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quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Crise migratória: o “11 de Setembro” da Europa

O público europeu olha com desprezo as instituições da União Européia.
Poucas semanas depois que a Alemanha abriu as fronteiras para a entrada de mais de um milhão de refugiados do Oriente Médio, África e Ásia, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, alertou que a crise migratória poderia “desestabilizar as democracias“. Ele foi tachado de demagogo e xenófobo. Dois anos mais tarde, a previsão de Orbán se confirmou. Conforme explica o website Politico: “a maioria dos líderes da UE ecoam as palavras do primeiro-ministro húngaro” e agora ele já pode afirmar: “nossa posição está lentamente se tornando a posição majoritária”.

Parece que muitos na Europa já entenderam o que Ivan Krastev, presidente do Centro de Estratégias Liberais de Sófia e membro do Instituto de Ciências Humanas de Viena, explicou recentemente ao Le Figaro:
“A crise migratória é o ’11 de setembro’ da União Européia… Naquele dia, em 2001, tudo mudou nos Estados Unidos. Em um minuto apenas, os EUA se deram conta de sua vulnerabilidade. Os migrantes causam o mesmo efeito na Europa. Não é o tamanho do contingente que desestabiliza o velho mundo… A crise migratória solapa profundamente os ideais da democracia, tolerância e progresso, bem como os princípios liberais que compõem o cenário ideológico. É um divisor de águas na dinâmica política do projeto europeu”

A migração está tendo um expressivo impacto, por exemplo, nas finanças públicas da Europa. Veja os dois países mais afetados. O governo federal da Alemanha gastou 21,7 bilhões de euros em 2016 só com a migração. Fora isso consta que o orçamento da Alemanha para a segurança saltará um terço no ano corrente, de 6,1 bilhões para 8,3 bilhões de euros.

Na Itália, o ministro da Economia e Finanças anunciou recentemente que o país irá gastar 4,2 bilhões em 2017 com os migrantes (um sétimo de todo orçamento da Itália para 2016). A Espanha anunciou recentemente que no Norte da África, a cerca que contorna os enclaves de Ceuta e Melilla, que impede que os migrantes entrem em território espanhol, receberá uma injeção suplementar de 12 milhões de euros. Em todos os cantos da Europa, países estão alocando recursos extraordinários para tratar da crise migratória, que também mudou o cenário político do velho mundo.

As recentes vitórias de Sebastian Kurz nas eleições da Áustria e de Andrej Babis nas da República Tcheca engrossaram, ao que tudo indica, o grupo de países da Europa Central e Oriental que se contrapõem a Bruxelas, países estes que não querem aceitar a entrada do contingente de migrantes exigidos pela União Européia. A questão da imigração está dividindo a Europa em termos ideológicos. Não são apenas cercas, são rivalidades, desconfianças e ódios que agora dividem mais extensamente do que nunca o projeto europeu. O público europeu olha com desprezo as instituições da União Europeia. Ele a lê à luz do multiculturalismo e da imigração, ele não é apenas indiferente aos seus próprios problemas, mas somam a estes os que já existem.

Outro terremoto político ligado à crise migratória é “o declínio da social-democracia no Ocidente”, conforme salientou recentemente Josef Joffe, editor do Die Zeit. Em toda a Europa, a crise da migração praticamente acabou com os partidos sociais-democratas, que há muito se sabe são incapazes de lidar com o problema. Há vinte anos esses partidos liberais de esquerda governavam em tudo quanto é canto, por exemplo: Espanha, Grã-Bretanha, Alemanha, mas agora estão na oposição, menos na Itália. Da Noruega à Áustria, a Europa é governada pelos conservadores.

Mais de metade das conspirações terroristas ocorridas na Alemanha desde o início da crise dos migrantes em 2014 envolveram migrantes, de acordo com as manchetes da época e de um estudo da Heritage Foundation. Além disso, o Estado Islâmico, agora derrotado em Raca, aproveitou-se da desestabilização causada pela guerra civil na Síria e se tornou uma das principais forças motrizes da crise migratória. A migração tem dado grandes dores de cabeça no tocante à segurança da Europa. A partir do território conquistado, o ISIS lançou ataques terroristas de grande vulto no velho mundo.

A crise migratória também teve como consequência o fortalecimento estratégico do presidente turco Recep Tayyip Erdogan na Europa. Ele vem chantageando os países europeus ameaçando-os: se bilhões de euros e certas concessões políticas não lhe forem outorgadas, ele irá abrir as fronteiras da Turquia para que milhões de migrantes inundem a Europa. Erdogan não só exigiu da Europa a prisão de escritores e jornalistas, ele também tentou influenciar as eleições na Holanda e na Alemanha apelando para os seus partidários turcos.

Um informe do Pew Research mostra como a migração está transformando os países europeus. Somente em 2016, a população da Suécia cresceu mais de 1%. O aumento é atribuído à migração em massa, a segunda mais alta da UE. O número de imigrantes aumentou de 16,8% para 18,3% da população sueca entre 2015 e 2016.  Áustria e Noruega, dois países com grandes contingentes de imigrantes (no mínimo 15% em 2016), registraram um aumento populacional de 1% em relação a 2015. O jornal Die Welt relatou recentemente que 18,6 milhões de residentes alemães, um quinto da população total da Alemanha, já é de origem migrante.

O Centro Machiavelli na Itália denunciou, segundo o estudo “como a imigração está mudando a demografia italiana”, que uma guinada “sem precedentes” na demografia da Itália está em curso devido à crise migratória.  Abriram a caixa da Pandora da revolução demográfica.  Há dois anos, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, era a única voz na Europa falando da necessidade de manter a Europa “cristã”. Agora, Donald Tusk, presidente da Comissão Européia, um dos seus adversários mais ferrenhos ressaltou:
“Somos uma comunidade cultural, o que não significa que somos melhores ou piores, somos simplesmente diferentes do mundo exterior… nossa mente aberta e tolerância não podem significar deixar de proteger a nossa herança”.

Em 2015 qualquer conversa sobre “cultura” era condenada como “racismo”. Agora está se tornando parte da grande massa.  Ao tentar lidar com a guerra dos islamistas contra os ideais ocidentais, cultura e religião e o choque cultural que eles criaram, a Europa ficou de pernas para o ar.

Giulio Meotti, editor cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano
Publicado no site do Gatestone Institute – https://pt.gatestoneinstitute.org
Tradução: Joseph Skilnik