“A crise exacerba os conflitos sociais e regionais, por falta de um objetivo mobilizador da sociedade. O Brasil perdeu a utopia do país do futuro, a sacada genial de Stefan Zweig”
Duas das consequências da globalização estão sendo o aprofundamento
das desigualdades e o esgarçamento das democracias no mundo. Num cenário
de revolução tecnológica, em que a modernização da economia passou a
ser uma condição para o crescimento econômico, a reinvenção dos Estados
nacionais tornou-se um imperativo. É aí que certas contradições se
acirram profundamente; o Brexit e a vitória do conservador Boris Johnson
nas eleições britânicas de ontem confirmam essa tendência.
Aqui no Brasil, a política reflete de maneira particular essas contradições. Desde a abertura comercial do governo Collor, decorrência do esgotamento do modelo de substituição de importações, o Brasil vive uma crise de financiamento de sua infraestrutura, que se tornou um grande gargalo para a retomada do crescimento. Nossa vocação natural de país exportador de commodities agrícolas e minerais nos garante um papel relevante na divisão internacional de trabalho, mas isso não basta, porque outra face dessa integração à economia mundial está sendo a desindustrialização, a concentração de renda e o desemprego em massa.
A tentativa de enfrentar essa contradição com uma política industrial inspirada no velho modelo de substituição de importações e com o capitalismo de estado, no segundo mandato do então presidente Luiz Inácio Lula das Silva e no governo Dilma, a política de “campeões nacionais” e a “nova matriz econômica” fracassou. Somente agora, muito lentamente, graças a medidas tomadas durante o governo de Michel Temer e à aprovação da reforma da Previdência, além de algumas ações do governo Bolsonaro, a economia começa a dar sinais de recuperação. Entretanto, ainda estamos muito longe de resolver os gargalos da infraestrutura, do desemprego e das desigualdades.
Falta ao Brasil de hoje um projeto de nação. Desde a Independência, sob a liderança do patriarca José Bonifácio, sempre houve uma parcela da elite nacional empenhada em construir um projeto de país. Na República, em alguns momentos, isso ocorreu por uma via autoritária, como no Estado Novo e durante o regime militar; em outros, por uma via democrática, como nos governos Vargas e Juscelino Kubitscheck. A ausência desse projeto, de certa forma, alimenta os fantasmas do positivismo autoritário. E certo saudosismo reacionário em relação à superexploração megalômana de nossas riquezas naturais.
Esgarçamento social
A ausência de projeto de nação é um terreno fértil para a desesperança e a segregação da sociedade, o que favorece a radicalização política e ideológica e a emergência de projetos de natureza autoritária. Um projeto de nação, nas condições atuais, não pode ser a recidiva do nacional-desenvolvimentismo, que tanto serve à esquerda como à direita radicais. Nas condições atuais, significa a construção de um novo modelo de desenvolvimento, economicamente robusto, tecnologicamente inovador e socialmente mais justo.
Isso exige um amplo debate, pois nenhuma força política, isoladamente, seja no governo, seja na oposição, será capaz de construir um novo consenso nacional, com o necessário engajamento social. O quadro de desigualdades regionais, iniquidades sociais e radicalização política gera estranhamento da maioria da população em relação aos partidos políticos e às instituições governamentais. É uma situação em que o Estado brasileiro, para grandes parcelas da sociedade, é considerado muito mais um estorvo do que um agente transformador das condições de vida da população para melhor.
Qual é a identidade do brasileiro atual? A crise exacerba os conflitos sociais e regionais, por falta de um objetivo mobilizador da sociedade. O Brasil perdeu a utopia do país do futuro, a sacada genial de Stefan Zweig, o escritor, romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo austríaco de origem judaica que escreveu um livro dedicado ao ufanismo nacional. Nesse vácuo, a sociedade perde a perspectiva do avanço, o brasileiro enxerga com lente de aumento as suas divergências e já não se reconhece plenamente como um povo só e indivisível. Essa é a maior ameaça.
Feliz Natal — o colunista se ausentará deste espaço por breve período.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense
Aqui no Brasil, a política reflete de maneira particular essas contradições. Desde a abertura comercial do governo Collor, decorrência do esgotamento do modelo de substituição de importações, o Brasil vive uma crise de financiamento de sua infraestrutura, que se tornou um grande gargalo para a retomada do crescimento. Nossa vocação natural de país exportador de commodities agrícolas e minerais nos garante um papel relevante na divisão internacional de trabalho, mas isso não basta, porque outra face dessa integração à economia mundial está sendo a desindustrialização, a concentração de renda e o desemprego em massa.
A tentativa de enfrentar essa contradição com uma política industrial inspirada no velho modelo de substituição de importações e com o capitalismo de estado, no segundo mandato do então presidente Luiz Inácio Lula das Silva e no governo Dilma, a política de “campeões nacionais” e a “nova matriz econômica” fracassou. Somente agora, muito lentamente, graças a medidas tomadas durante o governo de Michel Temer e à aprovação da reforma da Previdência, além de algumas ações do governo Bolsonaro, a economia começa a dar sinais de recuperação. Entretanto, ainda estamos muito longe de resolver os gargalos da infraestrutura, do desemprego e das desigualdades.
Falta ao Brasil de hoje um projeto de nação. Desde a Independência, sob a liderança do patriarca José Bonifácio, sempre houve uma parcela da elite nacional empenhada em construir um projeto de país. Na República, em alguns momentos, isso ocorreu por uma via autoritária, como no Estado Novo e durante o regime militar; em outros, por uma via democrática, como nos governos Vargas e Juscelino Kubitscheck. A ausência desse projeto, de certa forma, alimenta os fantasmas do positivismo autoritário. E certo saudosismo reacionário em relação à superexploração megalômana de nossas riquezas naturais.
Esgarçamento social
A ausência de projeto de nação é um terreno fértil para a desesperança e a segregação da sociedade, o que favorece a radicalização política e ideológica e a emergência de projetos de natureza autoritária. Um projeto de nação, nas condições atuais, não pode ser a recidiva do nacional-desenvolvimentismo, que tanto serve à esquerda como à direita radicais. Nas condições atuais, significa a construção de um novo modelo de desenvolvimento, economicamente robusto, tecnologicamente inovador e socialmente mais justo.
Isso exige um amplo debate, pois nenhuma força política, isoladamente, seja no governo, seja na oposição, será capaz de construir um novo consenso nacional, com o necessário engajamento social. O quadro de desigualdades regionais, iniquidades sociais e radicalização política gera estranhamento da maioria da população em relação aos partidos políticos e às instituições governamentais. É uma situação em que o Estado brasileiro, para grandes parcelas da sociedade, é considerado muito mais um estorvo do que um agente transformador das condições de vida da população para melhor.
Qual é a identidade do brasileiro atual? A crise exacerba os conflitos sociais e regionais, por falta de um objetivo mobilizador da sociedade. O Brasil perdeu a utopia do país do futuro, a sacada genial de Stefan Zweig, o escritor, romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo austríaco de origem judaica que escreveu um livro dedicado ao ufanismo nacional. Nesse vácuo, a sociedade perde a perspectiva do avanço, o brasileiro enxerga com lente de aumento as suas divergências e já não se reconhece plenamente como um povo só e indivisível. Essa é a maior ameaça.
Feliz Natal — o colunista se ausentará deste espaço por breve período.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense