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terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Ameaças de Bolsonaro - O lado certo - Merval Pereira

O Globo

Em meio à vacinação atrasada, Bolsonaro ameaça o país com intervenção militar

Em meio à confusão promovida pelo seu governo no início atrasado da vacinação nacional contra a Covid-19, o presidente Bolsonaro achou tempo para fazer o que mais gosta: ameaçar o país com uma intervenção militar.  Na sua visão distorcida sobre a democracia, o presidente anunciou, e não pela primeira vez, que viver sob uma democracia ou uma ditadura é decisão das Forças Armadas. [Apontar uma prerrogativa que as Forças Armadas de qualquer país dispõe (exatamente pela condição de Forças Armadas) agora se chama ameaçar com intervenção militar?
Um exemplo desnecessário, mas vamos lá - as vezes apesar da clareza cristalina,  clarear mais se impõe:  suponhamos que as Forças Armadas dos Estados Unidos decidam, por seus comandantes, estabelecer uma ditadura autocrática  - quem vai impedir? a sociedade civil só exerce algum controle quando a, digamos, sociedade armada permite, aceita.
Se vale para os Estados Unidos, a maior democracia do mundo, vale para o Reino Unido, Alemanha, etc. Vale também para o Brasil.
Oportuno lembrar que são as Forças Armadas que garantem a Constituição Federal, por caber a elas a garantia dos poderes constitucionais - art. 142 da CF.]  Seria uma ofensa às próprias FFAA, pois elas existem justamente para defender a democracia, e não para acabar com ela.

Sempre ciosos de suas funções, os militares deveriam dar uma nota oficial tirando dos ombros da instituição tal decisão, pois, a ser verdade o raciocínio de Bolsonaro, implantar uma ditadura militar no Brasil é apenas questão de gosto. O uso dos militares para se defender quando sua atuação está sendo posta em dúvida é recorrente em Bolsonaro, e deveria ser rechaçado oficialmente. Bolsonaro não é mais um capitão do Exército, e sim um manipulador que se utiliza das FFAA com fins políticos.

Quando um General da Ativa como Pazuello concorda em defender tratamento precoce com cloroquina, ou mente ao dizer que nunca fez isso quando documentos do seu ministério mostram o contrário, [ao que se sabe o General defendeu o tratamento precoce, sem menção ao que seria usado na prática defendida; 
se documentos posteriores incluíram a cloroquina no tratamento precoce, a data da inclusão passa a ser o marco.
Os especialista em nada condenam a cloroquina, só que a condenação é suportada com o argumento de que não um reconhecimento da ciência, sem apontar um único em que a cloroquina, ou demais componentes do tratamento precoce,  tenha causado algum malefício a quem usou.]é o Exército que ele está maculando, induzido por Bolsonaro. Criticar Bolsonaro, pedir seu impeachment, são atitudes políticas que não deveriam atingir os militares como instituição, mas àqueles que se dispõem a acompanhar as ordens absurdas do chefe momentâneo. Se alguns deles são da ativa, a coisa muda de figura.

O debate sobre a politização da campanha de vacinação  nacional contra a Covid-19 incorre em um erro fundamental, a comparação da atitude do presidente Bolsonaro com a do governador de São Paulo João Dória em face à pandemia e as maneiras de combatê-la. Dória sempre esteve no lado certo, a favor do distanciamento social, do uso de máscara, e trabalhou corretamente para ter condições de fazer a imunização, mesmo que em alguns momentos tenha abusado do marketing político em favor de sua candidatura à presidência da República em 2022.

Mesmo que fosse tudo política, nesse caso o lado certo da política é forçar o começo da vacinação o mais rápido possível. E ele conseguiu fazer o governo Bolsonaro se mexer. Graças à sua iniciativa de fazer acordo com a farmacêutica Sinovac da China, deu condições ao Instituto Butantan de produzir a vacina CoronaVac, contra todas as ações políticas que o presidente da República engendrou para desqualifica-la e incutir no brasileiro desconfiança sobre a “a vacina chinesa do Dória”.

Bolsonaro comemorou quando a eficácia global da CoronaVac de 50,4% foi anunciada, dando ares de verdade à percepção popular de que uma vacina que tem 70% de eficácia global é melhor do que a de pouco mais de 50%, o que, para uma campanha maciça de vacinação para conter uma pandemia,  é irrelevante. Os técnicos do Butantan ajudaram essa percepção negativa ao anunciarem com fanfarras os índices vistosos de 70% para casos leves e 100% para os graves, antes do dado global.O governador Dória, evitando anunciar a notícia, ajudou, dando a sensação de que só vai “na boa”, deixando para seus subordinados as notícias ruins, o que não era absolutamente o caso. Mas a irresponsabilidade de Bolsonaro, ao desdenhar da única vacina que os brasileiros tinham à mão para iniciar a vacinação, depois de mais de 50 países do mundo, sempre com fins políticos de combater um potencial adversário em 2022, é incomparável.

Bolsonaro foi o único presidente da República ou Primeiro-Ministro do mundo a fazer campanha contra a vacinação. Ontem mesmo Freud pegou-o num ato falho que revela sua decepção pelo sucesso do início da vacinação em São Paulo. Começou uma frase, depois de ter ficado em um silêncio inusitado durante quase um dia, assim: “Apesar da vacina...” Um verdadeiro líder político deveria ter comemorado o início da vacinação, em vez de tentar confiscar as doses do Estado que se preparou com a antecedência devida para produzir vacinas contra a Covid-19, para impedir que seu adversário político se sobressaísse.

O destino reservou a Bolsonaro derrotas políticas variadas e em sequência: o ditador Maduro, na Venezuela, se prontificou a ajudar o Amazonas com cilindros de oxigênio, e a vacina CoronaVac, da chinesa Sinovac, foi a única que restou para nossa vacinação. Só faltou mesmo um enfermeiro cubano [o problema não é com os enfermeiros ou médicos cubanos e sim com o fato de no governo petista serem escravizados - o Brasil pagava, só que o a quase totalidade do pagamento ficava com a ditadura cubana.] para completar a série de infortúnios de um presidente que coloca a ideologia acima das necessidades do povo que preside.

Merval Pereira, jornalista - O Globo