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quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A China mostrou a Lula quem manda no Brics - O Estado De S. Paulo

William Waack1

Brasil vendeu fiado aos asiáticos ao aceitar entrada de países no bloco em troca de apoio para ter assento no Conselho de Segurança da ONU

O Brasil vendeu fiado para a China no sôfrega intenção de fazer os Brics funcionarem como um bloco anti-hegemonia dos Estados Unidos. Em troca da entrada no grupo de países que tornarão o grupo uma ferramenta chinesa para desafiar a ordem americana, o Brasil recebeu a promessa de ver o País mencionado como candidato a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

É a repetição de um erro de quase 20 anos atrás, quando o Brasil ajudou a China a obter a condição de economia de mercado - em troca do tal lugar no Conselho de Segurança. [precisamos dizer quem presidia o Brasil e, estupidamente, cismou que é um estadista, que tem liderança internacional?] É necessária uma ingenuidade muito grande em matéria de política externa - ou uma visão muito deturpada da realidade dos fatos internacionais - para imaginar que a China vá promover a entrada no Conselho de Segurança dos quatro aspirantes principais: Japão, Alemanha, Índia e Brasil. [uma certeza: dos quatro aspirantes,  podem ter a certeza que o Brasil é o ÚNICO que NÃO TEM CHANCE de entrar naquele Conselhos; no Brics, a única situação em que o Brasil está em primeiro lugar é no nome, que é forma em ordem alfabética.] 

Japão e Índia são hoje os principais rivais na área imediata de expansão e influência da China, a Ásia.  
E ambos têm sérias desconfianças em relação ao que Pequim pretende. 
A China é, sem dúvida, a grande vencedora da queda de braço no Brics, impondo ao Brasil a expansão de um grupo que tornará nossa diplomacia menos efetiva.
Para a China, incluir o Irã no grupo faz todo sentido, pois ela está desmontando o que foi a grande influência americana no Oriente Médio (e acaba de mediar um entendimento entre sunitas da Arábia Saudita e xiitas do Irã)
Para o Brasil, muito pouco: nossas vantagens comparativas estão em outro campo, o da bioeconomia, transição energética e economia verde, e bem menos no campo da proliferação de tecnologias nucleares.
 
A China surge agora como a condutora de um bloco que já foi chamado de terceiro mundo, países subdesenvolvidos, em desenvolvimento, mercados emergentes.  
Agora o nome da moda é “Global South”, que segue designando o mesmo fenômeno: seu grande número e interesses divergentes impedem que atuem como um “blocão” coeso, mas dão grande repercussão a quem, como a China, está empenhada na formação de uma heterogênea aliança antiamericana.
 
Onde o Brasil fica nisso não está claro
Depende de acesso à tecnologia, sistema financeiro internacional e mantém laços históricos e culturais com o “mundo ocidental”.  
Vende e tem grande parte do seu saldo comercial favorável atrelado à China, mas vale a pena lembrar que boa parte da tecnologia e insumos que fizeram da agroindústria brasileira uma superpotência na produção de alimentos está ligada ao Ocidente.
Lula pretende alterar uma ordem internacional que, segundo ele, reservou ao Brasil um lugar subalterno como fornecedor de matérias primas
Não foi imposição. Foi escolha.

William Waack, colunista - O Estado de S.Paulo

 

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Gente, é sério: novo filme da Barbie endossou o imperialismo chinês

Um mapa não é apenas um mapa e versão mostrada no cinema foi proibida no Vietnã por causa de grave disputa por águas territoriais com a China 

Margot Robbie na première de 'Barbie', em Seul

Loira brilhante: a Barbie de Margot Robbie é feminista e pode entender de geoestratégia (Han Myung-Gu/WireImage/Getty Images)

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/mundialista/gente-e-serio-novo-filme-da-barbie-endossou-o-imperialismo-chines/
 A loira e linda Barbie já foi acusada de tudo: promover padrões corporais inalcançáveis (teria 50 centímetros de cintura e 71 de quadris se fosse transposta para um corpo humano real), dar um mau exemplo para as meninas de mulher cabeça de vento, ser uma “boneca judia” (por causa da sua criadora e fundadora da Mattel, Ruth Mosko Handler), instaurar uma insuportável ditadura do cor-de-rosa e, claro, disseminar o imperialismo americano.

Isso apenas torna mais irônico o motivo que o Vietnã alegou para proibir o novo filme da Barbie: mostra um mapa que endossa as pretensões imperialistas da China.

E é verdade. O mapa “dos nove pontos” mostra uma linha pontilhada que faz uma espécie de letra U no Mar do Sul da China, uma das zonas estratégicas onde mais se espera um futuro conflito por causa das pretensões expansionistas chinesas que avançam sobre águas territoriais de países como Vietnã, Filipinas, Malásia e Taiwan.

A linha dos nove pontos revela uma intenção, não uma realidade, embora navios de guerra dos países envolvidos enfrentem episódios regulares de situações agressivas com a China e até ilhas artificiais, com pistas de pouso e depósitos de armamentos, tenham sido construídas para bancar a expansão de caráter imperialista.
 A China também rejeitou uma arbitragem internacional que favorecia os países cujas águas territoriais aparecem na linha dos nove pontos.
 
A pretensão ao controle total do Mar do Sul da China, que só não acontece por causa da presença da Marinha americana, cuja expulsão é o objetivo estratégico número 1 da China, é antiga e precede a vitória do comunismo.  
Quando as forças maoistas venceram a guerra civil e tomaram o poder, em 1948, endossaram o mapa imperialista.
 
A transformação extraordinária da China num gigante econômico, depois que aceitou liberar o poder das forças do mercado, e potência militar que aspira a hegemonia faz com que todos os especialistas prognostiquem algum tipo de confronto com os Estados Unidos no Mar do Sul da China em um futuro não muito distante
Varrer os americanos da Ásia seria uma vitória tectônica para os chineses.

Curiosamente, o país que mais se opõe ao imperialismo chinês é o Vietnã, uma espécie de versão em escala menor do gigantesco vizinho: manteve o regime comunista quando em todos os outros países o sistema desmoronava e promoveu a abertura para uma economia mista “socialista-mercado” — que permitiu um enorme crescimento econômico. Recorrer à censura de um filme anódino também é outra característica em comum com o adversário trinta vezes maior.

Em vários sentidos, o Vietnã funciona como uma “nova China”, atraindo empresas de todo o mundo com mão de obra ainda competitiva e se firmando como uma alternativa mais confiável para o fornecimento de eletrônicos, vestuário e tênis, principalmente depois que a pandemia expôs o estado extremo de sinodependência do mundo inteiro. Na pós-pandemia, o país teve um crescimento econômico de padrão chinês: 8% no ano passado e meta de 6% este ano.

China e Vietnã são rivais tradicionais e travaram guerras e conflitos menores desde 1979 até perto dos anos noventa. 
A China chegou a invadir o país para segurar o próprio expansionismo vietnamita, que havia entrado no Camboja e derrubado o mais terrível regime comunista da história, o Khmer Vermelho.

O regime chinês temia o fortalecimento, em sua fronteira sul, de países apoiados pela União Soviética, com quem havia rompido desde os anos cinquenta. O Khmer Vermelho de Pol Pot tinha o apoio da China e o Vietnã comunista era um aliado soviético, recebendo grande quantidade de armamentos para bancar, primeiro, a guerra que levou à retirada americana e à queda da parte sul do país, e depois a intervenção no Camboja e a rápida conflagração com a China.

Nesse xadrez geoestratégico, os Estados Unidos penderam para o lado da China – ou pelo menos assim concluiu Deng Xiaoping na visita que fez ao país, na qual teria dito a Jimmy Carter: “A criancinha está ficando levada, está na hora de apanhar”. Em seguida, mandou invadir o Vietnã.

