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quarta-feira, 27 de maio de 2020

Bolsonaro e o artigo 142 da Constituição - Editorial - O Estado de S. Paulo

Presidente se esquece de que depende de aval do Congresso para fazer agir as Forças Armadas

Entre os diferentes temas que o presidente Jair Bolsonaro abordou na reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo foi exibido por autorização do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, um dos mais polêmicos foi o modo enfático como tratou da ordem jurídica e do regime democrático. “Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”, disse ele.

Com muitos incisos e parágrafos, esse dispositivo estabelece as diretrizes que regem as atividades militares. Mas o motivo que levou Bolsonaro a citá-lo foram as primeiras linhas, que definem as Forças Armadas como “instituições nacionais (...) que se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por qualquer iniciativa destes, da lei e da ordem”. Do modo enfático como citou esse artigo, o presidente passou a ideia de que as Forças Armadas estariam constitucionalmente autorizadas a intervir em qualquer momento, por convocação presidencial. Deu a entender, também, que as Forças Armadas seriam uma espécie de Poder Moderador, capaz de resolver impasses institucionais e arbitrar conflitos entre os Poderes.

[para esclarecer de uma vez por todas que o Presidente da República não precisa de aval do Congresso, ou do Judiciário, para empregar as Forças Armadas na garantia das leis e da ordem em território nacional, a leitura do citado artigo 142 deve ser efetuada em conjunto com a LeiComplementar nº 97,  9 junho 1999, no governo democrático de FHC, especialmente o artigo 15.
Da leitura, se constata, de forma inequívoca, que qualquer um dos Poderes pode, de forma isolada e individual, solicitar a intervenção das Forças Armadas.

Fica bem claro que partindo a requisição de intervenção  do Poder Judiciário e/ou Legislativo, deverá ser encaminhada ao Poder Executivo - presidente da República.]

Se essa foi realmente sua intenção, Bolsonaro está sendo mal assessorado no plano jurídico, pois a interpretação que faz do artigo 142 é inteiramente absurda. Esse dispositivo apenas estabelece as funções das Forças Armadas e os direitos e deveres dos militares no Estado Democrático de Direito. Em momento algum prevê qualquer possibilidade de “intervenção militar constitucional”. Também não contempla qualquer possibilidade de que o Senado, a Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal possam ser fechados pelos militares, quando conclamados pelo presidente da República. E, por fim, não confere a ele o poder de convocar as Forças Armadas por ato próprio e exclusivo, para garantir a lei e a ordem. Pela Constituição, as intervenções federais que o Executivo está autorizado a promover para a observância de princípios constitucionais dependem expressamente de autorização do Congresso Nacional.

[insistimos em que não deixem de ler a LC nº 99, especialmente, artigo 15.


Desse modo, apesar de o caput do artigo 142 afirmar que as Forças Armadas são instituições “organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema do presidente da República”, este não tem poderes absolutos. Ele pode ser o chefe da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, mas, para autorizá-los a agir, é preciso que o Poder Legislativo dê seu aval. Sem esse endosso formal as Forças Armadas não estão legalmente autorizadas a agir.

Além disso, Bolsonaro interpretou o artigo 142 de modo descontextualizado. Cometeu o equívoco de lê-lo sem levar em conta outros dispositivos conexos. É esse o caso do artigo 102, por exemplo, segundo o qual “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”. Em outras palavras, se cabe ao Legislativo autorizar o presidente da República a convocar as Forças Armadas para assegurar “a garantia dos poderes constitucionais”, cabe à mais alta Corte definir, em última instância, as balizas para a interpretação do artigo 142. Outro artigo desprezado pelo presidente da República é o artigo 23, segundo o qual “a guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas” não é prerrogativa exclusiva do Executivo federal, mas de “competência comum da União, dos Estados e dos Municípios”. Somos uma Federação e esse é um dos limites do Executivo federal.


Depois da divulgação da enfática defesa que o presidente fez do artigo 142, na reunião ministerial do dia 22 de abril, alguns militares repetiram seus argumentos. E as redes sociais divulgaram falas que Bolsonaro já fazia no mesmo sentido, em 2018. Diante dos absurdos que tem dito, fica evidente que tem de melhorar o quanto antes a qualidade de sua assessoria jurídica, para não deflagrar crises institucionais todas as vezes que abre a boca.

 Editorial -  O Estado de S. Paulo