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sábado, 2 de maio de 2020

E daí? - Editorial - Folha de S. Paulo

Epidemia acelera em meio a isolamento em xeque e mais descaso de Bolsonaro

Se estimar a curva aproximada de uma epidemia viral se mostra complexo em países de menor porte, o esforço assume caráter divinatório em um local como o Brasil. Isso dito, há uma expectativa entre autoridades de saúde de que este mês de maio registrará o pico das infecções — com as óbvias divergências regionais. Natural, pois, que se questione a eficácia de medidas de isolamento social aplicadas por todo o país.

[perguntas que não querem calar:
1 -  o que querem que o presidente Bolsonaro faça no combate à pandemia do coronavírus?
2 -  o que resta ao presidente fazer?
- Todas as medidas na área econômica e operacional que estão na sua competência e que Congresso e o Supremo permitem que faça ele tem feito;
- o isolamento que é considerado vital para o êxito no combate à pandemia foi retirado da competência do Presidente da República e depositado nas mãos dos governadores e prefeitos. Oportuno destacar que antes de ser proibido de interferir na política de isolamento e similares, o presidente em nenhum momento adotou qualquer medida boicotando tal providência.
Apenas expressou sua opinião desfavorável à medida.

Estranho, convenhamos, é esse estudo da Universidade de Cambridge - no Brasil os dados de georreferenciamento só ficam disponíveis dois dias após, lá é até antecipado;
- Quanto a desejar, no dia 1º de maio, Dia do Trabalho, que todos voltem ao trabalho é um desejo normal, natural, saudável e promissor = a volta ao trabalho só ocorrerá após a pandemia ser controlada. ]

A experiência internacional tem favorecido graus diversos de fechamento e de reabertura da sociedade para o controle da curva de infecção pelo Sars-CoV-2.  Não há solução universal, como a necessidade de adoção da rigidez em Singapura provou. [outra prova indubitável de que o isolamento não tem grande eficácia é que o Japão, país que não adotou o isolamento, tem no mundo o mais baixo índice de letalidade pela Covid-19, duas mortes por milhão de habitantes.] Mas uma coisa é certa: é o principal instrumento à mão enquanto vacinas e remédios eficazes não chegam.

No Brasil, o debate foi sequestrado a partir da insistência de Jair Bolsonaro em minimizar a Covid-19. Com 6.329 corpos até sexta-feira (1º), o presidente logra rebaixar seu patamar de humanidade e discernimento a cada semana.  Na terça passada, atingiu um novo nível do abismo ao ser questionado sobre o fato de o país ter ultrapassado a China, berço da crise, em número de óbitos“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, foi a pérola turva emitida pelo chefe de Estado. Nem Donald Trump chegou a tanto.

Na quinta, Bolsonaro afirmou que as restrições impostas por chefes municipais e estaduais haviam sido inúteis, apesar de haver casualidade entre elas e o ritmo da epidemia. No 1º de Maio, desejou que todos voltassem ao trabalhoA desinformação propagada como cálculo, dado que a inevitável tragédia econômica à espreita deverá dificultar sua sobrevivência política, além de tudo é fútil. Não se imagina imagem pior a ser associada a um político, e no presidencialismo brasileiro o titular do Planalto é destinatário de quase tudo, de pilhas de caixões a sacos com corpos pelo país.

Mas Bolsonaro —que, além de tudo, falta com a transparência ao se recusar a exibir seu próprio exame para a doença, supostamente negativo— teima, e a redução no apoio às quarentenas que se verifica pode ser ao menos parcialmente colocada em sua conta. Estudo de brasileiros apresentado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mostra a partir do cruzamento de dados de georreferenciamento e votação de Bolsonaro em 2018 que, quando o presidente profere suas tolices, o isolamento cai mais em seus redutos.

É um pequeno exemplo, ao qual podem ser somadas inúmeras manifestações de apoio aos ditames do aspirante a curandeiro. Enquanto isso, autoridades mais sérias se preparam como podem para o pior, como a manutenção e eventual endurecimento das regras de isolamento da cidade de São Paulo demonstram.

 Editorial - Folha de S. Paulo