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quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Variante delta torna a imunidade de rebanho impossível, dizem cientistas - Folha de S. Paulo

Quem esperava ser protegido da Covid pela imunidade coletiva pode esquecer e tomar logo sua vacina, afirmam especialistas de algumas das principais universidades europeias, com base nos dados disponíveis até agora. A variante delta, duas vezes mais contagiosa que o Sars-Cov-2 original, enterrou (ao menos por enquanto) as chances da chamada imunidade de rebanho - aquela em que o número de pessoas protegidas contra infecção é grande o suficiente para conter a circulação do vírus. 

Quando os primeiros casos de Covid surgiram, cientistas calcularam que essa imunidade coletiva poderia ocorrer quando cerca de 70% de uma população estivesse protegida. Mas essa sempre foi uma aproximação, presumindo muitas coisas e ignorando outras mais", diz Samir Bhatt, professor da escola de saúde pública do Imperial College de Londres.

A porcentagem deriva de dados como a proteção fornecida pela vacina contra a infecção (diferente da eficácia contra doença grave e morte) e a capacidade intrínseca de propagação do vírus, ambos ainda não totalmente conhecidos ou em transformação. Outro fator de imprecisão é que a transmissão varia fortemente de acordo com o comportamento humano: o vírus circula mais se as pessoas se encontram mais, por mais tempo e com menos barreiras -e essa variável também está em constante mudança ao longo do tempo.

As pesquisas iniciais indicavam que o Sars-Cov-2 passava de um infectado para duas ou três pessoas, mas essa razão de contágio subiu com o aparecimento da alfa e mais ainda com a delta, diz Raghib Ali, pesquisador clínico sênior da Unidade MRC de Epidemiologia da Universidade de Cambridge (Reino Unido). "Cada vez que esse número aumenta, sobe também a porcentagem calculada para imunidade de rebanho", diz o pesquisador. O novo mutante, indicam os cientistas, é capaz de passar de uma pessoa para cerca de seis ou sete. 

 Na ponta do lápis, com essa taxa de contágio, a imunidade de rebanho seria de cerca de 85%, mas apenas se a vacina ou a recuperação de um caso de Covid prevenissem completamente as infecções, o que não ocorre. "A chegada da delta foi realmente uma virada de jogo", diz o virologista Jeroen van der Hilst, professor de imunopatologia da Universidade de Hasselt (Bélgica).

Além de o mutante ser muito mais contagioso, os dados indicam que indivíduos vacinados podem ser infectados e infectar outros, diz ele. "Isso significa que o vírus pode circular em uma comunidade com um grande número de pessoas vacinadas. Com essa noção, temos que concluir que a imunidade de rebanho não é mais possível." 

Duração da imunidade  
Para o professor emérito de estatística aplicada da Open University (Reino Unido) Kevin McConway, os dados já disponíveis sobre a barreira das vacinas ao contágio são insuficientes para estimar qual seria uma imunidade coletiva para a Covid, seja qual for a variante que predomina."Muitos cálculos são indiretos: estima-se a eficácia contra infecção assintomática, por exemplo, e, em seguida, fazem-se suposições sobre a probabilidade de um assintomático transmitir o vírus a outra pessoa. Há várias fontes diferentes de incerteza aqui, então as estimativas não são muito boas", diz ele. A mesma falta de informação existe para os que desenvolveram imunidade natural, por terem sido infectados, e para o caso dos que tiveram Covid e foram também vacinados. 

Além disso, acrescenta o estatístico, ainda não há certeza sobre quanto tempo dura a proteção causada por vacinação ou por infecção natural. "Imagine que atingimos a imunidade coletiva, mas a defesa das pessoas desaparece completamente dois anos depois. Como a imunidade de rebanho significa apenas que qualquer surto será pequeno e será contido rapidamente, ainda haverá alguma infecção depois desses dois anos. Se a defesa das pessoas diminui, eles se tornam suscetíveis novamente e os surtos podem se espalhar novamente e se tornar perigosos", exemplifica McConway.

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O pesquisador faz uma comparação com o sarampo, uma doença também altamente infecciosa, cuja porcentagem de proteção necessária para a imunidade de rebanho é de 95%. O vírus do sarampo, porém, não sofre as rápidas mutações do Sars-Cov-2, e as vacinas são praticamente 100% eficazes para evitar a transmissão. Nesse caso, se 95% das crianças são vacinadas contra o patógeno, ele não se espalha mais nessa população. 