Apesar da surpresa e da concentração de tropas no Camboja, os vietnamitas deram uma tremenda canseira nos chineses. Um mês depois, a China decretou que os objetivos haviam sido alcançados e retirou as tropas. Detalhe fundamental: o Vietnã continuou no Camboja até a derrota total do Khmer Vermelho, um regime tão radical que levou os princípios maoístas a absurdos como expulsar toda a população das cidades. Entre 1,5 e 2 milhões de pessoas morreram de bala, machadada, fome ou exaustão no trabalho agrícola escravo.  Outros filmes e séries já foram censurados no Vietnã por mostrar a ilegal linha pontilhada, inclusive o que se chamou, no Brasil, curiosamente, de Unchartered: Fora do Mapa.

É claro que não existe um propósito sinistro de apoiar a China. Ocorre que os mapas são produzidos adivinhem onde. Até os passaportes chineses têm a linha dos nove traços. A nova Barbie, protagonizada por Margot Robbie um papel ideal, considerando-se que ela é um dos seres mais belos que já andaram pela Terra, mas não ganha prêmios de expressividade —, caiu de paraquedas cor-de-rosa nesse emaranhado geoestratégico.

Mas a tensão com a China não é tão desconhecida assim em Hollywood. 
O Pentágono anunciou na semana passada que não vai mais “colaborar com produções que tenham seguido ou provavelmente venham a seguir demandas do governo da República Popular da China para censurar o conteúdo de um projeto de maneira a promover o interesse nacional” chinês.

Porta-aviões e jatos moderníssimos que aparecem em produções de Hollywood promovem a imagem das Forças Armadas americanas, mas agora os produtores precisam provar que não estão, pelas costas, cultivando o mercado chinês com concessões à censura.   

O caso mais conhecido foi o da bandeira de Taiwan, entre outros pavilhões asiáticos, que aparecia nas costas da jaqueta de couro usada por Tom Cruise na sua volta como Maverick, em Top Gun. O escudo chegou a ser apagado, mas voltou depois que ficou claro que um heróico piloto americano não poderia ceder a exigências da censura chinesa.

Tadinha da Barbie, com tantas coisas para se preocupar em suas novas aventuras que a levam, com Ken, ao mundo real, agora precisa administrar esse outro tanto de problemas. E ainda passar pelo obrigatório “tratamento feminista” dado pela diretora Greta Gerwig.

Será que a Barbie feminista resolve o problema do Mar do Sul da China?

Vilma Gryzinski, Mundialista - Blog em VEJA


sexta-feira, 2 de junho de 2023

Pacheco contra o Brasil: o Senado vai segurar o marco temporal das terras indígenas? - Gazeta do Povo

VOZES - Alexandre Garcia

Tomara que não seja verdade, mas estão dizendo que o Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, vai retardar a votação definitiva do projeto de lei que dá paz no campo e na cidade, quanto à questão fundiária, regulamentando e esclarecendo o que diz a Constituição, no artigo 231, no qual é dito que são dos povos indígenas as terras que eles ocupam tradicionalmente.  
Ocupam é presente do indicativo, portanto, é dia 5 de outubro de 1988, dia que isso foi promulgado na Constituição e passou a valer.
 
Não é que ocuparam, porque se está valendo ocuparam, aí, meu Deus, é 1500, de 1500 pra cá. 
Aí ninguém tem segurança do seu imóvel, urbano ou rural. 
Tá nas mãos do Supremo e depois daquilo que o Supremo fez lá em Roraima, com os arrozeiros, deixando todo mundo na mão, deixando índios e arrozeiros na mão, a gente fica assustado. Aqui está um a um e o Supremo continua essa votação na quarta-feira que vem.

Se o presidente do Senado empurrar até quarta-feira, já vai ter problema de choque entre Supremo e Poder Legislativo. Dois poderes que teoricamente são independentes, autônomos e harmônicos entre si. A Câmara aprovou, diz basicamente que povos indígenas que saíram das suas terras, perderam as terras, a menos que sejam terras em litígio na justiça. É isso.

Porque é isso que diz a Constituição. Aqui havia oito milhões e meio de quilômetros quadrados de povos morando, vivendo aqui quando chegou Cabral. E aí começou a colonização europeia do país. 
Depois veio gente da África, da Ásia e de todos os continentes e formaram essa grande mistura maravilhosa que é o Brasil. E parece que tem gente que quer destruir isso.

Prêmio Nobel e corrupção
Bom, vejam só, eu tô vendo que em Bangladesh tem o Prêmio Nobel da Paz envolvido e acusado por corrupção, metendo o dinheiro num fundo do trabalhador. Aqui toda hora aparece problema com o fundo de amparo ao trabalhado, o FAT.
Inclusive para garantir coisas para a Argentina ou cobrir dívida da Venezuela, de Moçambique, da Nicarágua, sei lá mais o quê, só pra gente lembrar esses acontecimentos.


MP dos ministérios

Passou a medida provisória que mantém os ministérios que Lula criou, 17, e foi um preço alto, né? O governo pagou emendas de R$1,7 bilhão, liberou para deputados, para conseguir aí os 337 votos. É do seu imposto essa liberação.

O governo está sem articulação na Câmara e no Senado também. 
Isso foi mostrado por Arthur Lira, o presidente da Câmara. 
Diz que se o governo vem sofrendo derrotas lá, não é por culpa dele, não. É por falta de articulação. Por exemplo, os deputados mexeram nas medidas provisórias. Esvaziaram alguns ministérios de Marina Silva, o ministério do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas, reforçaram de novo o Ministério da Agricultura, que estava sendo esvaziado, porque Lula não gosta do agro, diz que o agro é fascista. Continua então os 17 ministérios.[esses ministérios esvaziados, fossem transformados em subsecretarias já estaria de bom tamanho.]
 

Zanin

Por fim, o registro de que o advogado de Lula foi indicado por Lula para o Supremo
Ele faz 10 anos que defende Lula de todas as acusações que o Lula tem recebido desde 2013. 
Ele era assistente do Batoque, que foi presidente da OAB, que foi deputado do PDT, a mulher dele é sócia dele num escritório de advocacia. Fica estranho, né? 
Ele não é o primeiro a ir para o Supremo com essas ligações familiares em escritório de advocacia. 
E ele tem 47 anos e agora é o Senado que sabatina e marca a votação em plenário. É estranho, porque ele vai continuar sendo advogado de Lula, entrando no Supremo. 
Advogado chega lá para defender uma causa, é da natureza dele ou defender os seus clientes. 
Por isso que eu insisto que o ideal seria juiz de direito, de carreira, depois de subir todos os degraus da carreira, em todas as instâncias, brilhando, aí sim ficar disponível entre os 11 mais antigos e mais brilhantes do Superior Tribunal de Justiça, que tem 33. Pode ser que um dia esse sonho seja realizado. E com mandato de 10 anos é seria conveniente.
 
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 


quinta-feira, 4 de maio de 2023

A hora do chá - Revista Oeste

No Brasil, essa aventura começou em 1808, com a vinda da Família Real portuguesa e a criação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Filhas de Boston, 
Dai preferência ao nosso chá Souchong. 
Comprai grande quantidade. 
Pois se assim não fizerdes, encantadoras meninas, 
Degolaremos vós todas, e incendiaremos a cidade.” 

Propaganda inglesa de chá aos súditos rebeldes − Século 18 

O chá disputa com o café a fama de ser a bebida mais consumida no mundo, depois da água. Dada a população da China, Índia e Ásia, o chá deve liderar. O Viaduto do Chá, em São Paulo, o Casarão do Chá, em Mogi das Cruzes, o KKKK (Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha), em Registro, e a Vista Chinesa, no Rio de Janeiro, são marcos na história do chá no Brasil. Após a fase de ouro no século passado, o cultivo e o consumo do chá diminuíram. Agora, voltaram a crescer produção, consumo, qualidade e sofisticação dos produtos. A bebida, de várias raízes culturais, oferece diversidade de aromas, sabores, preparos, louças e um objeto cujo nome evoca sua função: a chaleira. O serviço do chá é símbolo de acolhida e partilha. Take your time. Participe desta história, escrita aqui por portugueses, brasileiros, chineses e japoneses. 

