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sábado, 3 de setembro de 2022

Pequenos roubos - Carlos Alberto Sardenberg

“A corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”. Jô Soares.

A gente estava só esperando: o tema corrupção havia de aparecer na campanha. Apareceu. Da pior maneira possível. Mais ou menos assim: a sua turma rouba mais que a minha. Ou, claro, os meus roubos são menores que os seus.

Corrupção não é apenas uma questão moral. Melhor dizendo: se fosse apenas uma questão moral, já seria importante o suficiente para merecer atenção e propostas dos candidatos. Não basta condenar a roubalheira, muito menos condenar a roubalheira dos outros. É preciso apresentar propostas para restabelecer no Brasil o sistema de combate à corrupção, desmontado meticulosamente nos últimos anos por políticos e tribunais.

Em vez disso, Lula, por exemplo, prefere dizer que a Lava Jato causou perdas enormes para a economia, com o fechamento de empreiteiras e a destruição de empregos.

É o contrário. A Lava Jato, deixando provisoriamente de lado a questão dos métodos, descobriu um sistema que corrompia a economia brasileira. 
As tais empreiteiras ganhavam obras não por competência, mas pelas relações promíscuas com o governo. 
Como tinham que somar a propina aos lucros, as obras obviamente ficavam mais caras, nem por isso melhores.
 
Ao contrário, muitas obras nem foram concluídas. Foram projetadas e contratadas apenas para gerar caixa. Prática antiga
Como dizia Mario Henrique Simonsen, em muitos casos é mais barato pagar a comissão e não fazer a obra.

A modernidade no caso da corrupção recente dos governos petistas foi o tamanho da coisa e a eficiência na captação e distribuição dos recursos aos aliados.

Tanto é tudo verdade que as condenações com origem na Lava Jato foram, na maioria, anuladas por questões processuais inventadas para cada caso
Ex-réus se livraram da Justiça, mas ficou evidente que houve grossa corrupção.
Resumo da ópera: o judiciário e o sistema político brasileiros estão oferecendo ao país o pior exemplo possível. 
Fica estabelecido que há corrupção mas não há como punir.

         Liberou geral. 

Pior ainda, o eleitor parece que vai se acostumando a isso. Lula argumenta que o mensalão não é nada comparado com o orçamento secreto. Ou, o roubo deste lado é menor do que o de lá. [até nessa conclusão o estrupício petista erra: se deste lado, há roubo é menor do que do lado  da quadrilha petista.(o se é sustentado pela ausência de provas, já as dos roubos petistas, um dos criminoso foi condenado em três instâncias, por nove juízes diferentes.]        Bolsonaro, então, consegue fazer pior. Desdenha dos casos  de seu lado – qual o problema de comprar mais de 50 imóveis com dinheiro vivo? Ou devolve a tese do roubo menor – o  que é rachadinha perto do petrolão? [para não fugir a regra dos inimigos de Bolsonaro, TENTAM acusar o capitão; 
Só que mais uma vez a acusação não se sustenta por falta de provas. Não há lei que proíba a compra de imóveis em dinheiro vivo - cabe ao governo, dentro do prazo legal, investigar a origem do dinheiro e sendo ilícita, punir;
Alguns dos imóveis foram comprados há vários anos e Bolsonaro, então parlamentar do baixo clero não tinha, caso fosse corrupto, cacife para receber valores consideráveis como propina;
Gostem ou não, os recursos  que os parentes do presidente utilizaram nas compras, talvez talvez com recursos ilegais, não estão vinculados ao presidente - o presidente só é responsável por seus atos ou dos filhos menores.
O empenho em acusar a família Bolsonaro é tamanho que um dos filhos do presidente, senador da República, comprou um imóvel com financiamento bancário, com prestações mensais cabendo dentro do orçamento do casal (formado por um homem e uma mulher, o homem com salário de senador e a mulher profissional liberal com rendimentos próprios) e tentaram por vários meses encontrar algo ilegal. 
Não encontraram = FRACASSARAM = procurar o que não existe sempre resulta em fracassos.
Quanto as 'rachadinhas' desde antes do 'capitão do povo' ser eleito presidente que tentam encontrar provas e fracassam. 
Por falar em 'rachadinha', as do gabinete do senador Alcolumbre não existiram? nada foi apurado?]

         E ficamos assim: eleitores de Lula ou negam tudo ou admitem que houve corrupção “quase normal” ou dizem que o tema precisa ser debatido …. depois da eleição.

Eleitores de Bolsonaro, pior ainda: acreditam em tudo que se diz de Lula e não acreditam em nada que se diz de Bolsonaro, sempre no quesito roubalheira.[simples; mesmo com a simplicidade presente, seremos recorrentes: os eleitores de Bolsonaro encontram provas abundantes da roubalheira petista - provas que nove juízes, em três instâncias, também encontraram, tanto que condenaram o petista já os eleitores de Bolsonaro não encontram provas,  nem os acusadores apresentam.]

Pode ser que não haja mais tempo, mas existe aí uma porta de entrada para Ciro e Simone. Quem sabe eleitores indecisos ou aqueles que começam a duvidar dos candidatos mais fortes aceitem a tese segundo a qual o combate à corrupção é inegociável.