No caso da Covid, "com o declínio da imunidade, a evolução contínua do coronavírus, um retorno à normalidade no comportamento das pessoas, a expectativa de que a doença desaparecerá porque atingimos um limite é ilusória", diz Batt, do Imperial College.

Vacinação fundamental 
Para o diretor do instituto de genética da UCL de Londres, François Balloux, há um único benefício -inexplorado- dessa impossibilidade. "Isso deve acabar com as guerras culturais em torno das vacinas. As pessoas devem ser encorajadas a se vacinarem, mas, no final das contas, o objetivo principal da vacinação agora é proteger a si mesmas, não a outros. Então, viva e deixe viver", afirmou ele em rede social.

Folha de S. Paulo - MATÉRIA COMPLETA
 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

“Tratamento precoce”: o próximo tabu a cair após a origem laboratorial? - Gazeta do Povo

Rodrigo Constantino

Covid-19

Por Eli Vieira*, especial para a Gazeta do Povo

A mudança de tom sobre a plausibilidade de o SARS2, vírus causador da pandemia, ter se originado em laboratório foi uma das maiores reviravoltas na cobertura de opiniões de especialistas na imprensa nas últimas décadas. Ao ponto de a revista eletrônica Vox ter sido pega editando silenciosamente um artigo do ano passado para amenizar o tom de certeza que tinha dado para a origem natural do vírus — o jornal Washington Post fez a mesma coisa. O Facebook parou de censurar artigos que defendessem a origem laboratorial — mas continuará insistindo em não dar liberdade de expressão aos usuários, apesar do fiasco (de fato, mal escrevi as linhas acima, fui censurado lá por esse motivo). Até o governo Biden andou se movimentando para exigir uma investigação melhor das origens do vírus, já que a da OMS não serviu.

 Carta à Science quebra “mordaça” da narrativa sobre a origem da Covid


 Caixa com ivermectina, um dos medicamentos usados no chamado tratamento precoce da covid-19 - Copyright © 2021, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

Assim como se revelaram apressadas a afirmações peremptórias contra a origem laboratorial do vírus, é bem possível que aconteça uma outra virada e uma outra reedição de afirmações contra todo e qualquer tratamento precoce da doença que ele causa, a Covid-19. Não faltam exemplos, entre influenciadores da mídia tradicional e da nova mídia, de quem decretou que as soluções quase improvisadas dos médicos para tratamento precoce seriam indignas de confiança, talvez pseudocientíficas, certamente “negacionistas” — o adjetivo lamentável da moda que foi cunhado originalmente para malucos que duvidam do Holocausto dos judeus.

Há uma grande intersecção entre o grupo que descartou cedo demais a origem laboratorial e o grupo que ainda afirma a ineficácia de todo e qualquer tratamento precoce. Merecem uma segunda chance? É o que analisaremos aqui. Primeiro, deixemos claro do que estamos falando: tratamentos precoces são intervenções pré-hospitalares (os italianos dizem “tratamento domiciliar”), com a intenção de que aliviar os sintomas da Covid-19, e, de preferência, impedir que esses sintomas se agravem e o paciente seja hospitalizado. Há um segundo significado relevante para “precoce”, aqui: que esses tratamentos devem ser aplicados assim que os sintomas começam, pois os efeitos podem ser sensíveis ao tempo.

O tratamento precoce não foi proposto como cura originalmente, mas como esperança. Havia um senso de urgência. Como disseram pesquisadores italianos numa revisão de tratamento domiciliar de meados de 2020, mencionando pedidos de conselho vindo de médicos da América Latina: “Você só pode contar com evidências muito escassas na literatura e com seu próprio conhecimento para administrar os sintomas dos seus pacientes, e com a experiência” dos autores.

Uma resposta definitiva na ciência demora muito, e, quando chega aos livros-textos, já é tarde demais para uma primeira resposta a uma nova doença. Não só a busca de alternativas é prerrogativa médica, é bem possível que seja uma obrigação médica nessas situações. Essa investigação clínica antecede a aplicação da pesquisa científica na medicina. A primeira pode ser tão bem feita quanto a última, a qual pode vir para confirmar o que foi originalmente descoberto na prática clínica.