O chá ou chá-da-Índia (Camellia sinensis), Theaceae, é nativo das florestas do nordeste da Índia, confins da China, Birmânia e Vietnã. Após hibernar, com a elevação da temperatura na primavera, surgem os brotos. As folhas tenras são colhidas para a produção de chá. Elas contêm enzimas oxidantes. Colhidas, adquirem cor escura. O chá preto resulta desse processo. No chá verde, as folhas são submetidas ao calor (desativa as enzimas, conserva a cor da clorofila e os componentes ativos) por torrefação (forno) ou cozimento (vapor), método peculiar do Japão. 

A origem da palavra chá é chinesa. Seu sinograma é 茶, vocalizado como tza ou tzai. As duas denominações, chá e tê, derivam do mesmo sinograma e existem em várias em línguas. Chá, em português, russo (tchai), grego (tshai), japonês (ochá), árabe (chai), hindu (chai), thai (cha), romeno (cai), ucraniano (chaj), croata (caj), checo (caj), turco (cay), somali (shaah) e, sobretudo, em mandarim (chá) e cantonês (chá). Te, em espanhol, francês (thé), italiano (te), alemão (der tee), holandês (thee), dinamarquês (te), sueco (te), finlandês (tee), norueguês (te), islandês (te), armênio (te), húngaro (tea), hebraico (teh), tamil (tea), indonésio (teh), zulu (itiyé) e, sobretudo, em singalês (thê). Em filipino, as palavras tê e chá se encontram (tsaa) e em polonês, nunca se viram: herbata. Nossa Senhora de Czestochowa! 

Existem três lendas sobre a origem do chá. Na versão chinesa, milhares de anos atrás, o lendário imperador Shennong fervia água sob o abrigo de uma árvore para saciar sua sede. Uma brisa agitou os galhos, soltou algumas folhas. Misturadas à água, deram-lhe cor e fragrância. O imperador provou e aprovou: nasceu o chá, 2737 a.C. Na versão indiana, o monge persa BodhiDharma decidiu pregar os preceitos de Buda na China. Para ser digno da missão, jurou não dormir durante nove anos. Só isso. Três anos sem dormir, ficou sonolento. Ia sucumbir ao sono quando colheu folhas de chá selvagem e as mordeu. As virtudes revigorantes fizeram efeito: Dharma animou-se. Viveu acordado os últimos seis anos da missão. Haja teína! Já na versão japonesa, BodhiDharma, exausto, dormiu durante suas devoções. Furioso com sua fraqueza, cortou suas pálpebras e as jogou no chão. Harakiri de pálpebras. Anos depois, suas pálpebras deram à luz um arbusto desconhecido. Ele provou as folhas e percebeu sua propriedade de manter seus olhos abertos. Daí o hábito de cultivar o chá por onde ele andou.

(...)

Após a Guerra, com a recuperação dos tradicionais fornecedores asiáticos, fazendas foram vendidas e fábricas fechadas. Aí, o chá de saquinho expandiu o consumo (praticidade), mesmo se as folhas quebradas reduzem a qualidade da bebida. A nova forma de infusão ajudou indústria e exportações até a década de 1990. O acúmulo de problemas econômicos e o pareamento do dólar causaram o declínio da produção. As fábricas no Ribeira encerraram atividades, com exceção da Amaya Chás. Uma década passou, e o chá ressurgiu. 

A busca de vida saudável e novos hábitos de consumo contribuíram. Hoje, variedades cultivadas, sistemas de produção, técnicas de colheita e pós-colheita ganharam muita sofisticação. Entre os principais fornecedores de chá estão: Amaya Chás, Sítio Shimada, Sítio Yamamaru e Yamamotoyama. Fundada no Japão, em 1620, a Yamamotoyama trouxe ao Brasil a variedade Yabukita de chá verde (日本), a mais difundida no Japão, e outras como Yutaka Midori e Asatsuyu. Com 200 hectares entre Araucária (PR) e São Miguel Arcanjo (SP), a empresa produz cerca de 800 toneladas (20% orgânicos). A maior parte é exportada ao Japão e aos Estados Unidos. 

Para o Sebrae e a Associação Brasileira do Chá, os chás brasileiros são de qualidade: verde, verde em pó, preto, branco, azul (oolong), vermelho (Pu-erh), semi e pós fermentados e blends (laranja, jasmim, chocolate, berries etc.), de produção orgânica, artesanal e industrial, nas mais diversas apresentações. Produtores e locais de cultivo aumentaram. Existem opções de acessórios (bules, canecas e garrafas com infusor, chaleiras, louças…), cursos (Escola de Chá Embahú), webinars, tea tours e livros. Um caminho é o mercado de produtos premium. O chá dividirá cada vez mais a cena com o café e outras bebidas. Pode anotar. De folha em folha, de xícara em xícara. 

 Jardim Botânico do Rio de Janeiro | Foto: Reproduão/Wikimedia Commons

Leia também “A soja fecha o verão e entra em seu lar”

Evaristo de Miranda, colunista - CONTEÚDO GRATUITO - Revista Oeste

 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Casadas com o poder (Última parte) - Augusto Nunes

Revista Oeste

Perto de Marisa Letícia, Janja parece tão discreta quanto uma rainha de bateria Rosemary Noronha, Janja da Silva e Marisa Letícia da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Reprodução/Shutterstock

 Rosemary Noronha, Janja da Silva e Marisa Letícia da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Reprodução/Shutterstock  
 
A expressão “primeira-dama” — com hífen, alertam os dicionários — nunca deu as caras em nenhum artigo, parágrafo ou inciso da Constituição, tampouco foi vista em qualquer organograma do Poder Executivo, fosse qual fosse o ocupante do gabinete no 3° andar do Palácio do Planalto. 
Oficialmente, dividir alcovas, palácios, alegrias ou tristezas com o presidente da República não é função legalmente remunerada, seja em espécie, seja em favores. 
Como ocorre com a first lady dos Estados Unidos, que teria servido de modelo para a versão brasileira, primeira-dama não é cargo; é título. Simples assim, certo? Errado: nada é assim tão simples nestes trêfegos trópicos.

Aqui, o que uma mulher do presidente da República faz ou deixa de fazer depende do temperamento, dos humores e das conveniências do marido. A exceção ficou por conta de Nair de Teffé, com quem Hermes da Fonseca se casou em 1913, logo depois da morte de Orsina da Fonseca. Viúvo de uma típica dona de casa, o sisudo presidente de 55 anos optou pelo avesso. Com apenas 24, a pintora e desenhista Nair invertia o prenome para publicar nos jornais caricaturas em que uma certa Rian zombava dos figurões da República Velha. Até janeiro deste ano, Hermes foi o único presidente a governar o país com duas diferentes primeiras-damas. Agora tem a companhia de Lula, que exerceu dois mandatos casado com Marisa Letícia e começou o terceiro como marido de Rosângela da Silva, a Janja.