Isso também colocaria pressão sobre o favorito, Lula. De todo modo, mesmo sem isso, o candidato petista continua devendo uma autocrítica e propostas bem concretas para a reconstrução de um sistema legal que, primeiro, iniba a roubalheira e, depois, apanhe os culpados quando a coisa acontece.

Para todos aqui, seria interessante dar uma olhada na Itália. A Operação Mãos Limpas, primeira inspiração da Lava Jato,  desmontou a velha política, ligada ao crime organizado e à corrupção generalizada. Partidos tradicionais  desapareceram, mas não a vontade de voltar às velhas práticas.

Para encurtar a história, a Operação foi cuidadosamente desmontada e a Itália entrou numa sequência de instabilidade política, ainda maior da que costumava acontecer. Não por acaso, entre os grandes europeus, é o país de menor capacidade de crescimento [com PIB inferior ao do Brasil do 'capitão do povo'.] e … de maior corrupção.

Carlos  Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo

 

quarta-feira, 23 de março de 2022

Escárnio! - Gazeta do Povo


O Brasil cansa. E cansa muito! Em nosso país, manda quem pode, obedece quem tem juízo. Há uma cleptocracia que tomou conta da nação. Os donos do poder brincam e riem da cara de nós, os otários. É terra sem lei, ou melhor, com abuso de autoridade para inocentes e impunidade para ladrões. No Brasil, o poste mija no cachorro.

Deltan Dallagnol terá de pagar indenização a Lula. O quão ridículo é isso? O ex-procurador desabafou: "INDIGNADO! Vou ter que INDENIZAR LULA por causa da LAVA JATO!" Ele gravou um vídeo sobre o assunto:

O sistema é bruto, companheiro. Em qualquer país sério, Lula estaria atrás das grades. No Brasil supremo, ele está não só solto, como elegível, favoritíssimo em pesquisas suspeitas, e com direito à indenização. É o país da piada pronta, mas uma piada de muito mau gosto.

Pode-se condenar excessos da Lava Jato, que sempre contou com apoio midiático para atrair a opinião pública, inspirada na Operação Mãos Limpas da Itália. Para desafiar mafiosos tão poderosos, era mesmo crucial contar com o apoio do povo, de preferência nas ruas. Basta pensar que mesmo assim o sistema reagiu e com força, estão todos soltos e os responsáveis pela operação é que viraram alvos.

O powerpoint pode ter sido um tanto espetaculoso, mas a decisão é estapafúrdia.   
Ora, Lula era ou não o chefe da máfia, o capo da quadrilha, o maior beneficiado com os esquemas bilionários de desvios de recursos públicos? Quem mandava em Dirceu? 
Quem teve "mimos" de empreiteiras, como sítios e obras em cobertura? Quem dava "palestras" a preço de ouro, que sumiram junto com o poder?


Reino Unido diz que Rússia se reorganiza para agir “em grande escala”

Decisão do STJ para indenizar Lula pune quem luta contra a corrupção, diz Deltan

O deputado Paulo Eduardo Martins resumiu bem o absurdo: "Lula receber uma indenização da Lava Jato é como a Suzanne ganhar uma saidinha em dia dos pais". [normal; tanto que Suzanne sai, a Nardoni sai no 'dia das crianças' ... e outros] E, no entanto, ela ganhou! Pois o Brasil é mesmo o país da impunidade - desde que seja o criminoso "certo".  
Se for bolsonarista e tiver praticado o "crime" de opinião, porém, que sequer consta em nosso Código Penal, aí vai ter ministro supremo acionando até a Interpol no afã ensandecido de vê-lo atrás das grades! [só que o esforço do ministro é inútil - ele e suas supremas decisões são ignoradas tanto pelo governo dos Estados Unidos quanto pela Interpol.
Aliás, fatos recentes mostram que ordens só são obedecidas quando tem alguém disposto a obedecê-las.]

O Brasil tem censura também. Nosso STF virou partido de oposição, com apoio cúmplice de boa parte da imprensa, que quer derrubar Bolsonaro custe o que custar. O garoto-propaganda da Dilma e simpatizante do MST vai decidir o que é verdade ou mentira. O tucano raivoso dos inquéritos ilegais vai punir a "desinformação" durante a campanha eleitoral. É tudo muito abjeto.[apontar a possibilidade de falhas na segurança do sistema eleitoral brasileiro ainda não é crime,  no papel - mas logo será. Qualquer decisão monocrática, será o suficiente para uma inserção virtual no Código Penal tornando crime.]

Somos o país cuja mídia levou a sério uma CPI circense que fechou os olhos para a corrupção e passou o tempo todo criando narrativas contra o governo.   
Tratou embusteiros como a voz da ciência e médicos sérios como picaretas. 
Todo esse palanque ridículo liderado por Renan Calheiros, Omar Aziz e Randolfe Rodrigues, os três agora oficialmente colados na campanha de Lula. Repito: é tudo muito tosco, script de filme de categoria D.

Mas é esse o nosso Brasil, que vai para as eleições com um esforço homérico de inúmeros canalhas para tentar recolocar no comando um notório bandido. Esses cafajestes querem o destino argentino para nossa nação, pois não ligam para o povo, desde que a pilhagem possa continuar na tranquilidade. Eles só pensam no butim, nada mais.