Como julgar os estudos

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HCQ: onde a evidência é mais frágil, mas ainda existente

A primeira droga de tratamento precoce a se tornar notória foi a hidroxicloroquina (HCQ), por causa dos resultados de sua aplicação junto ao antibiótico azitromicina pelo médico Didier Raoult. Agora sabemos que os resultados de Raoult eram bons demais para serem verdade. Mais do que isso, os estudos de HCQ conduzidos em pacientes graves o suficiente para serem hospitalizados — os que entraram na chamada “fase inflamatória” — indicam que a droga não é eficaz numa etapa mais adiantada. Mas isso não significa que a eficácia da HCQ no contexto precoce foi totalmente descartada.

O que aconteceu com a HCQ foi que os estudos repetidamente chegaram perto do limiar estatístico convencionalmente aceito para afirmar a eficácia, sem ultrapassá-lo. O fato de os estudos terem se aproximado do limiar repetidamente é sugestivo: pode ser que haja um efeito, porém não muito forte, ou que é mascarado por variáveis como estágio da doença ou pelo tamanho insuficiente da amostra.  Esse limiar é definido através do “valor p”, uma medida estatística que corresponde grosseiramente à probabilidade de o resultado ter sido atingido por “pura sorte”, sem haver realmente eficácia. A convenção metodológica nas últimas décadas, especialmente nessa área, tem sido que não se tolera que esse valor p ultrapasse 5%.

Porém, ao se afirmar a ineficácia da HCQ com base no valor p acima de 5% — às vezes apenas ligeiramente acima — está havendo uma amnésia coletiva dos comentaristas científicos: há poucos anos, em 2019, muitos cientistas propuseram o abandono dessa convenção, ou ao menos de uma interpretação comum dela que é a que vemos em quem afirma ineficácia total da HCQ com base nela. Valentin Amrhein e mais de 800 signatários disseram à Nature que a interpretação dicotômica do valor p deve ser abandonada. De fato, os estatísticos profissionais sempre souberam que, se o p for maior que 5%, isso não significa que a hipótese da eficácia foi descartada, ou que a hipótese da ineficácia deve ser aceita.

Entre as drogas propostas para o tratamento precoce, é verdade que a HCQ não é a estrela, embora haja no conjunto agregado dos estudos do seu uso precoce uma redução de cerca de 25% na taxa de hospitalização, comparando o grupo experimental com o grupo consolidado de placebo. As estrelas são outras.

As estrelas do tratamento precoce

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Por que tanta resistência contra todo tratamento precoce?

  • Política. O que acontece com propostas que são politizadas é que, para sinalizar membresia à tribo política associada a elas, algumas pessoas se engajam no autoengano propagandista de prometer o que não foi prometido originalmente. E, reativamente, tribos políticas rivais passam a exagerar para o outro lado, declarando-se detentoras de provas definitivas de que essas propostas não funcionam e até que são imorais. A verdade não está necessariamente no meio, assim como a razão não costuma ser a média entre duas loucuras. Mas a verdade é alcançável pela mente paciente e menos atada por compromissos tribais, e os estudos são um auxílio para escapar dessa arapuca, embora alguns possam ser influenciados por ela. Um ingrediente constante da politização é a hipérbole: um lado acusa o outro de homicídio por propor solução ineficiente, e o outro devolve a acusação dizendo que ignorar soluções possíveis é aumentar o número dos que sofrem hospitalizados e mortos.
  • Falsa dicotomia entre tratamento precoce e vacinas. Quem contrai Covid-19 entre uma dose e outra da vacina, ou antes de ter a oportunidade de ser vacinado, poderia ser beneficiado com o alívio dos sintomas e o efeito protetivo do tratamento precoce. E quem se tratou precocemente com sucesso adquiriu uma imunidade que pode desafogar a fila da vacina, sendo posto na baixa prioridade.
  • Má interpretação estatística dos estudos. Este motivo mais técnico explica a resistência de alguns especialistas. É preciso lembrar que a maioria dos pesquisadores não é especializada em estatística, e a usa como uma ferramenta, às vezes em programas de computador cujo funcionamento não entendem completamente. Aderem a interpretações míopes do valor p sem perícia estatística.
  • Captura de órgãos regulatórios e de aconselhamento médico pelas razões acima, e adesão acrítica a eles. Esses órgãos, como a OMS, a FDA e o NIH, podem ser presa fácil das más interpretações de estatística. Os bons observadores viram, especialmente no começo da pandemia, o quanto esses órgãos podem ser falhos. A OMS chegou a desencorajar as máscaras.
  • Conflito de interesses. A Merck, fabricante da ivermectina, lançou uma nota alegando que a droga não tem eficácia para a Covid-19. A ivermectina é barata e dá pouco lucro, especialmente depois de a Merck ter distribuído bilhões de doses em 49 países antes da pandemia. É mais interessante economicamente para a Merck promover uma nova droga (como Monulpiravir) que está lançando contra a doença. Aqui, não se deve ver necessariamente esse conflito como consistindo em malícia e planejamento vilanesco. As pessoas são perfeitamente capazes de defender seus interesses inconscientemente, com o autoengano. Não que farmacêuticas sejam famosas por errar por boas intenções... especialmente considerando que a Merck já foi acusada de fazer campanha de assassinato de reputação contra médicos.
  • Alegações de riscos das drogas. Aqui, recomenda-se olhar avaliações de riscos das drogas que antecedem a politização do tratamento precoce para a Covid-19. A ivermectina é usada há décadas sem grandes pânicos, e nos estudos de Covid-19 não foram observadas grandes complicações. Não é difícil exagerar riscos para qualquer droga: até o paracetamol pode matar em doses altas. Além disso, as bulas de remédios não são documentos científicos, mas documentos que conscientemente erram do lado da cautela: incluem todo tipo de complicação que os pacientes passam na fase de testes, mesmo sem evidências de que essas complicações vieram do medicamento. É por isso que as bulas são tão medonhas.
Conclusão
Seria de se esperar que pessoas interessadas em ajudar os pobres teriam como uma das primeiras reações a uma pandemia a procura por algum tratamento já disponível, barato e seguro. Não às cegas, pois existem milhares de tratamentos e drogas e o tempo é premente, mas com base em plausibilidade bioquímica e espectro de ação. Infelizmente, essa expectativa encontrou os empecilhos acima.
A medicina está cheia de acidentes faustos em que uma droga que havia sido pesquisada para um propósito se revela útil para outro. 
O sedativo brometo de potássio foi proposto no século 19 como uma droga antimasturbatória. 
O carbolítio (carbonato de lítio) foi proposto para bipolares porque há semelhanças de alterações de humor deles com quem sofre de gota, que advém de muito ácido úrico no sangue, que o carbolítio cortaria. 
 
Mas bipolaridade nada tem a ver com ácido úrico: outras formas de cortar o ácido úrico no sangue dos bipolares não surtiam efeito. O carbolítio de fato modula o humor, mas o mecanismo de ação proposto (a “comprovação”) era falso. O primeiro ansiolítico era um aditivo conservante para a penicilina.  
O famosíssimo Diazepam era só uma tintura para observar amostras de tecido biológico em microscópio. 
E, outro caso famoso, o Viagra foi estudado inicialmente como tratamento para hipertensão e angina. Não seria uma surpresa muito grande, nem um caso singular, se alguma droga já aprovada para outras doenças pudesse ter algum efeito para tratar Covid-19.

Portanto, a busca de tratamento precoce via reutilização de remédios deveria ser um dos primeiros passos no curso de ação rápida quando uma nova doença aparece. As “evidências anedóticas” dos médicos na prática clínica podem ter valor, e muitos medicamentos eficazes hoje vieram exatamente delas, sem falar em medicamentos que começaram como chás populares.

Os médicos são mais capazes de fazer essas decisões quando estão em dia com o conhecimento científico relevante. Porém não deve ser exigido deles que apliquem o rigor máximo científico onde ele não é nem necessário nem há tempo hábil para ele. Existe rigor clínico, rigor da experiência, que merecem respeito assim como o conhecimento científico, e seu valor foi provado em milênios de prática médica. O que os médicos observam leva a análises mais rigorosas que podem confirmar as suas conclusões, como discutido aqui.