O marechal Hermes e Nair, ao lado do cardeal Arcoverde, na escadaria do Palácio Rio Negro, em Petrópolis, depois do casamento religioso | Foto: Wikimedia Commons
O contraste entre a introvertida Orsina da Fonseca e a exuberante Nair de Teffé pode ser reeditado em escala portentosa. Comparada a Marisa Letícia, que em público não fez mais que meia dúzia de declarações, Janja parece tão retraída quanto uma rainha de bateria. Ao longo de 2003, por exemplo, Marisa tentou manter sob controle os movimentos do cônjuge. Instalada numa sala do Palácio do Planalto, entrava no gabinete presidencial assim que o sol se punha para pedir ao marido que chegasse mais cedo em casa. 
Alojada no Palácio da Alvorada, enfeitou o jardim com uma estrela vermelha feita de sálvias. Foi obrigada a desfazer a homenagem ao PT. Mais tarde, tentou mobiliar um sítio e um apartamento com donativos que o presidente em fim de mandato ganhou de empreiteiros agradecidos. Deu cadeia. 
Também sugeriu a indicação para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal do filho de uma vizinha chamado Ricardo Lewandowski. A Corte piorou. Perto do que Dilma Rousseff faria, são pecados veniais.
Nos primeiros quatro anos, Marisa não fez feio no campeonato brasileiro de milhagem a bordo do AeroLula. Mas baixou perigosamente a guarda quando, farta de visitas a países mais pobres que o Brasil, fez a opção preferencial por pousos e decolagens em países europeus bem mais charmosos. As rotas que levavam a grotões da África e da Ásia caíram no colo de uma viajante sempre disponível: Rosemary Noronha.  
Coisa de amadora, deve achar Janja. Aos 56 anos, em seu segundo casamento, a paranaense formada em Sociologia (com mestrado em militância no PT) tem ficado junto com Lula 25 horas por dia. Não quer deixar espaço para outra Rose Noronha.

Ao lado do presidente do Brasil, Janja cumprimentou os governantes estrangeiros com a pose de quem encabeçara uma chapa vitoriosa em que o marido havia figurado como vice

Sem paciência, ela já deixou claro que vai meter-se em tudo. Em vez de esperar a data da coroação, passou a encarnar o papel de primeira-dama um minuto depois de encerrada a apuração do segundo turno. Discursou no comício da vitória na Avenida Paulista, voou com Lula no jatinho que o levou ao Egito para um piquenique ambientalista, não pediu licença ao Gabinete de Transição para pendurar amigos no cabide de empregos do primeiro e segundo escalões, vistoriou minuciosamente o Palácio da Alvorada para saber como estava a célebre criação de Oscar Niemeyer e decidiu que não merecia abrigar o casal real. Precisava de reformas urgentes. Ela nunca se queixou do modesto espaço ocupado por Lula no prédio da Polícia Federal em Curitiba, e noivou na cadeia com a alegria de quem troca alianças numa catedral. Promovida a primeira-dama, parece bem mais exigente.

Janja forneceu uma notável amostra do que é capaz ao nomear-se presidente da comissão organizadora da festa de posse e preparar detalhadamente a espetaculosa aparição inaugural em rede nacional de rádio e televisão. 
Além do próprio traje, a dona da festa resolveu como seriam o ritual da subida da rampa do Planalto, a escolha das atrações artísticas, a triagem da lista de convidados, a decoração do local da solenidade, a entrega da faixa presidencial, o cardápio e a cesta de bebidas, fora o resto. 
Ao lado do presidente do Brasil, cumprimentou os governantes estrangeiros com a pose de quem encabeçara uma chapa vitoriosa em que o marido havia figurado como vice. Não é pouca coisa. Mas era só o começo, demonstrariam as semanas seguintes.
Presenteada com um gabinete no palácio, raramente é vista por lá. Para encontrá-la, deve-se descobrir onde Lula está. Janja estará ao lado. Depois da posse, acompanhou o marido nas viagens à Rússia, à Argentina, ao Uruguai e aos Estados Unidos. Em Washington, permaneceu grudada ao parceiro até na hora da clássica foto em que o presidente anfitrião e o visitante trocam um aperto de mãos. Estranhamente, não compareceu ao ato festivo que celebrou o aniversário do PT. 
 
[mais uma foto mostrando o bom entendimento entre o casal presidencial e o anfitrião.]
 
Solteiro, Lula derramou-se em elogios e gestos carinhosos endereçados à presidente do partido, Gleisi Hoffmann. No dia seguinte, Janja vingou-se: em vez de acompanhar o marido num jantar de gala da companheirada, fez Lula acompanhá-la numa segunda lua de mel na Bahia.
Luiz Inácio Lula da Silva, Janja e Joe Biden na Casa Branca, 
Washington | Foto: Ricardo Stuckert/PR
O namoro no Carnaval em Salvador foi interrompido por algumas horas para que o chefe de governo visitasse por um punhado de horas o Litoral Norte de São Paulo, atingido por temporais devastadores. Janja avisou no Twitter que estava muito triste com o calvário das vítimas. O semblante exibido em dezenas de fotos desmentiu aos gritos o que a primeira-dama escreveu. 
Mas é compreensível o estado de euforia em que vive a mulher que, por anos a fio, lutou com método e bravura para transformar-se na terceira esposa de Lula, na segunda autorizada a usar o título de primeira-dama e na única poupada — até agora — de dividir o cargo com uma segunda dama. 
Enquanto o objeto do desejo esteve preso, Janja perdeu a conta das saudações (“Bom dia, presidente”, “Boa noite, presidente”) que berrava diariamente nas imediações da cadeia para animar a celebridade engaiolada. Isso antes de começarem as visitas ao prisioneiro que abreviaram o namoro, o noivado e o casamento.
 
Lula e Janja trocam frequentes juras de amor, mas é bastante provável que a atual primeira-dama seja assombrada pelo fantasma de Rosemary Noronha. Entre 2004 e 2012, a secretária que José Dirceu apresentou a Lula num bailão do sindicato dos bancários chefiou o escritório da Presidência da República em São Paulo. 
Nesse período, foi incluída na comitiva chefiada por Lula em 20 viagens internacionais e passeou por mais de 30 países. Rose só viajava quando Marisa avisava que preferia ficar em casa. Como seu nome fica fora da lista de passageiros publicada no Diário Oficial, a segunda dama do Brasil talvez se tenha transformado na clandestina com mais horas de voo desde a invenção ao avião.
O expediente aéreo da penetra de estimação começava quando anoitecia. Risonha, as ancas que exigiam poltronas largas balançavam em direção ao dormitório presidencial — e só depois do café da manhã regressavam ao seu lugar na traseira do AeroLula. 
Em terra, seguia a programação oficial com a expressão de quem ignora se está no litoral do Caribe ou num deserto africano. Terminado o jantar, o casal rumava para duas suítes sempre contíguas do hotel 5 estrelas. No solo ou nos céus, as missões cumpridas por Rose consistiam, essencialmente, em garantir que Lula acordasse com a expressão de quem passara a noite tripulando flocos de nuvens extraordinariamente azuis.
 
A farra acabou quando a Polícia Federal descobriu que Rose usava essas relações especiais para conseguir favores — de ingressos para shows de Roberto Carlos à nomeação de amigos vigaristas para a direção de agências reguladoras, passando por outras modalidades de tráfico de influência
Escapou de uma temporada na cadeia graças ao bando de advogados contratados para defendê-la pelo Instituto Lula. 
 
Ela conta com voz magoada que nunca mais conversou com o presidente. Sorri quando lembra que a coisa esquentou às vésperas do segundo mandato, quando Lula começou a escoltar com uma bravata qualquer menção à idade e à possível candidatura à reeleição. “Por que não disputar de novo? Tenho 57 anos e tesão de 30.” Ele já anda falando em mais um mandato. Aos 77, jura que a libido segue estacionada nos 30. Como não foi incluído no inquérito das fake news, Janja que se cuide.
Por acreditar em pesquisas, ficou feliz ao saber que uma lojinha de porcentagens jura que 41% dos brasileiros aprovam seu desempenho. Em qual papel? Em que situação? Fazendo o quê?  
Discursando num palanque? 
 Balbuciando um gracias em Buenos Aires ou um thank you em Washington?
Isso ninguém sabe. O que se sabe é que a política não costuma ser gentil com primeiras-damas. E trata com especial crueldade quem entra com mais de 50 anos num mundo que se deve começar a conhecer ainda nos tempos do berçário.
Rosemary Noronha | Foto: Reprodução/YouTube

Leia também “Casadas com o poder (Primeira parte)”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Mais boi, menos pasto e mais picanha - Evaristo de Miranda

Revista Oeste

Como já é na agricultura, a pecuária tropical do Brasil ainda se tornará exemplo planetário de eficiência e sustentabilidade 

Gado nelore | Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock

Gado nelore | Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock

O boi é responsável pela falta de picanha no churrasco de domingo? Não. Em 2021, o rebanho bovino do Brasil chegou ao recorde de 224,6 milhões de cabeças, um crescimento de 3,1% com relação a 2020. São dados divulgados recentemente pela Pesquisa da Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o maior rebanho já registrado na série histórica do IBGE. Supera o recorde de 218,2 milhões de cabeças de 2016. Há muita desinformação sobre a pecuária, quase sempre acusada de ser um problema ambiental e até social.