Enquanto isso, qualquer mínima suspeita que recaia sobre Bolsonaro, por menor que seja, por mais antiga que seja, o mundo vem abaixo. O cidadão mais escrutinado do país é o atual presidente, mas não encontram nada concreto 
É por isso que vivem de narrativas como a "rachadinha" ou a "funcionária fantasma". O ex-ministro Ricardo Salles resumiu bem: "Se o problema do Brasil fosse a moça do açaí, tava tudo resolvido. Coisa ridícula. Vai atrás do Lula e dos vagabundos do PT que roubaram bilhões das escolas, hospitais, moradias, infraestrutura, refinarias, bancos, estatais, fundos de pensão etc etc etc …" [e a rachadinha do Alcolumbre, foi esquecida?
Se inventaram, tem que descobrir e punir o mentiroso. Caso seja verdade o senador tem que ser cassado.]

E vale notar que os “isentões” que se dizem liberais estão mais preocupados com a tal Val do que com a indenização a Lula, o que demonstra que não tem nada a ver com ética, e sim com um projeto de poder. O povo brasileiro não merece a elite que temos. Escárnio!

Rodrigo Constantino, jornalista -  Gazeta do Povo - VOZES

 

domingo, 14 de março de 2021

STF em chamas - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo


STF em chamas

O tiroteio do ministro Marco Aurélio em cima dos colegas Luiz Fux e Alexandre de Moraes mostra que o Supremo Tribunal precisa de uma missão pacificadora. Esse foi o barraco público. Felizmente, aqueles que ocorreram no início da semana, com outras excelências, ficaram no escurinho da Corte.
A tensão decorre, em parte, da suspensão do convívio pessoal, provocado pela pandemia.
 
O ex-presidiário continua mentiroso
Para o bem e para o mal, o novo Lula é o mesmo. Numa trapaça da história, enquanto o ex-presidente falava, Eduardo Bolsonaro, o 03, mandava que as pessoas enfiassem as máscaras “no rabo”, e seu pai, delicadamente, colocava-a no rosto.

Lula reapareceu com um discurso simples e de essência racional . Na quarta-feira, o número de mortos bateu a casa dos dois mil, num total de 270.917 (a provável população do Brasil no final do século XVII). A “gripezinha” estava no “finalzinho”, e a “conversinha” da nova onda mostrou-se mais letal que a do ano passado. Lula chamou Bolsonaro de “fanfarrão” e seu governo de “incompetente”: “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina. Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você da Covid.”

Mais: “O Brasil não é dele e dos milicianos.”
Sem a teimosia delirante do capitão, Lula também tem um pé em sua realidade paralela. Ele fala de uma “Petrobras bem dirigida, como foi no nosso governo”.  
A boa gestão no petróleo explicaria “o golpe contra a Dilma, porque é preciso não ter petróleo aqui no Brasil na mão dos brasileiros. É preciso que esteja na mão dos americanos, porque eles têm que ter o estoque para guerra.” Até aí, trata-se de uma opinião, mas Lula foi adiante:

“A Alemanha perdeu a guerra porque não chegou em Baku, na Rússia,
para ter acesso à gasolina.”
A Alemanha não chegou a Baku porque foi detida em Stalingrado no início de 1943. 
A essa altura, os nazistas já haviam sido detidos às portas de Moscou, e os Estados Unidos já haviam entrado na guerra (dezembro de 1941) e quebrado a perna do poder naval japonês na batalha do Midway (junho de 1942). A partir do final de 1942, os alemães passaram a combater numa guerra que não poderiam ganhar, mesmo que tivessem chegado ao petróleo de Baku. Isso para não se falar na bomba atômica, cujo combustível era urânio.

Falando da eleição de 1989, Lula diz: “Não ganhei porque a Globo me roubou”. A edição do seu debate com Fernando Collor foi editada com viés contra Lula, mas foi ao ar depois da transmissão da versão integral, ao vivo. Collor teve 35 milhões de votos, contra 31 milhões de Lula, que só venceu em três estados (RJ, RS e PE).

A agência Lupa checou a fala de Lula e apontou devaneios que custariam caro a Jair Bolsonaro se tivessem partido dele:
“Fachin (reconheceu) que nunca teve crime cometido por mim.”
FALSO. [MENTIRA MESMO] A decisão do ministro do STF Edson Fachin não cita, em nenhum momento, que o ex-presidente Lula nunca cometeu crimes. Ele apenas considerou que as ações do tríplex de Guarujá (SP), do sítio em Atibaia (SP) e do Instituto Lula não têm relação direta com a Petrobras e não deveriam ter tramitado na Justiça Federal de Curitiba.”

Afora casos como esses, Lula continua ligeiro. Ele já disse que Napoleão foi à China e que Oswaldo Cruz criou a vacina contra a febre amarela. Agora, referiu-se a um artigo de 2004 do juiz Sergio Moro, no qual ele teria escrito que “só a imprensa pode ajudar a condenar as pessoas.” No seu famoso artigo de 2004, Moro não disse isso. Foi preciso, referindo-se à Operação Mãos Limpas italiana: “Os responsáveis pela operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira.”

Lula não precisava ter exagerado.[o petista sempre mentiu e sempre mentirá - ele é a personificação da mentira.]

Bolsonaro na disputa
Com Lula e Bolsonaro disputando uma eleição, os jornalistas e as agências de checagem trabalharão como nunca.

Lula viajou pela sua realidade paralela na quarta-feira, ...

