“Passados 100 dias de mandato, a liderança de Bolsonaro na
equipe que formou começa a dar sinais de esgarçamento; não há sintonia
entre o racional-legal, o carisma e a tradição”
Ao estudar os tipos de liderança existentes na sociedade, o filósofo e
sociólogo alemão Max Weber buscou o arquétipo das lideranças
carismáticas no guerreiro bárbaro: o mais valoroso, audaz e astucioso
seria escolhido para chefe, porque as mais dolorosas experiências
ensinaram que, sem chefe para a batalha, a horda levaria a pior, seria
derrotada e dizimada pelo inimigo implacável. Entretanto, Weber amplia
essa tipificação da dominação carismática para os profetas e os
demagogos e a contextualiza no processo civilizatório, no qual o
exercício do poder exige legitimidade e legalidade.
Grosso modo, as lideranças carismáticas estão associadas a
revoluções: Robespierre, Marat e Danton na Revolução Francesa; Oliver
Cromwell na Revolução Puritana; e Martinho Lutero na Reforma
Protestante.
Ou a regimes autoritários: Benito Mussolini, na Itália; e
Adolf Hitler, na Alemanha. Mas isso é relativo, porque já exerciam esse
tipo de liderança antes de chegarem ao poder. No Brasil, os exemplos
clássicos de lideranças carismáticas são encontrados nos sertões do
Nordeste, com Lampião, Antônio Conselheiro e Padre Cícero; na política,
em Getúlio Vargas, Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola e o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
[Os três primeiros só realizaram façanhas, caso os assaltos perpetrados por Lampião contra sertanejos indefesos e as loucuras do Conselheiro sejam qualificadas como façanhas, o terceiro é fruto da mistura religião x fanatismo x política, o quarto se destacou pela capacidade de após ser ditador ter sido eleito presidente da República, Brizola não merece sequer comentário e Prestes foi um nojento traidor.
- A
liderança do presidiário Lula não se deve a façanhas por ele
realizadas, já que sua única atividade durante sua vida pública, antes
de se tornar presidente, foi a traição aos colegas metalúrgicos - tanto
que era informante, codinome 'boi' do delegado-geral do DOPS na época - e
após passar a ser presidente foi comandar uma organização criminosa =
pt = perda total = cujo único objetivo era o assalto aos cofres
públicos.]
Essas lideranças ganharam fama devido às façanhas que realizaram e
aos meios de comunicação, a chamada grande imprensa, o rádio e a
televisão.
O presidente Jair Bolsonaro é uma novidade: seu carisma está
associado à emergência das redes sociais. O problema da liderança
carismática quando chega ao poder pelo voto, porém, são os de sempre: a
legitimidade e a legalidade. É aí que as coisas começam a se complicar.
Num governo democrático, não basta o carisma popular do líder, é preciso
que ele exerça a liderança pela competência na tomada de decisões e
pela capacidade de coordenação de sua própria equipe.
O Estado democrático moderno é uma forma de dominação legal-racional
muito sofisticada, cuja legitimidade se estabelece constitucionalmente.
Conta com uma burocracia estruturada, com competências, limites e
funções exclusivas e bem definidas, que opera de acordo com as
atribuições do cargo e não a partir da fulanização das relações de
poder, que é uma espécie de “humanograma” estabelecido a partir de
critérios extralegais, ou seja, de acordo com os caprichos do líder.
Esgarçamento
Boa parte dos problemas do governo Bolsonaro decorre dessa
contradição entre o exercício de uma dominação carismática, de um lado, e
necessidade de respeitar as regras do jogo para que as coisas deem
certo. No momento,
na máquina administrativa, a opção de Bolsonaro é
virar a mesa para domar a burocracia. Para isso, recorre aos militares,
mais afeitos à hierarquia legal-racional, mas viciados no
“quem manda
aqui sou eu”, e aos partidários ideológicos, cuja maioria é neófita nos
jogos de poder e está mais perdida do que cachorro que caiu do caminhão
de mudanças.
Outra dificuldade enfrentada por Bolsonaro está na sua relação com as
lideranças tradicionais, ou seja, a maioria dos políticos e, perdão
para o
“tipo ideal”, a magistratura. O velho patriarcado brasileiro, que
se reproduz secularmente, ainda é uma força decisiva no Congresso e
está encastelado no Judiciário, haja vista os sobrenomes que desfilam
pelo Congresso ou lideram as bancas de advocacia.
Nem mesmo o partido de Bolsonaro foge à regra, muito bem representado
na bancada do PSL pelo
príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança,
deputado federal eleito por São Paulo, trineto da princesa Isabel e
tetraneto do imperador Dom Pedro II. Preterido pelo general Hamilton
Mourão (PRTB) para o posto de vice, faz parte do grupo de amigos de
Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente da República.
Mourão, a propósito desse conflito, volta à ribalta das disputas
palacianas ao dar um chega pra lá no ideólogo do clã Bolsonaro, Olavo de
Carvalho, que verbaliza o que os filhos do presidente pensam sobre os
militares que tentam tutelar seu pai. No domingo, um vídeo no site do
presidente da República exibia fortes críticas do guru aos militares;
ontem, Mourão respondeu ao ataque, mandando Olavo cuidar de astrologia,
para não falar outras coisas.
No fim da tarde, o porta-voz Otávio do Rêgo Barros divulgou nota do
presidente Jair Bolsonaro, na qual afirma que as declarações
“não
contribuem para a unicidade de esforços e consequente atingimento de
objetivos propostos em nosso projeto de governo”; ao mesmo tempo,
destaca que Olavo
“teve um papel considerável na exposição das ideias
conservadoras que se contrapuseram à mensagem anacrônica cultuada pela
esquerda e que tanto mal fez ao país”. Passados 100 dias de mandato, a
liderança de Bolsonaro na equipe que formou começa a dar sinais de
esgarçamento; não há sintonia entre o racional-legal, o carisma e a
tradição.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB