Guerra contra a operação não é só da Procuradoria Geral da República nem é só contra a força-tarefa de Curitiba
Se a Lava Jato é uma ‘caixa de segredos’, como diz Aras, guerra contra ela também é
A guerra contra a Lava Jato não é só da Procuradoria Geral da República
nem é só contra a força-tarefa de Curitiba. O procurador-geral Augusto
Aras é o líder ostensivo e porta-voz, mas o ataque à maior operação de
combate à corrupção do mundo vai muito além dele, incluindo Congresso e
parte de Supremo, OAB, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e
da própria mídia. É um movimento combinado e visa Curitiba, São Paulo e
Rio.
Ninguém questiona a fala de Aras sobre “correção de rumos” e “garantias
individuais”, mas é preciso ficar claro se, por trás, não está em curso o
desmanche da Lava Jato, punir e demonizar seus expoentes, impactar
processos em andamento e até anular condenações já em execução. Ou seja,
se a intenção é acabar com “excessos”, “hipertrofia”, investigações
indevidas, dribles em leis e regras – que podem efetivamente ter
ocorrido –, ou desfazer tudo e demolir, por exemplo, o ex-juiz Sérgio
Moro e o procurador Deltan Dallagnol.
Enquanto Aras ataca a Lava Jato por atacado, seus aliados agem no varejo
contra Moro e Dallagnol. No Supremo, Dias Toffoli propõe que
magistrados só disputem eleições após quarentena de oito anos. Na
Câmara, Rodrigo Maia acata a ideia – e já para 2022. É para cortar uma
candidatura Moro pela raiz? [digamos que seja para evitar que o'herói' Moro seja derrotado em 2022 - os acertos dele, quando juiz, motivam a evitar que passe por tal constrangimento.] Do PT ao Centrão, passando por MDB e PSDB,
levante o dedo quem apoia Moro e Lava Jato no Congresso!
Simultaneamente, entra em ação o CNMP. O conselheiro Marcelo Weitzel
determinou intervenção na distribuição de processos no MP Federal de São
Paulo, visando os que têm o carimbo da Lava Jato. Outro, Luiz Fernando
Bandeira, pretende retirar Dallagnol da força-tarefa de Curitiba, por
ter sugerido um fundo lavajatista com bilhões de reais recuperados do
petrolão. Além disso, Dallagnol também foi pivô das mensagens hackeadas
entre procuradores e Moro. Esses movimentos contra a Lava Jato vêm num crescendo. O marco foi a ida
da subprocuradora-geral Lindora Araujo a Curitiba para requisitar todo o
arquivo e rastrear os equipamentos da força-tarefa. Em seguida, o
vice-procurador Humberto Jacques criticou o modelo da operação como
“desagregador”, “disruptivo” e “incompatível com o MPF”.
Foi aí que Toffoli autorizou a PGR a centralizar em Brasília todos os
arquivos de Curitiba, Rio e São Paulo. Segundo Aras, o MPF inteiro tem
50 terabites de dados e Curitiba, sozinha, 350. É com base nessa
documentação fenomenal que ele e sua equipe – que até aqui só jogam no
ar suspeitas vagas – pretendem comprovar que o chamado “lavajatismo”
grampeava pessoas e investigava alvos com foro privilegiado ilegalmente,
usava conduções coercitivas como tortura psicológica, aceitava e
compensava excessivamente qualquer delação premiada, dispensando provas
daqui e dali.
Ao condenar o suposto “vale tudo” da Lava Jato, porém, a PGR e seus
aliados podem estar justamente recorrendo a um “vale tudo” para
desmontar as estruturas e demonizar os líderes da Lava Jato, numa
repetição do que ocorreu contra a Operação Mãos Limpas, que passou de
grande sucesso a triste derrota na Itália. Além disso, há o risco
natural da centralização de dados na capital: o uso político. Hoje, o
procurador é Aras. E amanhã?
Onde fica o presidente Bolsonaro nisso tudo? Depois de meter a mão no
Coaf, mexer os pauzinhos na Receita, romper com Moro [que agia como quinta coluna contra o presidente;
aceitem que dói menos: o presidente da República NÃO É OBRIGADO a escolher como Procurador-geral, nome imposto pelos membros do MPF - pode desprezar (aliás, fez) desprezar a lista tríplice ou qualquer outra.]
e ser investigado
por suspeita de intervenção na PF, ele escolheu Aras fora da lista
tríplice e reforça a percepção de uma união de Judiciário, Legislativo e
Executivo contra a Lava Jato – que, entre erros e acertos, foi [foi = passado; a Lava-Jato não pode ser elevada à condição de instituição.] importantíssima para o País. E, se a Lava Jato é uma “caixa de
segredos”, como diz Aras, a articulação contra ela também é. E seus
segredos podem ser bem mais cabeludos.