O aumento do número de bovinos nem sempre é boa notícia. Pode resultar de problemas no mercado e na produção. Entre 2020 e 2021 houve retenção de fêmeas pelos pecuaristas para a produção de bezerros. Impactos dos lockdowns da pandemia na perda de renda da população, aumento de preços na carne bovina para o consumidor e boicote temporário da China à carne brasileira, entre outros fatores, levaram à queda no abate de bovinos.

Em tom de boutade, parte da mídia destacou o fato de o país ter um número de bois e vacas superior ao de pessoas. Mas outras comparações também são possíveis. O rebanho de vacas produz leite. O IBGE estimou em 35,3 bilhões de litros a produção em 2021
Ela cresceu 13% no Nordeste, onde chegou a 5,5 bilhões de litros. 
Pode-se comparar essa produção de alimento nobre, leite, com a de etanol combustível, na linha alimento x energia. 
Em 2021, a produção de etanol foi de cerca de 27 bilhões de litros contra 35 bilhões de leite. A produção de leite cresce e segue bem superior à do etanol.
Unidade de ordenha | Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock

Os indicadores mais relevantes para compreender a pecuária nacional são seus ganhos em produtividade, rentabilidade e sustentabilidade. Segundo estudos da consultoria Athenagro, em 32 anos, o rebanho bovino aumentou 13%, enquanto a produção de carne cresceu 108%! A produtividade foi ampliada em 147% no período, mesmo com uma redução de 16% na área das pastagens. Menos pastos, mais bois e muito mais carne.

Há décadas, o país assiste a uma redução constante na área das pastagens e ao aumento de seu rebanho. Isso indica claramente ganhos de produtividade nas pastagens: novas variedades de capins; pastos bem manejados e mais produtivos; com maior qualidade nutricional e mais resistentes a seca, cigarrinhas e outras pragas. E suplementação mineral e proteica propiciada a pasto pelos pecuaristas. Há cada vez menos pastagens degradadas. Ainda há muito por fazer, mas a dinâmica é a da intensificação no uso dos pastos.

Os ganhos de produtividade nos sistemas de criação e manejo decorrem do uso de tecnologias modernas: melhoramento genético dos rebanhos; cuidados veterinários e garantias da boa saúde animal; atenção ao conforto e ao bem-estar animal; complementações nutricionais adequadas ao ganho de peso; confinamentos etc. Como já é na agricultura, a pecuária tropical do Brasil ainda se tornará exemplo planetário de eficiência e sustentabilidade.

Nos rebanhos, a eficiência produtiva e a reprodutiva caminham juntas. Há décadas, a Embrapa e outras instituições desenvolvem técnicas para melhorar o manejo reprodutivo dos bovinos de corte para pequenos e grandes produtores.  
Os pecuaristas praticam sistemas de produção capazes de aumentar o número de bezerros nascidos por ano e a vida útil de suas vacas. 
E administram de forma eficiente o intervalo de partos. 
Inovações constantes aumentam a produtividade na pecuária, com redução da mortalidade, diminuição do número e do tempo de vacas secas nos rebanhos e crescimento da natalidade e do ganho de peso em bovinos de corte.
Fazenda de gado confinado na Amazônia, Pará 
| Foto: Paralaxis/Shutterstock

O gado fica pronto para o abate em tempo cada vez menor. A redução da idade ao abate não compromete a qualidade da carne, nem o peso dos animais. Os pecuaristas cuidam até da alimentação intrauterina dos bezerros. Garantir sua gestação nas melhores condições resulta, já no nascimento, em animais de peso adequado. Quando a vaca prenha é bem nutrida, o terneiro em seu ventre também o é. Para um bovino com 24 meses seguir para o abate, ele deve pesar mais de 450 quilos. A redução da idade ao abate melhora os índices de aproveitamento dos rebanhos em até 25%, com menos emissões de gases de efeito estufa por quilo de carne produzida e custos inferiores. Esses são os dados decisivos sobre modernização da pecuária.

Além dos ganhos em produtividade, a pecuária tem características históricas de sustentabilidade. Desde o início do povoamento europeu, os portugueses introduziram a pecuária em biomas propícios e pouco adequados à agricultura. Foi assim na pampa, caatinga, Pantanal, várzeas e campos inundáveis da Amazônia, serras e montanhas.  
A pecuária cresceu em locais inaptos à agricultura devido à topografia acentuada, aos tipos de solos pedregosos ou regularmente inundados e ao clima (escassez de água e períodos secos muito pronunciados)
Em áreas marginais para a produção de alimentos, onde não se podem cultivar grãos, cana-de-açúcar, frutas ou praticar agricultura mecanizada, os ruminantes fazem o milagre de transformar capim em leite e carne, proteínas nobres. E sem subutilizar as pastagens, algo tão problemático quanto degradá-las por uso excessivo.

Não faltam bois, nem vacas, e tem faltado carne. Com o aumento do preço da carne bovina no mercado nacional e internacional e a perda de empregos e renda da população durante a pandemia, houve diminuição no consumo per capita entre 2019 e 2022. Os preços das carnes suína e de frango ao consumidor aumentaram cerca de 45% e 55%, respectivamente. O preço da carne bovina (considerados todos os cortes) subiu 72%. De acordo com o IBGE, a queda foi de 5,2 quilos de carne bovina/ano para cada brasileiro.

Diante desse quadro, algumas lideranças políticas sugeriram reduzir as exportações de carne para aumentar a oferta no mercado interno e baixar os preços. O raciocínio não é novo, nem original. Essa proposta simplista ignora a dinâmica do mercado e da produção bovina. E pode ser trágica.

O país exporta cerca de 25% da carne produzida. Restringir as exportações traria, no curto prazo, maior oferta no mercado interno e redução nos preços aos consumidores. Por quanto tempo? Quais seriam os impactos para a economia e os consumidores no médio e longo prazo? Propostas de limitar as exportações de carne resultariam num cenário prejudicial a todos. Foi assim na Argentina.

Em março de 2006, para controlar a inflação no mercado interno, o governo argentino anunciou restrições às exportações de carne bovina. O mercado estava em alta sobretudo pela ocorrência da gripe aviária na Ásia. Com o recuo de quase 25% nas exportações anuais, os argentinos tiveram um curto período de maior oferta. A disponibilidade de carne bovina subiu da média de 63 quilos para 67 quilos/pessoa/ano.

Logo ocorreu uma reversão no processo, dada a queda no interesse dos pecuaristas de produzir com perda de renda. Os rebanhos diminuíram. Os preços voltaram a subir. De 2010 em diante, a disponibilidade per capita de carne bovina nunca mais voltou aos patamares anteriores. E cai a cada ano. Hoje, a quantidade de carne bovina disponível ao consumo por argentino é de 47,8 kg/ano, quase 25% abaixo do disponível antes da decisão de 2006 e a menor em 100 anos! O rebanho per capita também está no menor valor histórico: 1,1 bovinos por habitante contra o máximo de 2,3 em 1977.