De acordo com as evidências atuais, é possível afirmar que houve um tabu midiático e de profissionais, instituições e empresas com conflito de interesses para suprimir, impedir e silenciar o uso de tratamento precoce para Covid-19, assim como houve a respeito da hipótese de o vírus ter vazado de um laboratório na China. O custo em bem-estar e até em vidas é incalculável. Uma segunda revisão de posturas públicas está por vir.

*Eli Vieira é biólogo geneticista com pós-graduação pela UFRGS e pela Universidade de Cambridge, Reino Unido.

Ideias - Gazeta do Povo


sábado, 2 de maio de 2020

E daí? - Editorial - Folha de S. Paulo

Epidemia acelera em meio a isolamento em xeque e mais descaso de Bolsonaro

Se estimar a curva aproximada de uma epidemia viral se mostra complexo em países de menor porte, o esforço assume caráter divinatório em um local como o Brasil. Isso dito, há uma expectativa entre autoridades de saúde de que este mês de maio registrará o pico das infecções — com as óbvias divergências regionais. Natural, pois, que se questione a eficácia de medidas de isolamento social aplicadas por todo o país.

[perguntas que não querem calar:
1 -  o que querem que o presidente Bolsonaro faça no combate à pandemia do coronavírus?
2 -  o que resta ao presidente fazer?
- Todas as medidas na área econômica e operacional que estão na sua competência e que Congresso e o Supremo permitem que faça ele tem feito;
- o isolamento que é considerado vital para o êxito no combate à pandemia foi retirado da competência do Presidente da República e depositado nas mãos dos governadores e prefeitos. Oportuno destacar que antes de ser proibido de interferir na política de isolamento e similares, o presidente em nenhum momento adotou qualquer medida boicotando tal providência.
Apenas expressou sua opinião desfavorável à medida.

Estranho, convenhamos, é esse estudo da Universidade de Cambridge - no Brasil os dados de georreferenciamento só ficam disponíveis dois dias após, lá é até antecipado;
- Quanto a desejar, no dia 1º de maio, Dia do Trabalho, que todos voltem ao trabalho é um desejo normal, natural, saudável e promissor = a volta ao trabalho só ocorrerá após a pandemia ser controlada. ]

A experiência internacional tem favorecido graus diversos de fechamento e de reabertura da sociedade para o controle da curva de infecção pelo Sars-CoV-2.  Não há solução universal, como a necessidade de adoção da rigidez em Singapura provou. [outra prova indubitável de que o isolamento não tem grande eficácia é que o Japão, país que não adotou o isolamento, tem no mundo o mais baixo índice de letalidade pela Covid-19, duas mortes por milhão de habitantes.] Mas uma coisa é certa: é o principal instrumento à mão enquanto vacinas e remédios eficazes não chegam.

No Brasil, o debate foi sequestrado a partir da insistência de Jair Bolsonaro em minimizar a Covid-19. Com 6.329 corpos até sexta-feira (1º), o presidente logra rebaixar seu patamar de humanidade e discernimento a cada semana.  Na terça passada, atingiu um novo nível do abismo ao ser questionado sobre o fato de o país ter ultrapassado a China, berço da crise, em número de óbitos“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”, foi a pérola turva emitida pelo chefe de Estado. Nem Donald Trump chegou a tanto.

Na quinta, Bolsonaro afirmou que as restrições impostas por chefes municipais e estaduais haviam sido inúteis, apesar de haver casualidade entre elas e o ritmo da epidemia. No 1º de Maio, desejou que todos voltassem ao trabalhoA desinformação propagada como cálculo, dado que a inevitável tragédia econômica à espreita deverá dificultar sua sobrevivência política, além de tudo é fútil. Não se imagina imagem pior a ser associada a um político, e no presidencialismo brasileiro o titular do Planalto é destinatário de quase tudo, de pilhas de caixões a sacos com corpos pelo país.

Mas Bolsonaro —que, além de tudo, falta com a transparência ao se recusar a exibir seu próprio exame para a doença, supostamente negativo— teima, e a redução no apoio às quarentenas que se verifica pode ser ao menos parcialmente colocada em sua conta. Estudo de brasileiros apresentado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mostra a partir do cruzamento de dados de georreferenciamento e votação de Bolsonaro em 2018 que, quando o presidente profere suas tolices, o isolamento cai mais em seus redutos.