..........
Disse que o Supremo Tribunal Federal limitou a ação do governo. O que o STF fez foi garantir as iniciativas dos estados e municípios.[ao garantir as iniciativas dos estados e municípios permitindo que prefeitos e governadores tivessem o controle supremo, total e absoluto sobre medidas de distanciamento e isolamento sociais, aquelas autoridades com a falta de competência que as caracteriza (há exceções...no Brasil inteiro deve haver, se muito, uma dez) meteram os pés pelas mãos, promulgaram medidas contraditórias = foram muitas, sendo uma das mais comuns, incluindo na região metropolitana da capital paulista,  em um lado da rua tudo aberto e no outro lado tudo fechado, teve um shopping que as lojas de um lado do corredor abriram e as do outro não !!!
Deu tudo errado e agora atribuem responsabilidade ao presidente pelo fracasso do fecha tudo meia boca - a responsabilidade é deles,o presidente não interferiu, a suprema decisão atou suas mãos.
Esse imbróglio só será resolvido pelo TPI, quando chegar a hora de apurar quem fez o que, quem deixou de fazer e quem impediu que fosse feito???]

Cármen e Nunes Marques
O pedido de vista do ministro Nunes Marques alegrou o Planalto, pois a suspeição de Sergio Moro seria mais uma cereja no bolo de Lula. À primeira vista, as coisas são assim, mas se a ministra Cármen Lúcia mudar seu voto, acompanhando Gilmar Mendes, a manobra falha e carboniza Nunes Marques. A menos que ele se antecipe, condenando Moro.[qualquer brasileiro se consultado opinará que o Brasil é terra da INsegurança jurídica, sob a liderança da Suprema Corte.
Certamente, tal insegurança será reduzida, com uma medida simples: acabar com a faculdade dos ministros do STF mudarem seu voto, ainda que tenha sido proferido bem antes da mudança - os ministros do STF não são eleitos, mas o povo, o eleitor, que paga as contas,  não pode mudar o voto; qual o motivo de um ministro do STF ter plenos poderes para mudar mudar, quando lhe aprouver? será uma maneira de criar suspense?]

Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, jornalista - MATÉRIA COMPLETA
 

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Duas caixas de segredos - Eliane Cantanhêde

Guerra contra a operação não é só da Procuradoria Geral da República nem é só contra a força-tarefa de Curitiba

Se a Lava Jato é uma ‘caixa de segredos’, como diz Aras, guerra contra ela também é

A guerra contra a Lava Jato não é só da Procuradoria Geral da República nem é só contra a força-tarefa de Curitiba. O procurador-geral Augusto Aras é o líder ostensivo e porta-voz, mas o ataque à maior operação de combate à corrupção do mundo vai muito além dele, incluindo Congresso e parte de Supremo, OAB, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e da própria mídia. É um movimento combinado e visa Curitiba, São Paulo e Rio.

Ninguém questiona a fala de Aras sobre “correção de rumos” e “garantias individuais”, mas é preciso ficar claro se, por trás, não está em curso o desmanche da Lava Jato, punir e demonizar seus expoentes, impactar processos em andamento e até anular condenações já em execução. Ou seja, se a intenção é acabar com “excessos”, “hipertrofia”, investigações indevidas, dribles em leis e regras – que podem efetivamente ter ocorrido –, ou desfazer tudo e demolir, por exemplo, o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Enquanto Aras ataca a Lava Jato por atacado, seus aliados agem no varejo contra Moro e Dallagnol. No Supremo, Dias Toffoli propõe que magistrados só disputem eleições após quarentena de oito anos. Na Câmara, Rodrigo Maia acata a ideia – e já para 2022. É para cortar uma candidatura Moro pela raiz? [digamos que seja para evitar que o'herói' Moro seja derrotado em 2022 - os acertos dele, quando juiz, motivam a evitar que passe por tal constrangimento.] Do PT ao Centrão, passando por MDB e PSDB, levante o dedo quem apoia Moro e Lava Jato no Congresso!

Simultaneamente, entra em ação o CNMP. O conselheiro Marcelo Weitzel determinou intervenção na distribuição de processos no MP Federal de São Paulo, visando os que têm o carimbo da Lava Jato. Outro, Luiz Fernando Bandeira, pretende retirar Dallagnol da força-tarefa de Curitiba, por ter sugerido um fundo lavajatista com bilhões de reais recuperados do petrolão. Além disso, Dallagnol também foi pivô das mensagens hackeadas entre procuradores e Moro. Esses movimentos contra a Lava Jato vêm num crescendo. O marco foi a ida da subprocuradora-geral Lindora Araujo a Curitiba para requisitar todo o arquivo e rastrear os equipamentos da força-tarefa. Em seguida, o vice-procurador Humberto Jacques criticou o modelo da operação como “desagregador”, “disruptivo” e “incompatível com o MPF”.

Foi aí que Toffoli autorizou a PGR a centralizar em Brasília todos os arquivos de Curitiba, Rio e São Paulo. Segundo Aras, o MPF inteiro tem 50 terabites de dados e Curitiba, sozinha, 350. É com base nessa documentação fenomenal que ele e sua equipe – que até aqui só jogam no ar suspeitas vagas – pretendem comprovar que o chamado “lavajatismo” grampeava pessoas e investigava alvos com foro privilegiado ilegalmente, usava conduções coercitivas como tortura psicológica, aceitava e compensava excessivamente qualquer delação premiada, dispensando provas daqui e dali.