Os argentinos foram vítimas dessa proposta imediatista e irresponsável. Uma questão pontual, passível de ser resolvida em poucos anos, pelo investimento privado em mais produção, transformou-se em um grave problema. E levará décadas para ser solucionado. Aqui, tal medida depreciaria o patrimônio de quase todos os pecuaristas. E a carne bovina não está apenas em grandes fazendas. Cerca de 70% da produção vem de pequenos e médios produtores.

No Brasil, essa sugestão demagógica é contestada por um exemplo inverso. Após a queda da oferta global de proteínas, as exportações nacionais de carne suína aumentaram quase 60% entre 2018 e 2020. O crescimento nos preços estimulou a produção. Entre 2018 e 2021, o volume anual produzido aumentou duas vezes com relação ao total exportado. Nos últimos dois anos, a disponibilidade de carne suína foi a maior dos cinco anos anteriores.

O ciclo da produção bovina é muito mais longo. Em 2022, espera-se um aumento de 5% a 8% na produção. A disponibilidade crescerá ainda mais a partir de 2023. Restringir as exportações quebraria o estímulo ao aumento consistente da oferta. Reduziria empregos no campo, bem como a renda gerada a partir de fazendas, empresas e negócios relacionados à produção de carne. Impedir ou taxar exportações nunca garantiu picanha no churrasco. É conversa de burro, para boi dormir.

Leia também “O agro, o mercado e o supermercado”

Evaristo de Miranda, colunista - Revista Oeste 

 

 

domingo, 29 de maio de 2022

O enigma brasileiro - Alon Feuerwerker

Análise Política

A dissolução e o desmembramento da União Soviética abriram um período de hegemonia da globalização. Não apenas no terreno econômico, mas também na geopolítica e na ideologia. Mesmo a esquerda, que nos anos 1990 e na virada do século ainda se batia contra a tendência, transitou em anos recentes, em sua maioria, para a defesa de uma “globalização benigna”, fundada nas causas ambientais, identitárias e numa justiça social sem rupturas.

Esse período vai, pouco a pouco, mostrando seu esgotamento. Num planeta interconectado em que os países busquem cada um livremente desenvolver-se, será irreversível que o eixo da hegemonia econômica se desloque rumo à Ásia. A razão deve ser buscada na aritmética. Sem contar os demais países asiáticos, China e Índia, juntas, têm população que corresponde a quase quatro vezes a soma dos habitantes dos Estados Unidos e da União Europeia.

O otimismo ocidental com a globalização impulsionada a partir dos anos 90 do século passado supunha que a absorção das grandes economias asiáticas pelo mercado global comercial e financeiro, China e Índia à frente, acabaria por consolidar a hegemonia do Ocidente político. Aconteceu o contrário, e hoje este sabe que o desenvolvimento pacífico do planeta projeta um mundo em que norte-americanos e europeus não mais darão as cartas sozinhos.

Essa conclusão óbvia está na base das tensões e conflitos planetários mais relevantes e acaba de ser abertamente manifestada num pronunciamento oficial do Departamento de Estado dos EUA, a que a política exterior da UE aparentemente decidiu acoplar-se acriticamente, talvez com alguma resistência, como é tradicional, da França. A nova política do Ocidente é desglobalizante, buscando enfraquecer polos potencialmente ameaçadores à hegemonia.

Toda essa introdução é para informar que o Brasil está diante de um enigma, um problema, na acepção matemática.   
Somos um país do Ocidente geográfico e político (agora que o conceito de Terceiro Mundo parece algo enfraquecido), mas na esfera da economia a inércia nos empurra a estreitar relações com o Oriente geográfico e político, este definido pelos países que EUA e UE consideram ameaçadores a sua liderança.

Não é à toa que, por enquanto, as manifestações sobre a guerra na Ucrânia vindas dos aspirantes à Presidência com expectativa real de poder a partir de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro, tragam alguma superposição. Restou aos demais a “photo-op”, alinhar-se à narrativa dominante para aproveitar a janela de oportunidade. Mas o problema colocado pela vida real é mais complexo. Como equilibrar-se no arame sem cair ou ser derrubado?

O crescimento econômico do Brasil está ligado às exportações de commodities e aos investimentos em infraestrutura. No momento, nossos mercados mais ativos não estão nos EUA e na UE, mas no Oriente, especialmente na China
E não há sinal de que isso vá mudar no curto prazo. 
Mas está nítido que o Ocidente político pretende tratar como adversários todos aqueles que não se alinharem a sua Guerra Fria 2.0. [comentando: só que o Ocidente político começa a encontrar dificuldades já que a guerra que estimulou -  para os ucranianos guerrearem, que por sua vez esperavam que seus aliados de palanque fizessem o trabalho pesado para eles - não está resultados tão favoráveis, quanto o Ocidente político esperava.]
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

quarta-feira, 25 de maio de 2022

O Pacto Sinistro - Tudo tem um preço, e nem sempre a relação custo-benefício é favorável - VOZES

Daniel Lopez

No último dia 19, durante um evento chamado "Perspectivas Econômicas do Brasil", o ministro Paulo Guedes fez um interessante resumo sobre a mudança da posição do Brasil no cenário geopolítico internacional. Mudança esta que abre caminho para uma oportunidade ímpar, mas que também traz preocupações relevantes.
 

Quando o antigo inimigo propõe uma parceria, precisamos manter os olhos bem abertos
Quando o antigo inimigo propõe uma parceria, precisamos manter os olhos bem abertos
Quando o antigo inimigo propõe uma parceria, precisamos manter os olhos bem abertos

Quando o antigo inimigo propõe uma parceria, precisamos manter os olhos bem abertos -  Foto: The New York Times/ Pete Marovich/ Reprodução

O ministrou lembrou que, no momento mais crítico da crise sanitária, houve uma interrupção das cadeias produtivas internacionais, o que comprometeu severamente as linhas de fornecimento. Porém, quando a economia mundial começou a se reerguer, e um fio de esperança crescia, teve início a Guerra na Ucrânia. Sendo Kiev importante produtor de grãos e fertilizantes, e Moscou o fornecedor de energia para toda a Europa, a consequência imediata foi o drástico aumento de preços, com destaque para alimentos e energia, não apenas na Europa, mas no mundo inteiro. A crise tornou-se mais aguda e a ruptura das cadeias globais se aprofundou. Tudo mudou, uma vez que agora não se tratava mais de uma questão sanitária, mas geopolítica.

Diante do caótico cenário, os americanos finalmente entenderam os riscos de manter sua produção industrial na Ásia. Isso porque, diante de eventuais crises, a China sempre poderia fechar o Pacífico Sul e deixar o mundo sem os produtos mais indispensáveis para a indústria, como é o caso dos semicondutores, tão importantes para a área de telecomunicações e para o setor automobilístico.

A guinada de um problema sanitário para outro de natureza geopolítica aprofundou definitivamente a ruptura das cadeias globais. Mas a grande mudança é que, provavelmente, elas não serão reconstruídas nos mesmos eixos. As potências ocidentais perceberam que não podem mais depender da produção eurasiana de alimentos, energia e componentes industriais.

É neste momento que o Brasil muda de posição no cenário internacional. Antes éramos, aos olhos dos estrangeiros, um mero concorrente, que deveria ser retirado do jogo por meio da acusação de não cuidar de nossas florestas. Agora, entretanto, eles começam a redescobrir o Brasil, que passou a ser visto como a solução para os desafios esperados para os próximos anos.

Entretanto, tudo tem um preço. Para o Brasil ser aceito na elite do comércio internacional, será necessário adequar-se a algumas pesadas exigências. Entre elas, seguir o padrão ESG, a tão debatida “governança ambiental, social e corporativa”. Com esse objetivo em mente, o Brasil montou, por exemplo, o seu Green Growth Program, com investimentos na casa de 1 bilhão de dólares, para redesenhar as estratégias ambientas e criar um grande eixo verde. Enviamos também representantes a Glasgow, na COP26, para anunciar ao mundo nossos avanços e projetos.