É um pequeno exemplo, ao qual podem ser somadas inúmeras manifestações de apoio aos ditames do aspirante a curandeiro. Enquanto isso, autoridades mais sérias se preparam como podem para o pior, como a manutenção e eventual endurecimento das regras de isolamento da cidade de São Paulo demonstram.

 Editorial - Folha de S. Paulo 

quarta-feira, 22 de abril de 2020

A democracia não é para sempre - Folha de S. Paulo

Conrado Hübner Mendes


O negacionismo político é mais perigoso que o sanitário

Pioneiro do rock russo, Andrei Makarevich contou em suas memórias que nunca lhe ocorrera que "qualquer coisa pudesse mudar na União Soviética". Recordava-se do conforto de pensar que "tudo era para sempre", de "viver num Estado eterno". O colapso não cabia na sua imaginação. O mesmo se passa com democracias. A ideia de que nada é tão ruim quanto parece, ou de que a história está do seu lado, pouco importa o que fazemos, tende a produzir resignação e passividade em democratas.

Dois séculos atrás Alexis de Tocqueville chamou a atenção para esse "fatalismo democrático". David Runciman o chamou de "armadilha da confiança": quanto mais se confia na permanência, maior o risco de pôr tudo a perder. Democracias do mundo, nos últimos 20 anos, sofreram significativa queda de qualidade. A quantidade de cidadãos insatisfeitos com o regime não parou de crescer. Relatório do Centro para o Futuro da Democracia, da Universidade de Cambridge, mostra que a proporção de insatisfeitos atingiu o pico de 57,5% em 2020, marco da "recessão democrática".

O ano de 2020 também nos levou ao pico da "terceira onda de autocratização" no mundo, segundo relatório do Centro V-Dem, da Universidade de Gotemburgo. Pela primeira vez desde o relatório inaugural, de 2001, há mais países autocráticos que democráticos no mundo. O Brasil, descrito como país "em via de autocratização", é um dos destaques negativos.  Apesar de tudo isso, logo após as eleições de 2018, surgiu aqui a legião dos profetas da democracia risco-zero. Vieram para nos proteger contra os alarmistas, aqueles que acenderam a luz amarela ao olhar não só para as palavras e atos de Bolsonaro em 30 anos de carreira, mas para a violência concreta e simbólica do movimento que ele incita.

Os profetas, grupo eclético que reuniu de Ives Gandra a FH, de Luís Roberto Barroso a Aloysio Nunes, e um pequeno grupo de acadêmicos, afirmavam que tudo não passava de "choro dos perdedores". O cientista político Carlos Pereira não nos poupou de provocação assim que o governo Bolsonaro completou seu primeiro ano. Em texto com título jocoso —"Ih... a democracia não ruiu"— voltou a nos ensinar que "as chances de erosão da democracia brasileira são quase nulas", uma "quimera".  Sua evidência científica era um famoso estudo da década de 1990, que relacionava estabilidade democrática e faixa de renda. Foi só. Não se deu sequer ao luxo de ouvir o que os autores daquele estudo, Fernando Limongi e Adam Przeworski, dizem hoje. Não permitiu a nuance, nem a dúvida.

O negacionismo político, que desfila cheio de soberba e verniz retórico, não foi só precipitado. Ao se apressar na resposta, não teve tempo de entender a pergunta. Não olhou para os lados, não ouviu os gritos dos fatos, dos números e das redes. Não observou as ruas, as periferias, as terras indígenas; nem as salas de aula, os laboratórios, as Redações de jornal. Mal examinou a integridade das instituições.  A deterioração democrática não chegou com Bolsonaro, mas ganhou com ele magnitude e velocidade desconhecidas.  O presidente não só continua a apoiar o pedido de golpe militar e o fechamento do Congresso e do STF, como embarcou sem volta no negacionismo sanitário, contra tudo que diz a ciência e a experiência mundial. É negacionismo estratégico, pois lhe interessa o destino político, não as mortes.

