Presidente se esquece de que depende de aval do Congresso para fazer agir as Forças Armadas
Entre os diferentes temas que o presidente Jair Bolsonaro abordou na reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo foi exibido por autorização do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, um dos mais polêmicos foi o modo enfático como tratou da ordem jurídica e do regime democrático. “Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”, disse ele.
Com muitos incisos e parágrafos, esse dispositivo estabelece as diretrizes que regem as atividades militares. Mas o motivo que levou Bolsonaro a citá-lo foram as primeiras linhas, que definem as Forças Armadas como “instituições nacionais (...) que se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por qualquer iniciativa destes, da lei e da ordem”. Do modo enfático como citou esse artigo, o presidente passou a ideia de que as Forças Armadas estariam constitucionalmente autorizadas a intervir em qualquer momento, por convocação presidencial. Deu a entender, também, que as Forças Armadas seriam uma espécie de Poder Moderador, capaz de resolver impasses institucionais e arbitrar conflitos entre os Poderes.
[para esclarecer de uma vez por todas que o Presidente da República não precisa de aval do Congresso, ou do Judiciário, para empregar as Forças Armadas na garantia das leis e da ordem em território nacional, a leitura do citado artigo 142 deve ser efetuada em conjunto com a LeiComplementar nº 97, 9 junho 1999, no governo democrático de
FHC, especialmente o artigo 15.
Da leitura, se constata, de forma inequívoca, que
qualquer um dos Poderes pode, de forma isolada e individual, solicitar a
intervenção das Forças Armadas.
Fica bem claro que partindo a requisição de intervenção do Poder Judiciário e/ou Legislativo, deverá ser encaminhada ao Poder Executivo - presidente da República.]
Se essa foi realmente sua intenção, Bolsonaro está sendo mal assessorado
no plano jurídico, pois a interpretação que faz do artigo 142 é
inteiramente absurda. Esse dispositivo apenas estabelece as funções das
Forças Armadas e os direitos e deveres dos militares no Estado
Democrático de Direito. Em momento algum prevê qualquer possibilidade de
“intervenção militar constitucional”. Também não contempla qualquer
possibilidade de que o Senado, a Câmara dos Deputados e o Supremo
Tribunal Federal possam ser fechados pelos militares, quando conclamados
pelo presidente da República. E, por fim, não confere a ele o poder de
convocar as Forças Armadas por ato próprio e exclusivo, para garantir a
lei e a ordem. Pela Constituição, as intervenções federais que o
Executivo está autorizado a promover para a observância de princípios
constitucionais dependem expressamente de autorização do Congresso
Nacional.
[insistimos em que não deixem de ler a LC nº 99, especialmente, artigo 15.
Desse modo, apesar de o caput do artigo 142 afirmar que as Forças
Armadas são instituições “organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob autoridade suprema do presidente da República”, este não
tem poderes absolutos. Ele pode ser o chefe da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica, mas, para autorizá-los a agir, é preciso que o Poder
Legislativo dê seu aval. Sem esse endosso formal as Forças Armadas não
estão legalmente autorizadas a agir.
Além disso, Bolsonaro interpretou o artigo 142 de modo
descontextualizado. Cometeu o equívoco de lê-lo sem levar em conta
outros dispositivos conexos. É esse o caso do artigo 102, por exemplo,
segundo o qual “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição”. Em outras palavras, se cabe ao Legislativo
autorizar o presidente da República a convocar as Forças Armadas para
assegurar “a garantia dos poderes constitucionais”, cabe à mais alta
Corte definir, em última instância, as balizas para a interpretação do
artigo 142. Outro artigo desprezado pelo presidente da República é o
artigo 23, segundo o qual “a guarda da Constituição, das leis e das
instituições democráticas” não é prerrogativa exclusiva do Executivo
federal, mas de “competência comum da União, dos Estados e dos
Municípios”. Somos uma Federação e esse é um dos limites do Executivo
federal.
Depois da divulgação da enfática defesa que o presidente fez do artigo
142, na reunião ministerial do dia 22 de abril, alguns militares
repetiram seus argumentos. E as redes sociais divulgaram falas que
Bolsonaro já fazia no mesmo sentido, em 2018. Diante dos absurdos que
tem dito, fica evidente que tem de melhorar o quanto antes a qualidade
de sua assessoria jurídica, para não deflagrar crises institucionais
todas as vezes que abre a boca.
Editorial - O Estado de S. Paulo
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