Mês passado, Paulo Guedes esteve na OCDE. E eles pediram o apoio do Brasil para contornar a as crises alimentícia e energética globais. O ministro respondeu: “Nos ajudem a ajudá-los. Nós temos alimentos. Mas vocês estão protegendo a OCDE, e a França continua usando o argumento que nós estamos destruindo florestas com o intuito de atrapalhar nossa inserção no mercado internacional”.  
Vale lembrar que o argumento é sempre muito incoerente, quando você percebe que, na verdade, o fluxo de emissão de poluição global parte 30% da China, 15% dos Estados Unidos e 14% da Europa. Enquanto isso, o Brasil, responsável por apenas 1,7% das emissões globais de poluentes, é colocado como o grande vilão climático global.

É obviamente importante acabar com o desmatamento ilegal e com o desflorestamento. Mas o Brasil já tem mostrado serviço, e se comprometido com metas neste sentido. Somos uma potência verde, com a matriz energética mais limpa do mundo. E as potencias globais estão começando a enxergar isso.

Neste sentido, o Brasil está desenhando com a OCDE três pilares de um compromisso verde: tributar a poluição, premiar inovações, mas também recompensar a preservação de recursos naturais. Para entrar no mercado internacional, estamos dançando conforme a música da causa verde. Espero que o esforço seja válido. Que não seja mais uma cilada de nossos concorrentes, um caminho para aumentar a ingerência internacional sobre nossos recursos, e principalmente, sobre a Amazônia.

Da mesma forma que os europeus mudaram o tratamento em relação ao Brasil, os americanos também estão seguindo nessa linha. Eles precisam agir rapidamente para garantir sua segurança alimentar e energética.  
É por isso que temos, agora, a impressão de haver uma boa vontade em relação ao Brasil da parte dos líderes de algumas das instituições mais poderosas do mundo, como a presidente da OMC, o presidente da OCDE e a secretária do tesouro americano. 
Parece haver um desejo real de que possamos integrar a OCDE. Pelo menos, estamos bem à frente da maioria dos países disputando uma vaga no grupo.
 
Se entramos, muitas portas poderão ser abertas. Há a possibilidade de estabelecer acordos com a União Europeia e acessar o gigante mercado europeu. Eles sabem que Brasil e a Argentina possuem, juntos, uma produção suficiente para auxiliar a Europa na busca pela tão sonhada segurança alimentar. 
O problema é que, durante décadas, eles preteriram o Brasil no cenário internacional. 
Desde a rodada de Doha, que aconteceu entre 2001 e 2008, os europeus se fecharam para nossos produtos.

Agora, contudo, o cenário mudou por completo, quando entenderam que o Brasil pode ser uma das poucas nações capazes de suprir o mundo. O Brasil está aberto, num momento em que todos estão se fechando. Por isso, nos tornamos uma das maiores promessas de investimentos para os próximos anos. Durante a crise sanitária, as reformas dos marcos regulatórios abriram uma série de frentes para o capital estrangeiro, seja nas telecomunicações, eletricidade, gás natural, saneamento, lei de falência e navegação de cabotagem.

Todos esses fatos, quando vistos em conjunto, transformam o Brasil na maior promessa para os próximos anos. Isso exatamente quando as potências globais estão procurando onde investir para garantir sua segurança alimentar e energética.

Fico na torcida para que não sejamos mais uma vez iludidos por essas instituições que sempre prejudicaram o Brasil no cenário internacional. Seria a cartilha do Novo Acordo Verde apenas uma estratégia para manter as nações mais promissoras sob tutela estrangeira? Como fica a Amazônia nisso tudo? Difícil saber agora. Só o tempo dirá se o pacto será uma grande oportunidade ou mais uma cilada dos abutres de primeira hora.

Daniel Lopez, - Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador' - Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Invasão da Ucrânia pode dar início a nova ordem entre Ocidente e Oriente - Folha de S.Paulo

Está na cabeça de todo o mundo. Como Vladimir Putin simplesmente ignora telefonemas e visitas de representantes das nações mais ricas da União Europeia e dos Estados Unidos e faz uma invasão por terra, mar e ar na Ucrânia, nitidamente premeditada pelo enorme nível de coordenação?

Por semanas, ele deixou claro que não quer entregá-la bovinamente à Otan, abrindo flanco para a instalação de mísseis na cola da fronteira russa. Mas também está claro que sua ação tem um simbolismo maior, pelo nível de desprezo que demonstra em relação a outros chefes de Estado.

Há indícios de que o Ocidente fraqueja, e como não há vácuo de poder, o Oriente avança pelas brechas. Putin dá sinais de que se preparou para este momento mais tenso, inclusive prevendo quais seriam os limites das sanções econômicas sobre a Rússia, o principal instrumento de reação. Suas aparentes calma e segurança viriam do fato de que boa parte das peças de seu jogo de xadrez bélico estão bem posicionadas em outro tabuleiro, os mercados de commodities.

Mesmo comandando uma economia com brilho menor, o governo russo fez apostas em produtos-chave, e a globalização tratou de criar interdependências miúdas, tão difíceis de desatar como nó de correntinha fina. Alguns exemplos. A Rússia tem grandes reservas de carvão e petróleo e é o maior produtor de gás do mundo. Muito se repetiu que quase 40% do gás consumido na Europa é russo. Agora vai ficando claro que não há fornecedores alternativos à altura da demanda europeia.

Na terça-feira (22), circulou nas agências internacionais a declaração de um executivo da indústria no Catar avisando que não há no mercado volume suficiente de GNL, gás natural liquefeito, para cobrir o eventual cancelamento de contratos de europeus com os russos.Muitos colocam dinheiro na mesa para apostar que a retaliação alemã, de suspender a licença do gasoduto Nord Stream 2, que levará gás russo ao país, não dura até o fim do outono.

A Rússia também é um importante produtor de cevada, aveia, centeio e principalmente de trigo, item básico de alimentação. Nos últimos anos, se tornou o maior exportador de trigo do mundo, e controla 20% do abastecimento global. Enquanto os analistas falam da perda de prestígio de Putin, os preços dos principais produtos russos ganham valor. O preço do barril de petróleo já passa de US$ 100 e o trigo acumula alta de 17% em uma semana.

Colocando um pouco de Brasil na discussão é preciso lembrar que Rússia é um fabricante tão expressivo de adubos e fertilizantes que nada mesmo de 62% das importações brasileiras daquele país estão concentradas nesses produtos. Outra fatia importante desses itens vem de Belarus, um aliado na guerra da Ucrânia. Como ficar sem?

Há outra questão. Apesar de os principais países terem condenado a ofensiva na Ucrânia, a China segue sem condenar Putin, com representantes do alto escalão emitindo manifestações dúbias. Representantes da diplomacia chinesa já fizeram ponderações sobre a relação da Rússia com a Ucrânia e as repúblicas separatistas.

Não tem segredo aí. Se a China condenar a Rússia vai complicar suas exigências em relação a Taiwan. Na quarta-feira (23), o ministro das Relações Exteriores chinês chegou a declarar que Taiwan não é Ucrânia porque sempre foi parte inalienável da China.Faz um tempo que os dois países caminham juntos na economia. O principal parceiro comercial da Rússia --de longe-- é a China, e vice-versa. Minério e um volume gigante de petróleo vão para a China, que vende para a Rússia muito maquinário e eletroeletrônicos.

Entre os dois países estão em construção redes de gasodutos que prometem mudar o equilíbrio da oferta do produto no mercado global.No início de fevereiro, quando a crise da Ucrânia já estava em curso, a parceria escalou. Putin foi a Pequim para participar da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno.

Num claro recado ao Ocidente, especialmente aos Estados Unidos, ele e o presidente chinês Xi Jinping anunciaram um acordo "sem limites" nas áreas econômica e política. Essa aproximação consolida a organização de um poderoso bloco na banda oriental do mundo, liderado pela China, que vai escanteando as potências ocidentais.