Ao condenar o suposto “vale tudo” da Lava Jato, porém, a PGR e seus aliados podem estar justamente recorrendo a um “vale tudo” para desmontar as estruturas e demonizar os líderes da Lava Jato, numa repetição do que ocorreu contra a Operação Mãos Limpas, que passou de grande sucesso a triste derrota na Itália. Além disso, há o risco natural da centralização de dados na capital: o uso político. Hoje, o procurador é Aras. E amanhã?

Onde fica o presidente Bolsonaro nisso tudo? Depois de meter a mão no Coaf, mexer os pauzinhos na Receita, romper com Moro [que agia como quinta coluna contra o presidente;
aceitem que dói menos:  o presidente da República NÃO É OBRIGADO a escolher como Procurador-geral, nome imposto pelos membros do MPF - pode desprezar (aliás, fez) desprezar a lista tríplice ou qualquer outra.]
e ser investigado por suspeita de intervenção na PF, ele escolheu Aras fora da lista tríplice e reforça a percepção de uma união de Judiciário, Legislativo e Executivo contra a Lava Jato – que, entre erros e acertos, foi [foi = passado; a Lava-Jato não pode ser elevada à condição de instituição.] importantíssima para o País. E, se a Lava Jato é uma “caixa de segredos”, como diz Aras, a articulação contra ela também é. E seus segredos podem ser bem mais cabeludos.

 Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo

sábado, 5 de outubro de 2019

O Ministério Político - Folha de S. Paulo

Demétrio Magnoli

Constituição de 1988 criou um poder sem controle externo e sem limites jurisdicionais

Quanto vale a palavra de Rodrigo Janot? O então procurador-geral entrou armado no STF com a finalidade de matar Gilmar Mendes e, na sequência, tirar sua própria vida. Verdade? Mentira? Delírio de um mitômano? No fundo, pouco importa. O conto deve ser lido alegoricamente, como parábola de uma colisão engendrada há três décadas, na hora em que os constituintes esculpiram o atual Ministério Público.

Nos artigos 127, 128 e 129, a Constituição criou um poder sem controle externo e sem limites jurisdicionais. [o MP nos moldes criados pela Constituição se alinha a outras 'genialidades' da 'constituição cidadã' que, são inúmeras, destacamos:
- o artigo 5º:  o absurdo de constitucionalizar uma regra que só cria direitos sem estabelecer a contrapartida (pesos e contrapesos) de deveres;
 
- criar o MP, nos moldes de um 4º Poder,  - inexistente no texto constitucional -  pairando sobre o Estado, impondo regras - quando cabe a ele mais fiscalizar que determinar] O MP paira sobre o Estado, não respondendo a nenhum dos três Poderes. [o fato de não responder a nenhum dos Poderes, o coloca acima e na condição de O Poder dos Poderes.] Nas suas próprias palavras, opera como “uma espécie de Ouvidoria da sociedade brasileira”, exercendo a “tutela dos interesses públicos, coletivos, sociais e difusos”. Dito de outro modo, o MP não seria uma Ouvidoria da aplicação das leis, mas um tradutor do “interesse geral”.

Ninguém percebeu à época, mas dava-se à luz um Partido, com “P” maiúsculo —isto é, uma entidade política singular, que supostamente representa toda a sociedade e não precisa passar pelo filtro das urnas. O MP tornou-se um recipiente perfeito para gerações de jovens promotores e procuradores engajados na reforma social por meio do sistema de justiça. Política é a arte de explicitar e solucionar as divergências por vias pacíficas. As divergências que atravessam as sociedades coagulam-se em partidos. Nos sistemas totalitários, elas não desaparecem, emergindo sob a forma pervertida de facções clandestinas no interior do partido único.

O MP, concebido como Partido, fragmenta-se necessariamente em diferentes partidos, que refletem traduções conflitantes do “interesse geral”. O Ministério Político não é um, mas vários. Pela esquerda, em 1991, surgiu o chamado Ministério Público Democrático (MPD), hoje com mais de 300 associados. Pela direita, em 2018, nasceu o chamado Ministério Público Pró-Sociedade, que organiza seu 2º Congresso Nacional. “Nós dois lemos a Bíblia noite e dia, mas tu lês preto onde eu leio branco” (William Blake). Os dois leem as mesmas leis, mas cada um as interpreta segundo seu programa político particular.

O Janot do conto, pistoleiro suicida, encontra seu lugar no Janot da história. O momento de seu propalado gesto de loucura inscreve-se numa sequência de atos políticos: no 8 de maio de 2017, o procurador-geral pediu a suspeição de Gilmar no caso Eike Batista; no dia 17, vazou o áudio do diálogo explosivo entre Joesley Batista e Michel Temer; no 23, publicou um artigo de denúncia do “estado de putrefação de nosso sistema de representação política”.

Numa “estranha aliança do sublime com o obsceno (Octavio Paz), o cavaleiro andante da limpeza pública faria a justiça verdadeira com o projétil de uma pistola, eliminando a justiça monstruosa, corrompida, inventada pela Constituição.
A vocação dos partidos é perseguir a conquista do poder. Naquele maio, Janot construía o trampolim de sua candidatura presidencial, fincando-o sobre um pacto profano com Joesley Batista.

