movimentar-se com desenvoltura e habilidade política. Não há dúvidas
que, hoje, Etchegoyen é um militar bem mais maleável”, resumiu uma
liderança importante da hierarquia militar.
Nenhuma
surpresa para aquele que é considerado o mais preparado
intelectualmente de sua geração. Tanto que este foi um dos fatores que o
fizeram levar vantagem na promoção ao grau máximo do oficialato do
Exército. Ele disputava com o general Santos Cruz, comandante das forças
da ONU no Congo. Santos Cruz tem no preparo operacional o seu forte,
tanto que foi escolhido por um dos principais organismos internacionais
para comandar tropas de paz em uma região tensa e conflagrada.
“Etchegoyen venceu a batalha pela capacidade intelectual que possui”,
resumiu um consultor da área.
O ministro do GSI
também beneficia-se de um novo momento vivido pelo Exército. E, nesse
pulo do gato, não foi ele o protagonista e sim, o polêmico general
Heleno, crítico dos governos petistas e eleitor declarado de Jair
Bolsonaro (PSL-RJ). Militares importantes, da ativa e da reserva,
lembram o perfil de Heleno, classificando-se como um “general combatente
e não um gravatinha”. Comandou a Amazônia, serviu no gabinete do
ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, o que permitiu que
acompanhasse de perto a transição política.
Mas a pedra de toque foi ter sido o primeiro comandante das tropas
no Haiti. “O Haiti é um divisor de águas no Exército Brasileiro. Obrigou
os militares a se profissionalizarem. Antes era um Exército pouco
operacional, cujo maior evento no dia a dia da tropa era o desfile de 7
de setembro”, resume um oficial. A missão no Haiti foi iniciada em 2004 e
durou 13 anos, até outubro de 2017.
Em
entrevista ao Correio, no início da tarde da última quinta-feira,
Etchegoyen evitou comentar se Dilma relevou o papel dos generais ao
extinguir o GSI: “Eu tenho levado a minha vida olhando para frente. No
momento que o GSI foi recriado, passamos a ser demandados”. Para ele,
não há protagonismo. As competências do GSI já existiam, mas eram
subutilizadas. "O presidente resolveu usar toda a capacidade que o GSI
tem”, completou.
Sobre o próprio protagonismo,
mais uma vez, Etchegoyen o rejeita: “Eu não me vejo nesse protagonismo. O
motivo é bem simples: nunca trabalhei para ter esse protagonismo e
nunca fiz as coisas que dizem que eu fiz”. Ele refere-se, por exemplo, à
indicação para a direção-geral da Polícia Federal. Na época da troca
anunciada de Leandro Daiello, atribuía-se ao general a torcida pelo nome
do delegado Rogério Galloro, o que apenas se confirmou com demissão de
Fernando Segovia. “Não há um personagem da República que tenha ouvido eu
comentar sobre preferências de nomes para a Polícia Federal. Não faz
sentido”, disse Etchegoyen. “Meu projeto é terminar a minha tarefa aqui,
ir embora para casa, cuidar dos meus netos, pescar, escrever, fazer o
que eu gosto de fazer. Isso é a minha vida. Eu não tenho um projeto que
esteja baseado em ter que produzir um fato político que me sustente para
isso ou para aquilo”, afirmou.
Antes de se
despedir, o general tenta reforçar um papel secundário nas últimas
decisões da Esplanada: “Vocês conhecem o ministro Jungmann (Defesa),
vocês acham que alguém tem capacidade de influenciar quem ele tem que
escolher? Já me colocaram em tanto lugar dizendo coisas que eu não
disse. Acho que as pessoas estão confundindo assessoramento que é dado
ao presidente com o campo político que não é meu”. E conclui: “Seria
outra leviandade sentar ao lado do presidente e discutir campo político,
minha vida inteira foi defesa e segurança, planejamento estratégico, é o
que estou fazendo aqui, isso tenho respondido. Eu vou dar mais um passo
e entrar no assessoramento político ao presidente e disputar com
Padilha, Moreira Franco, Maia? Não caibo nesse papel”.
Correio Braziliense