Uma sombra vai continuar pairando sobre o governo Dilma Rousseff este
ano: o fantasma das pedaladas fiscais. Elas foram argumento para
embasar o processo de impeachment e, por isso, o governo fez tudo para
pagar integralmente as dívidas com os bancos públicos na última
quarta-feira, mas, ao fazer isso, confirmou as acusações que pesam sobre
a presidente.
O pagamento das pedaladas foi feito pelo Ministério da Fazenda como
se passasse uma borracha sobre um fato incômodo. As marcas ficaram. Na
própria nota do Ministério está dito que aquela montanha de R$ 72,4
bilhões seria paga porque eram “débitos da União junto a estas
instituições”. Com isso, o governo derrubou sua própria defesa. O
governo disse, e o relator está repetindo para tentar aprovar as contas
de 2014, que as dívidas não eram dívidas. Eram um inocente resultado
negativo previsto em contrato.
Se atrasar um pagamento de R$ 72 bilhões por um ano não for
considerado uma operação de crédito, fica difícil saber o que mais será.
O pagamento do Tesouro na última hora aos bancos públicos e ao Fundo de
Garantia foi praticamente uma confissão de culpa. A dívida com Banco do
Brasil, FGTS, BNDES e Caixa foi crescente no governo Dilma. A dimensão
da conta derruba também a tese de que houve o mesmo nos governos
Fernando Henrique e Lula.
O governo não tinha alternativa a não ser pagar, porque do contrário
seria o segundo ano a terminar com essa dívida pendente. Poderia ser
entendido como crime continuado de desrespeito à Lei de Responsabilidade
Fiscal. A mudança quantitativa gerou o salto qualitativo. O que era um
simples atraso contratual virou operação de crédito.
No dia 31 de dezembro de 2014, o Tesouro devia cerca de R$ 18,6
bilhões ao FGTS; R$ 20,2 bi ao BNDES; R$ 10,9 bi ao Banco do Brasil. Com
a Caixa, ainda havia um débito de R$ 882 milhões. Ao longo do ano, a
maior parte da dívida com a Caixa, que chegou a R$ 6 bilhões, já havia
sido quitada. Sobre todo esse passivo foi incorporada a atualização
monetária. Assim se chegou a R$ 72,4 bilhões. Tudo isso foi pago
quarta-feira. Débitos feitos em 2014, carregados por todo 2015 e
quitados no último dia útil do ano. Instituições estatais de crédito
financiaram o seu controlador. Isso é proibido pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. Não cabe mais a discussão se é ou não operação
de crédito. Eles mesmos o disseram.
O que interessa aqui é que houve violação da LRF, lei que consolidou a
estabilidade monetária, estabelecendo travas para impedir o retorno ao
passado hiperinflacionário. A decisão do impeachment é política e cabe
aos deputados e senadores decidir se esse descumprimento da lei é o
suficiente para a interrupção de um mandato presidencial. Do ponto de
vista fiscal e orçamentário, contudo, o governo Dilma desrespeitou a
lei.
A nota da Secretaria do Tesouro detalha a dívida com cada ente
estatal, chegando a R$ 50,7 bilhões. As atualizações monetárias
atingiram quase R$ 5 bilhões. A isso se somam as obrigações acumuladas
durante 2015 e chega-se à cifra de R$ 72,4 bilhões. A conta única é um colchão formado para rolar a dívida em momento de
dificuldade. Não pode ser usada para pagar despesa corrente, segundo
garantem os técnicos em questões fiscais.
Dela foram tirados R$ 70,9
bilhões. Tudo foi pago com títulos já emitidos ou com recursos da conta
única. Parte ficará na conta do déficit alargado de 2015 e parte em
“espaço fiscal pré-existente”. Parece neopedalada. Além disso,
permanecerá o debate sobre se o pagamento, mesmo se for tudo considerado
fiscalmente correto, terá apagado retroativamente o crime cometido.
A ideia da lei era de que um governante não terminasse seu mandato
com dívidas pendentes para o seu sucessor. O governo pode então
argumentar que Dilma é sua própria sucessora e, portanto, não há
descontinuidade. Mas aí ficará configurado que é um mesmo governo e o
que ela fez em 2014 pode ser cobrado do mandato que ela assumiu em 2015.
Dilma se enrolaria se não pagasse, mas se enrolou também ao pagar.
Não havia saída fácil para o labirinto no qual entrou quando decidiu que
a esperteza dos truques revogaria as regras da contabilidade. Há muitas
dúvidas no ar que ela terá que responder ao longo deste ano que começa.
Fonte: Coluna da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo
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domingo, 3 de janeiro de 2016
A sombra que ficou e a certeza que Dilma violou, reiteradamente, a Lei da Responsabidade Fiscal = é uma criminosa
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