A politização do MP atingia um clímax, empurrando seu chefe à guerra aberta com o Executivo e à uma tentativa, no fim frustrada, de submeter a seus desígnios o Congresso e o STF.  Quatro meses depois do pedido de suspeição de Gilmar, um desmoralizado Janot ergueu a bandeira branca e, em gesto de rendição, solicitou a revogação da imunidade de Joesley. A colisão do Ministério Político com as instituições não desaparece junto com a desgraça do ex-procurador-geral. Hoje, a candidatura presidencial de Sergio Moro concentra o projeto de poder do Partido dos Procuradores. A nossa Operação Mãos Limpas, tão necessária, dissolve-se numa lagoa viscosa e ilegalidades, um pesque-pague para as defesas de corruptos e corruptores. O conto de Janot, mais que roteiro potencial de um filme, é uma lição política. Vamos estudá-la?

Demétrio Magnoli, sociólogo - Folha de S. Paulo 
 
 

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Guzzo define o STF: “a maior força a favor do crime”

Guzzo define o STF: “a maior força a favor do crime”

O jornalista José Roberto Guzzo, objetivo, direto e sem rodeios, definiu com precisão o Supremo Tribunal Federal, após a esdrúxula decisão desta quinta-feira (26).
Por 6 a 4, o plenário da corte anulou a condenação na Lava Jato do ex-gerente da Lava Jato Márcio Ferreira. Trata-se de uma nova ordem processual, decidida pela Corte após a condenação do réu. Além de legislar, o STF dá poderes retroativos a sua decisão.

A PGR pediu que essa nova ordem, criada pelo STF e não prevista em lei, só seja aplicada daqui para frente, sem afetar processos já julgados.

A decisão deve ocorrer no próximo dia 02.
Sobre a questão, eis a brilhante conclusão de J.R. Guzzo:

“O STF deu mais uma prova de que é a maior força a favor do crime hoje em atuação no Brasil. A anulação de sentenças porque o ‘réu delator’ falou depois do ‘réu delatado’ — sem que se prove prejuízo algum para o condenado — é uma alucinação jurídica e um prêmio ao criminoso.”

Jornal da Cidade - Online

Votação da STF representa grande risco para a Lava Jato, alerta ministro Luís Barroso

Luís Roberto Barroso, Ministro do STF, alertou durante seu discurso no julgamento do habeas corpus que pode enterrar a Lava Jato para ‘o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar a corrupção que não é fruto de pequenas fraquezas humanas, de pequenos desvios individuais”.


Barroso  votou contra a anulação de sentenças da Lava Jato, mas seu voto não foi o suficiente para impedir a anulação da condenação do ex-gerente da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira. As consequências da anulação podem representar um grande risco para a Lava Jato.Não há como o Brasil se tornar desenvolvido e furar o cerco da renda média com os padrões de ética pública e de ética privada praticados aqui. Nós precisamos romper. E as instituições precisam corresponder às demandas da sociedade, dentro da Constituição e dentro da lei, por evidente”, afirmou Barroso.
JANAÍNA PASCHOAL
Estou, desde cedo, respondendo e-mails de pessoas sem esperanças.  Algumas falam em deixar o país, outras em parar de pagar os impostos, por meio de uma desobediência civil. Várias indagam o que pode ser feito...

Na Itália, segundo consta, o golpe à Operação Mãos Limpas veio do Poder Legislativo. No Brasil, pelo que se desenha, a destruição da Operação Lava Jato (e de outras tantas Operações) virá do Judiciário.

A situação se revela bem mais grave!
O Supremo Tribunal Federal haveria de ser o guardião da ordem jurídica. Peço, encarecidamente, que os Ministros prestem atenção ao sentimento de indignação e desânimo que está tomando conta das pessoas. Esse sentimento não é bom para nenhuma nação. Preocupante tudo isso.

Conseguem dimensionar o significado de um Procurador Geral da República ter pensado seriamente em matar um Ministro do Supremo Tribunal Federal?
Hoje, o Supremo Tribunal Federal tem a esperança de um povo nas mãos.

A advogada constitucionalista Vera Chemim comentou o “ativismo judicial” do STF, que tirou da cartola uma manobra para anular os processos da Lava Jato:

A Corte criou uma nova jurisprudência, uma vez que a legislação existente não prevê a possibilidade de prazos ‘sucessivos’ para réus delatados e por esta razão, não os diferencia dos réus delatores.

Independentemente da hermenêutica aplicada ao presente caso em face das normas legais, depreende-se que aquela decisão constitui um ativismo judicial, em razão de a legislação não conter uma ‘lacuna’ que poderia servir de fundamento para aquela criação jurisprudencial (…).

É possível que a Corte tome uma decisão mais condizente com a realidade daqueles processos, no sentido de somente admitir a sua anulação se a defesa já tivesse feito o pedido de apresentação das alegações finais dos réus delatados, ainda na Primeira Instância.

Neste caso, os demais processos seguiriam normalmente, inclusive aqueles que já tenham sido julgados em instâncias superiores, como é o caso do primeiro processo do ex-presidente Lula.”

Notícias Agrícolas/Políticas  - política economia


sábado, 28 de setembro de 2019

Disputa pelo poder - Merval Pereira

O Globo

A disputa de poder entre o Supremo e o MP

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), criando uma interpretação jurídica que equipara os réus que fizeram delação premiada a “auxiliares de acusação”, é mais uma etapa da disputa de espaço político entre ministros de tribunais superiores e o Ministério Público, que teve na escolha do novo Procurador-Geral da República Augusto Aras uma indicação importante.

O rabo não pode abanar o cachorro, gosta de dizer o ministro Gilmar Mendes em relação à Lava-Jato. Para muitos, a Operação baseada em Curitiba virou, ou tenta virar, uma instituição que se pretende intocável. Como tudo nessa vida é politica, especialmente no Brasil de hoje, desmontar a Lava-Jato ajuda até mesmo o Palácio do Planalto a conviver melhor com o Legislativo, onde está grande parte dos alvos de investigações e processos sobre corrupção.

Em troca, o presidente Bolsonaro protege seu filho Flávio das investigações sobre supostas ilegalidades quando era deputado no Rio, e tenta garantir a aprovação do outro filho, Eduardo, para embaixador em Washington.  Há percalços, no entanto. Para quem se elegeu muito em cima da pauta anticorrupção, fica cada vez mais difícil convencer boa parte de seu eleitorado de que seus compromissos nessa área estão mantidos.
A relação de morde e assopra com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é parte desse paradoxo. Figura mais popular do governo justamente por sua atuação na Lava-Jato, Moro voltou a ser um sustentáculo para Bolsonaro, que vem caindo de popularidade.

Citou-o no discurso da ONU como um ícone do combate à corrupção no Brasil, o que demonstra que o prestigio de Moro está intocado no exterior, mesmo depois das revelações [sic] de suas conversas com os procuradores de Curitiba. O governo começou também uma campanha a favor do pacote anticrime que está encontrando reações no Legislativo. Essa mesma disputa de poder aconteceu na Itália devido à operação Mãos Limpas, espelho para o então juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba.

Assim como cá, lá também houve uma intensa campanha de desmoralização dos procuradores e tentativas diversas, que acabaram dando certo, de coibir o alcance da ação do Ministério Público.  O caso do ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, que confessou ter tentado assassinar o ministro Gilmar Mendes, do STF, é inacreditável. Um sincericídio que terá graves repercussões para sua própria vida futura, é também retroativamente grave, pois coloca em dúvida sua saúde mental e pode desmoralizar os atos de sua gestão à frente da PGR.  Confessou um crime, tentativa de assassinato, e já começa a ser investigado. Para piorar a situação, há a desconfiança de que falou sobre isso, anos depois, para fazer propaganda sensacionalista do livro que está lançando, intitulado “Nada menos que tudo”.

O ministro Gilmar Mendes foi subindo de tom durante o dia, sobretudo através de declarações nas redes sociais, e definiu a situação utilizando-se de um paralelo: “Para quem se propõe a matar um juiz, assassinatos de reputação não são nada”, voltando a acusar Janot de ter usado o Ministério Público para fins políticos.  Uma luta de poder, para neutralizar o Ministério Público e a Lava-Jato, que vem sendo turbinada por casos como o de Janot, ou as conversas reveladas pelo site Intercept Brasil entre os procuradores de Curitiba e o ministro Sérgio Moro.
Os diálogos não contém nenhuma ilegalidade, nada que demonstre que as condenações se basearam em provas criadas, provas forjadas. Não há uma indicação de que o ex-presidente Lula não cometeu os crimes pelos quais foi condenado. Estamos diante de uma questão moral, mais do que jurídica.

Ao verem reveladas partes de conversas em situações privadas, os investigadores se fragilizam para defender suas posições, embora tecnicamente não haja nada de errado. Além do mais, prova ilícita só pode ser usada a favor do réu. No caso das interceptações das conversas pelo Telegram, não há nenhuma prova de que ele foi prejudicado, nada a favor dele, só a questão moral. Considero muito difícil anular um julgamento por uma questão moral, que não interferiu no resultado. Se imaginarmos uma gravação durante meses nos telefones de políticos, ministros, jornalistas, advogados, empresários, quem pode garantir que não haverá comentário politicamente incorreto, ou que possa ser considerado indevido? 

Merval Pereira, jornalista - O Globo


domingo, 1 de setembro de 2019

O inferno de Moro, uma tragédia brasileira- Elio Gaspari





Folha de S. Paulo - O Globo

Há dois anos seria forte candidato à Presidência; hoje é uma fritura ambulante

Ministro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário

Quando decidiu largar a toga, trocando o altar da Lava-Jato pelo serpentário de Brasília, Sergio Moro fez uma escolha arriscada. Ele havia se tornado um símbolo da luta contra a corrupção, mandando para a cadeia gente convencida de que aquilo era lugar de preto e de pobre. Na última quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro chamou-o de “patrimônio nacional”, mas Moro e as paredes do Planalto sabem que há poucas semanas ele o chamava de outra coisa. Quem já fritou um bife sabe que é preciso virar a carne, para não queimá-la. Moro é hoje uma fritura ambulante. Fritam-no (ou frita-se) no Planalto, no Congresso e no Judiciário. 

[atualizando: a matéria sobre a fritura do ministro Sérgio Moro tem como fonte principal supostos diálogos que constam da divulgação pelo site intercept = intercePTação - que continuam sendo produto de crime e sem autenticidade comprovada. 
Essa atualização se torna oportuna devido as tais conversas já estarem no lixo do esquecimento.]


