“Em política o absurdo não é obstáculo”
Napoleão Bonaparte
A campanha de 2022 está nas ruas. Bolsonaro lutará para não entregar o poder ao adversário
O meu primeiro contato com a história militar do Brasil foi aos 15 anos,
quando meu pai, Ulysses, me comprou A Retirada da Laguna – Episódio da
Guerra do Paraguai, de Alfredo D’Escragnolle Taunay, visconde de Taunay,
oficial superior do Exército Brasileiro, senador do Império, membro da
Academia Brasileira de Letras (1843-1889).O exemplar pertence à 12.ª edição, sem data, publicada pela Cia.
Melhoramentos. É mais completo do que a edição da Companhia das Letras
comercializada em 1997 – faltam-lhe a fotografia do coronel Carlos de
Morais Camisão e dos subcomandantes, o mapa do trajeto da expedição,
desenhos de marchas e combates, documentos do Exército sobre a campanha,
a reprodução do retrato a óleo do visconde de Taunay, do pintor Luiz
Augusto Moreaux.
A epopeia da Laguna ocupa lugar destacado entre os grandes feitos
militares brasileiros. O livro, como escreveu Taunay no prólogo da
primeira edição, narra “a série de provações que a expedição brasileira,
em operação ao sul da província do Mato Grosso, suportou a partir da
fazenda Laguna, a três léguas e meia do rio Apa, fronteira do Paraguai
até o rio Aquidauana, em território brasileiro, percorrendo ao todo 39
léguas em 35 dias de dolorosa memória”. Légua é antiga medida de
distância, correspondente, no Brasil, a 6.600 metros.
Na 2.ª Guerra Mundial (1939-1945), revidando as agressões alemãs, o
Brasil enviou uma divisão da Infantaria à Itália, sob o comando do
general Mascarenhas de Moraes, para lutar ao lado das forças
norte-americanas. Extensa literatura relata como durante um ano, sob
condições adversas, oficiais e soldados do Exército e integrantes da
Força Aérea Brasileira superaram os limites extremos da coragem e do
sacrifício, na defesa da liberdade e contra a opressão nazi-fascista. Encerrada a guerra, o regime democrático foi restabelecido com a
deposição de Getúlio Vargas e a promulgação da Constituição de
18/9/1946. Vigorou por 18 anos. Foi abatido com a derrubada de João
Goulart, em 31/3/1964, seguida pela edição do Ato Institucional de
10/4/1964, baixado pelo Comando Supremo da Revolução, representado pelos
comandantes-chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Tinha início, como previra João Goulart ao ministro do Trabalho, João
Pinheiro Neto, sombrio período autoritário de 20 anos, entremeados por
breves momentos de abertura. O regime caracterizava-se pela ausência de
segurança provocada pela edição de atos institucionais, atos
complementares e decretos-leis, alguns ainda em vigor, acolhidos pela
Constituição de 1988. A recessão econômica, o desemprego, o crime organizado, as invasões de
propriedades produtivas, o aparelhamento do Estado, a desenfreada
corrupção, a compra de votos, o “toma lá dá cá” no Legislativo, a
inoperância do Judiciário despertaram na sociedade civil sentimento de
indignação, transformado em crescente movimento pela volta dos
militares.
A vitória de Jair Bolsonaro, obscuro deputado federal eleito e reeleito
por legendas inexpressivas, deveu-se a variada gama de fatores. O
primeiro, e mais relevante, o fato de pertencer à reserva do Exército,
com a patente de capitão. Durante a breve campanha, na maior parte do
tempo recolhido a leito hospitalar, fazia-se conhecer como capitão
Bolsonaro. Ao apresentar como pontos programáticos fundamentais o
rearmamento da população e o restabelecimento de ambiente de segurança,
conseguiu vigorosa adesão do empresariado ligado ao agronegócio, da
classe média urbana, de donas de casa, de jovens desiludidos com a velha
política. Com o PT desmoralizado e acéfalo por falta de liderança, e o
PSDB encolhido e calado pelo receio de fazer oposição, não lhe foi
difícil derrotar os adversários e conduzir ao Planalto, na mochila,
senadores e deputados.
Promessa feita em campanha só tem valor para quem a ouve, dizia o astuto
político mineiro Benedito Valadares. Esquecido do compromisso assumido,
Jair Bolsonaro admite publicamente a candidatura à reeleição. Acredito
que, se grave erro não vier a cometer, terá chances de ser reeleito. Bons livros sobre política não faltam. Entre os que analisaram o período
compreendido entre 1964 e 1985, alguns são essenciais. Temos os
publicados por Hélio Silva, Elio Gaspari, Thomas Skidmore e a obra da
Editora Getúlio Vargas 21 Anos de Regime Militar – Balanços e
Perspectivas. Ao brasilianista Alfred Stepan (27/2/1936-26/9/2017)
pertencem duas das melhores obras: Os Militares na Política (Ed.
Artenova, RJ, 1975) e Os Militares: da Abertura à Nova República (Ed.
Paz e Terra, RJ, 1986).
Neste último encontramos entrevista dada ao autor pelo presidente
Ernesto Geisel. Declarou que não havia recebido mandato para iniciar o
processo de distensão, mas admitiu ser necessária; que liderava as
Forças Armadas como instituições hierárquicas; que não desejava concluir
o mandato com o Ato Institucional n.º 5 em vigor. Quando o
entrevistador lhe indagou quais os objetivos no longo prazo, respondeu:
“Qual o primeiro princípio de Maquiavel? Que os governos devem lutar
para manter o poder”. Acrescentou que não desejava conservar-se no poder
indefinidamente, registrando, porém, que “nenhum governo diz aos
aliados que quer entregar o governo à oposição”.
A campanha de 2022 está nas ruas. Até lá muita água correrá sobre e sob a
ponte. Consumidos seis meses, é impossível prever como se sairá o
presidente Jair Bolsonaro. Enfrenta desafios urgentes e graves de
caráter político, de ordem fiscal e de natureza social, como o
desemprego e a pobreza. Ignoro se leu Maquiavel e as obras de Alfred
Stepan. Creio, porém, que lutará para não entregar o poder ao
adversário.