Na Presidência, ele adotou como lema ter como princípio não ter princípio, repetindo o método de dirigente sindical
Luiz
Inácio Lula da Silva é um fenômeno político. Disso ninguém pode
duvidar. Afinal, venceu as quatro últimas eleições presidenciais. Hoje, é
de conhecimento público que, especialmente, nas eleições de 2006, 2010 e
2014, movimentou verdadeiras fortunas comprando aliados antes e durante
o período eleitoral, além de ter efetuado as campanhas publicitárias
mais caras da história eleitoral brasileira. Mas só isso — que já é
muito — não justificaria as quatro vitórias e alguns momentos, como no
segundo governo, quando obteve índices recordes de popularidade.
Como
explicar o sucesso de Lula? É produto dele próprio ou também de
características específicas do Brasil, principalmente após o processo
incompleto de redemocratização? Lula surgiu no mundo político como um
líder sindical que negava a política. Mais do que isso, nas suas
primeiras entrevistas, na segunda metade dos anos 1970, chegou a
satanizar a política. Serviu, naquele momento, para barrar um processo
de politização dos sindicatos que os aproximava da esquerda tradicional,
representada pelo Partido Comunista Brasileiro, ou de correntes à
esquerda que tiveram origem em divisões no velho PCB, desde os anos
1960.
Saltando do mundo sindical para a política partidária,
liderou a fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Teve papel
marginal nas eleições diretas para os governos estaduais, em 1982. Para o
Congresso Nacional conseguiu eleger apenas oito deputados federais e
nenhum senador. As mudanças que estavam ocorrendo no país passavam ao
largo da sua liderança. Lula era mais um personagem folclórico do que um
relevante ator político.
Mesmo dobrando a representação
parlamentar petista na Constituinte, Lula teve atuação apagada. Em
momento algum se sobressaiu em algum debate. Faltou a diversas sessões.
Não deixou sua marca em nenhum dispositivo constitucional. Foi, apenas,
um espectador privilegiado nas discussões. Inexiste registro de algum
discurso que tenha sensibilizado os constituintes. Pelo contrário, nos
anais da Constituinte encontram-se diversos deputados petistas que
tiveram participação expressiva nos trabalhos, como Plínio de Arruda
Sampaio.
Na campanha presidencial de 1989 adotou um figurino de
esquerda. Como confessou, anos depois, tinha uma plataforma de governo
descolado dos novos ventos que estavam soprando no mundo após a queda do
Muro de Berlim. Lula não acreditava no que dizia. Mas sabia que isto
poderia dar um capital político para ser explorado no futuro. Repetiu à
exaustão nas campanhas de 1994 e 1998 a cartilha esquerdista. Não tinha
chance de vitória, portanto, não se preocupava com a aplicação prática
do que propalava aos quatro ventos. Era puro oportunismo com o objetivo
de ocupar o espaço político à esquerda e se transformar aos olhos da
direita no seu grande opositor.
Quando veio a campanha de
2002, Lula aproveitou para vestir um novo figurino, mais à direita, como
se algum dia tivesse acreditado na cartilha esquerdista. Apresentou a
mudança como um símbolo de modernidade. Ocupou o vazio político deixado
por Fernando Henrique Cardoso, que pouco fez para eleger seu sucessor — é
inegável o desinteresse de FHC na eleição de 2002, pouco ou nada
realizou pelo candidato Serra e demonstrou, após o término do processo
eleitoral, satisfação pela eleição de Lula.
Na Presidência, Lula
adotou como lema ter como princípio não ter princípio, repetindo o
método utilizado quando foi dirigente sindical. Só que tendo um imenso
poder. Buscou cooptar o Congresso Nacional e as cortes superiores de
Brasília. Conseguiu. Comprou apoios e vaidades. Superou a crise do
mensalão. Desmoralizou as instituições democráticas. Usou do aparelho de
Estado como se fosse propriedade privada, sua propriedade. Fez do
contato direto com o povo seu grande instrumento político, eficaz numa
sociedade invertebrada, como a nossa. E contou com o auxílio da oposição
parlamentar — especialmente do PSDB —, frágil, pouca combativa e que
temia enfrentá-lo no Congresso, nas ruas e até no voto.
Sua forma
de fazer política foi um grande salto para o passado. Retroagimos como
nunca na história recente brasileira. Aparentando ser o novo, Lula deu
novamente enorme poder aos coronéis, ampliou as antigas formas de obter
apoio parlamentar e estabeleceu o maior esquema de desvio de recursos
públicos da História, o petrolão. Acabou legitimando a corrupção através
da sua popularidade.
Em 2010 e 2014, conseguiu eleger Dilma
Rousseff como sua preposta. Demonstrou um poder nunca visto na nossa
História. Contou com o apoio entusiástico do grande capital espoliador.
Foi considerado um estadista, um político insubstituível — até por
jornalistas experientes. Mesmo com denúncias de suas mazelas, nada
parecia abalá-lo. Tudo começou a ruir em 2014 com a Operação
Lava-Jato. Nestes três anos o país ficou estarrecido com as revelações
do petrolão e da participação de Lula como “o comandante máximo da
organização criminosa,” na definição do Ministério Público Federal.
Hoje,
a decadência política de Lula é inegável. Não passa de um réu temeroso
de ser condenado a regime fechado — o que deve ocorrer ainda este ano.
Sua queda — e de seu nefasto legado — é fundamental para que o Brasil
retome o processo de construção de uma sociedade democrática. Lula
representa a velha forma de fazer política, o conchavo, a propina, o
saque do Erário, o desprezo pelas instituições.
Removê-lo da política,
condená-lo a uma pena severa, é um serviço indispensável ao futuro do
nosso país.
Fonte: Marco Antonio Villa, historiador