Na Câmara, o elenco de passageiros do Código Penal é amplo. Dos oito presidentes da Casa nos últimos 13 anos, cinco estão ou estiveram nessa categoria
A posição da maioria dos ministros do
Supremo Tribunal Federal de proibir que réus em ações penais ocupem a
Presidência da República em substituição ao titular e/ou ao vice vai
muito além do hipotético efeito imediato sobre Renan Calheiros, atual
presidente do Senado, e os presidentes da Câmara e do STF, um dos
possíveis ocupantes temporários da chefia da Nação.
A
decisão é da maior relevância, pois forçosamente mudará a dinâmica da
escolha do comando no Congresso. A menos que suas excelências queiram
correr o risco de passar de novo pelo episódio do afastamento de um
presidente. Prejuízo a ser compartilhado por todos. Fichas sujas ou
limpas.
Embora um dos inquéritos dos 11 que existem
no Supremo contra Calheiros esteja pronto para entrar em pauta e ainda
possa ser votado até o término do mandato dele em 1.º de fevereiro
próximo, mesmo que o senador venha a se tornar réu nessa ação, para que
ocorresse o afastamento da presidência seria necessário antes completar a
votação interrompida na sessão de quinta-feira pelo pedido de vista do
ministro Dias Toffoli. Não há data para o retorno à pauta.
Além disso, dos quase três meses que faltam
para Calheiros encerrar seu período à frente do Senado há de se
descontar os 30 dias de recesso do Judiciário, entre 20 de dezembro e 20
de janeiro. Na ocasião, o Legislativo ainda terá 11 dias pela frente
para retomar suas atividades. De todo modo, se ninguém mudar o voto, a
questão está decidida. Ainda que Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski e Cármen Lúcia votem contra, o resultado final seria 6 a 4.
Luiz Roberto Barroso declarou-se impedido de participar do julgamento.
Portanto, do afastamento, Renan Calheiros em
princípio parece a salvo, apesar de não se poder dizer o mesmo a
respeito da dezena de acusações que pesam sobre o senador. Mas, algo se
moveu. Deputados e senadores terão agora de levar em conta a folha
corrida de seus líderes. Preceito óbvio, mas nunca observado, como
demonstrado pela eleição de Calheiros depois de ter sido obrigado a
renunciar à presidência do Senado justamente em decorrência da ação que
está pronta para ser julgada, na qual ele é acusado de peculato,
falsidade ideológica e uso de documentos falsos.
Na Câmara, o elenco de passageiros do Código
Penal é amplo. Dos oito presidentes da Casa nos últimos 13 anos, cinco
estão ou estiveram nessa categoria. João Paulo Cunha terminou preso;
Severino Cavalcanti foi obrigado a renunciar por ter recebido propina do
concessionário do restaurante da Câmara; Marco Maia é alvo de inquérito
no âmbito da Lava Jato, por corrupção; Henrique Alves é investigado
pela Procuradoria-Geral da República por lavagem de direito e evasão de
divisas e tornou-se réu na Justiça Federal de Brasília por suspeita de
cobrar e receber propina de empresas interessadas em empréstimos do
fundo de investimentos do FGTS; Eduardo Cunha, como se sabe, passa
temporada em Curitiba atrás das grades.
Em um Parlamento em que se contam às
centenas os políticos em algum tipo de contas a prestar na Justiça – ao
ponto de, no caso dos deputados, ser possível fazer uma lista em ordem
alfabética – o pré-requisito da vida pregressa em ordem passa a
prevalecer sobre o critério do compadrio, do corporativismo, do
favorecimento e/ou do “recado” que o Legislativo porventura queira dar
ao Executivo, conforme ocorreu com Cunha e Severino.
A má notícia é que decisões de natureza
legal nem sempre servem para conter o impulso (eleitoralmente) suicida
de parlamentares. A expectativa de boa nova é que se cair a “ficha” da
maioria mal acostumada, outras centenas de deputados e senadores cujas
fichas permanecem limpas voltarão a ter alguma chance de cumprir um
papel relevante no Poder Legislativo, a representação (goste-se ou não)
do povo.
Fonte: Dora Kramer - O Estado de S. Paulo