No meio da pandemia, em novembro de 2020, enquanto o então presidente Donald Trump travava a guerra comercial contra a China, o gigante asiático e 14 países do Pacífico fecharam o maior acordo comercial do mundo. Chamado de Parceria Econômica Regional Abrangente, o bloco reúne 2,2 bilhões de consumidores e um terço do PIB global.

Ao mesmo tempo, a China mantém a construção da Nova Rota da Seda, megaobra de infraestrutura que liga Oriente Médio, Ásia, África e Europa, atravessando áreas que eram de influência da ex-União Soviética.

Todos esses movimentos, colocaram os dois países, que já foram os maiores impérios ao leste, de costas para o Oeste. Putin, em sua invasão da Ucrânia, fez um movimento mais ousado e novo, confrontou o Ocidente --aqui, entendido como o grupo desenvolvido dessa parte do mundo, Europa e Estados Unidos.

Sim, tudo indica que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pode ter razão. Há sinais de que Putin trabalha para reconstruir a antiga União Soviética. E a lacônica China quer o quê? 

Alexa Salomão - Folha de S. Paulo  

 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Covid-19: Os sinais no Brasil e no mundo de que a pandemia está a caminho do fim - VEJA- Saúde

No exterior, cidades derrubam as restrições. No Brasil, o número de casos cai. Depois de dois anos, o pesadelo começa a terminar

ÚLTIMA FRONTEIRA - Crianças: a proteção do público de 5 a 11 anos contribui para impedir o surgimento de variantes -

 ÚLTIMA FRONTEIRA - Crianças: a proteção do público de 5 a 11 anos contribui para impedir o surgimento de variantes - Fabiano Rocha/Agência O  Globo
Depois de dois anos de medo e tristeza, de quarentenas e confinamentos, há ótimos e luminosos motivos para alívio.  
Na terça-feira 15, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou pela segunda vez neste ano uma queda no número de novos casos de Covid-19 no mundo. 
No período de 7 e 13 de fevereiro, houve uma redução de 19% em comparação ao total registrado nos sete dias passados. 
No sul da Ásia, o decréscimo foi de 37%; nas Américas, 32%; na África, 30%; na Europa, 16%; e no leste do Mediterrâneo, 12%. 
 
No boletim anterior, a organização contabilizara diminuição de 17% no número de novos infectados. No Brasil, a semana também foi de boas notícias. Também na terça 15, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou que, pela primeira vez em 2022, a taxa de ocupação dos leitos de UTI destinados a pacientes adultos com Covid-19 apontou melhora nos índices. Das nove unidades federativas que na semana passada estavam com nível de ocupação igual ou superior a 80%, considerado crítico, apenas quatro permaneciam nesse patamar. Um dia antes, a média móvel de novos casos registrou a maior queda em um mês e meio, cravando quatro dias seguidos de declínio.
 
 
 Os indicadores demonstram que a ômicron, a mais transmissível das variantes do coronavírus, está perdendo fôlego depois de assustar o planeta de novembro de 2021 até agora, fazendo explodir o total de novas infecções. Uma boa medida da desaceleração é o decréscimo no Brasil nos índices de transmissibilidade do vírus. A taxa é o termômetro que afere a velocidade de propagação da doença. No dia 25 de janeiro deste ano, ela estava em 1,78, segundo o Imperial College of London. Isso significava dizer que, naquele momento, 100 pessoas infectadas poderiam contaminar outras 178. Seis dias depois, o índice caiu para 1,69 e na quarta-feira 16 marcava 1,22. Ainda é alto, convém prestar atenção — o ideal é que fique abaixo de 1 —, mas a tendência é claramente de redução no ritmo de transmissão. Dados do Instituto Todos pela Saúde revelaram, ainda, que o volume de testes positivos para Covid-19 caiu de 67% para 51% entre os dias 22 de janeiro e 12 fevereiro.
 
 
 
 
 
(...)
 
A reunião das três circunstâncias — vacinas, vírus menos letal e grande número de pessoas imunizadas — cria o que estudiosos da Fiocruz consideram uma “janela de oportunidade”. Para os especialistas, o cenário atual poderia promover inclusive um bloqueio temporário de transmissão do vírus no país. Margareth Portela, cientista da instituição, entende que a mudança do status do vírus de pandêmico para endêmico — permanece em circulação, mas sem causar perturbações nas atividades — não demora. “Deve ocorrer dentro de alguns meses”, diz, ressaltando que se trata de um prognóstico, não de uma certeza. O americano Christopher Murray, ao contrário, foi categórico em seu artigo na The Lancet. Ele escreveu: “A Covid-19 se tornará outra doença recorrente com a qual as sociedades terão de lidar (…) A era de medidas extraordinárias tomadas para controlar a transmissão do SARS-­CoV-2 vai acabar. Depois da onda ômicron, a Covid-19 vai retornar, mas a pandemia não”.
 
(...)
 
 
 
É a primeira vez, desde março de 2020, quando a OMS decretou a pandemia, que o mundo vive um período aparentemente mais calmo e de futuro inexorável. Houve outros momentos de esperança, encerrados pelo surgimento de variantes mais agressivas. Agora, tudo indica, é diferente. Como mostra a história de outras pandemias, há um momento na trajetória dessas crises sanitárias afeito a indicar um ponto de inflexão a caminho do fim. É o que parece estarmos vivendo neste começo de 2022. “Este contexto, que até agora não havíamos visto nesta pandemia, nos dá a possibilidade de um longo período de tranquilidade”, afirmou Hans Kluge, diretor da OMS para a Europa, no início do mês. “É uma trégua que pode trazer uma paz duradoura”, acrescentou o médico belga. Em outras palavras, a situação atual permite afirmar que a pandemia está no início do fim.

 (...)


 
(...)

Pelo menos três condições são indispensáveis para o término de catástrofes provocadas por vírus: a existência de vacinas, a transformação natural do agente causador em direção a versões menos letais e a grande quantidade de pessoas naturalmente imunizadas, por terem contraído a doença. O mundo dispõe hoje das três premissas. A ômicron, reafirme-se, é mais contagiosa, mas menos agressiva. As derivações do vírus que provocou a primeira onda, em 2020, até a variante hoje prevalente, mais amena, fazem parte do processo de seleção natural. “Vírus precisam de um hospedeiro para replicar seu material genético, não querem matar”, explica o infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria. Logo, prevalecem as cepas com alto poder de infecção, porém com baixa capacidade de provocar doenças graves e mortes. Esse mesmo poder de transmissibilidade expandiu o total de pessoas expostas, o que aumentou a parcela de indivíduos que naturalmente produziram anticorpos contra o SARS-­CoV-2. “O nível de infecções sem precedentes sugere que mais da metade da população mundial terá sido contaminada pela ômicron entre novembro de 2021 e março de 2022”, escreveu em artigo publicado há um mês na revista The Lancet o médico Christopher Murray, especialista em métricas da saúde da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.


(...)

Depois de tanto tempo, a volta à vida como era antes ainda produz alguma ansiedade. “Acho arriscado essa de já não ter restrição e voltarmos ao modo como se vivia em 2019”, diz Vitor Mori, pesquisador na Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, e membro do Observatório Covid-19 BR, que reúne especialistas voluntários para monitorar o surto. De fato, o momento pede alguma cautela para que a transição da pandemia para a endemia se dê de forma consistente, até para não corrermos o risco de voltar três casas nesse jogo nada divertido. Mas o caminho parece ser inexorável. Depois de dois anos, os sinais de uma melhora global estão finalmente no horizonte. A tragédia que marcou nossa geração, matando mais de 5,8 milhões de pessoas, acabará. Mas será muito importante lembrar para sempre como isso aconteceu: graças à ciência, com destaque para a vacina, e a todos aqueles que a defenderam.

Em Saúde - VEJA - MATÉRIA COMPLETA

Publicado em VEJA, edição nº 2777 de 23 de fevereiro de 2022