Há dois anos ele seria um forte candidato na disputa pela Presidência da República. Essa viagem do paraíso ao inferno é uma tragédia brasileira que aponta para algo maior que ele. Mostra os vícios de soberba inerente à ideia do “faço-porque-posso”. Em 2004, antes de se tornar famoso, o juiz Sergio Moro escreveu um artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana e disse o seguinte: “Os responsáveis pela Operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. (...) A investigação da ‘Mani Pulite’ vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no ‘L’Expresso’, no ‘La Repubblica’ e outros jornais e revistas simpatizantes. (...) Os vazamentos serviram a um propósito útil.” 

Moro e os procuradores da Lava-Jato repetiram a mágica. Agora queixam-se de vazamentos, e o ministro da Justiça lastimou que seus projetos “não têm tido a necessária exposição na imprensa”. O doutor não percebeu a mudança climática a que se submeteu trocando Curitiba por Brasília. Era um juiz que encarnava o combate à roubalheira e, junto com os procuradores, era também a melhor fonte de notícias. 

Afinal, era preferível ouvir Moro ou Deltan Dallagnol a dar crédito às patranhas virginais de empreiteiros ou de comissários petistas. Moro, Dallagnol e os procuradores sempre souberam que seus serviços seriam avaliados nas cortes superiores de Brasília. Confiaram numa inimputabilidade que lhes seria concedida pela opinião pública, até que vieram as revelações do The Intercept Brasil e, acima de tudo, a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou a sentença de 11 anos de prisão imposta a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil.


Os inimigos do procurador Dallagnol acusavam-no de manipular a fama com palestras bem remuneradas, mas ninguém seria capaz de supor que de 20 palestras vendidas entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2019, cinco fossem patrocinadas pelo plano de saúde Unimed, com um tíquete médio de R$ 32 mil. Em setembro de 2018 o procurador queria ir à Bahia e perguntou a uma agenciadora: “Será que a Unimed Salvador não quer me contratar para uma palestra na semana de 24 de setembro?” (A Lava-Jato passou ao largo dos planos de saúde.) 

Dallagnol fez o que achava que podia fazer. Desde o aparecimento das mensagens obtidas pelo Intercept, os procuradores da Lava-Jato e Sergio Moro encastelaram-se numa defesa suicida de silêncio e negação. Danificaram a alma da Lava-Jato com a soberba do encastelamento que levou as empreiteiras e os comissários do PT à ruína e à cadeia.Para Moro, a conta do “faço-porque-posso” veio na semana passada, com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. 


Alberto Toron estava certo
No dia 19 de janeiro de 2018 o advogado Alberto Toron, defensor de Aldemir Bendine, encaminhou ao então juiz Sergio Moro um pedido para que seu cliente apresentasse seus argumentos finais depois de conhecer os memoriais de Marcelo Odebrecht e de outros colaboradores que o acusavam de receber propinas. Toron argumentava que eles eram réus, mas haviam se transformado em acusadores, em situação que “se assemelha ao papel de um assistente do Ministério Público”. Quatro dias depois, Moro negou o pedido. Pouco custava aceitá-lo. Sua decisão foi ratificada em duas instâncias superiores, até que na semana passada, por três votos contra um, a Segunda Turma do STF anulou a sentença de Moro que condenou Bendine a 11 anos de prisão, por ter cerceado sua defesa. Talvez o resultado fosse, quatro a um, se o ministro Celso de Mello estivesse na sessão.


Vale a pena voltar no tempo. Na véspera do pedido de Toron, dois procuradores da Lava-Jato discutiam o projeto de colaboração do ex-ministro Antonio Palocci e achavam que ele estava enrolando. Um deles cravou: “Pensamos numa entrevista com o candidato, colocando de modo claro que ou ele melhora, ou vai cumprir pena.”
Moro rebarbou o pedido de Toron no dia 23. Dois dias depois os procuradores da Lava-Jato romperam as negociações com Palocci, que começou a negociar uma colaboração com a Polícia Federal. 


Uma coisa nada teve a ver com a outra, mas ambas tiveram a ver com o “faço-porque-posso”. Moro achou que podia, assim como Palocci achou que podia oferecer sua colaboração à Polícia Federal. Conseguiu, e em abril fechou seu acordo com a PF. Daí em diante, num ano eleitoral, as revelações de Palocci começaram a vazar.
Os dois “faço-porque-posso” encontraram-se no dia 1º de outubro, seis dias antes da realização do primeiro turno da eleição presidencial, quando Sergio Moro divulgou o teor de um anexo da confissão de Antonio Palocci à PF. Como logo disse uma procuradora, “o acordo é um lixo”, mas teve eficácia eleitoral. Moro fez porque podia.


Semanas depois Jair Bolsonaro foi eleito, e Moro aceitou o convite para o Ministério da Justiça. (Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o primeiro “contato” da equipe de Bolsonaro com Moro ocorreu antes de segundo turno.)
Achavam, mas não podiam. 

(...)


Rodrigues Alves

Bolsonaro repete que quem manda no governo é ele. Faria bem se refletisse sobre o que dizia o grande presidente Rodrigues Alves (1902-1906): Meus ministros fazem tudo o que eles querem, menos o que eu não quero que eles façam.



Elio Gaspari, jornalista - Folha de S. Paulo - O Globo