Há duas maneiras de instituições responderem. Uma é repousar no negacionismo político e emitir notas de repúdio. Outra é explorar vias políticas e jurídicas para preservar o mínimo democrático que nos resta, acima de projetos eleitorais de curto prazo. Ou alguma combinação criativa que não estamos vendo.  A revolução autoritária não será promulgada. Nem sairá no Diário Oficial.

Conrado Hübner Mendes, professor de direito da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt  - Folha de S.Paulo


domingo, 2 de dezembro de 2018

O agronegócio não é uma 'bancada do boi'


Nessa frente há trogloditas que querem queimar matas e invadir terras alheias


Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é

Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina "bancada do boi". Nessa bancada há trogloditas que querem queimar matas, calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonaro chega mesmo a acreditar que os quilombolas são um problema nacional.
Dois renomados historiadores —Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e Francisco Vidal Luna, da USP— entregaram à editora da Universidade de Cambridge o texto de "Feeding the World" ("Alimentando o Mundo"), em que contam a história da revolução ocorrida na agricultura brasileira nos últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a tradução, no ano que vem. O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador de soja, carnes processadas, laranjas e açúcar. É o quinto maior produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da abertura da economia, o agronegócio adaptou-se, expandiu-se e adquiriu competitividade internacional.

Entre a década de 1980 e os últimos oito anos, a produtividade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreendedores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha 6.000 estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituições públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas 8.000 teses de mestrado e 3.000 dissertações de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centros de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.

Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõem uma revolução que está acontecendo. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformou Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores; 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram 7.000 hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidade e mortalidade infantil caíram, enquanto a expectativa de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%).  O agronegócio carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminação paleolítica obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheiros do agronegócio durante a campanha eleitoral.


(...)
 

Cuidado, Moro
Numa das encruzilhadas do caminho de Sergio Moro para o Ministério da Justiça há uma grossa macumba. O Conselho Nacional de Justiça tem 17 representações contra ele, e o julgamento está marcado para o dia 11. Muitas são referentes ao mesmo assunto, como no caso da divulgação do grampo de Lula fora do prazo legal. O CNJ pode arquivá-las, no entendimento de que, tendo-se exonerado, deixou de ser juiz. Esse seria um caminho natural, mas pode-se também deixar algumas representações na frigideira.

Numa outra esfera, há sinais de que se articula uma forma de recurso junto ao Supremo, buscando o impedimento da posse de Moro. Isso seria feito buscando-se uma analogia meio girafa com a decisão tomada quando Lula foi impedido de assumir a Casa Civil. As chances de essa manobra dar certo são poucas, a menos que se queira apenas produzir uma barafunda.  [não pode dar certo; será a desmoralização mais completa da Justiça - no caso de Lula se tratava de impedir que um bandido se tornasse ministro de Estado para ganhar foro privilegiado.
A prova incontestável da diferença entre o EX-juiz Sérgio Moro e o presidiário Lula é que Lula já completou o oitavo mês de cadeia e já se cogita (com atraso, destaque-se) da transferência do condenado petista para uma prisão comum = político preso = preso comum = penitenciária comum, com direito ao uso do boi.]

(...)
 

Bolsonarômetro
A equipe de Jair Bolsonaro incorporou alguns nomes com reconhecida experiência na administração pública civil. Por exemplo: Joaquim Levy (BNDES), Mansueto Almeida (Tesouro) e Waldery Rodrigues (Secretaria da Fazenda).
Contudo, aceitando-se uma definição do banqueiro Gastão Vidigal, faltam nomes ligados à produção: "Produto é aquilo que se pode embrulhar. Pregos, por exemplo". Nessa categoria, até agora há apenas duas indicações relevantes, as da ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa da Costa, do agronegócio, e a de Roberto Castello Branco, futuro presidente da Petrobras, que passou pela Vale.

Na equipe, entrou o empresário Salim Mattar, que vai cuidar das privatizações. Ele não tem experiência na administração pública e nunca produziu um prego, mas teve uma bem-sucedida experiência na iniciativa privada, criando a Localiza, uma empresa de serviço de locação de carros.


O sapo otimista
Diante do otimismo disseminado às vésperas do novo governo, aqui vai uma história que Winston Churchill contava em 1940, quando a guerra parecia perdida e a Inglaterra esperava ser invadida:
"Dois sapos caíram numa jarra de leite. Um, assustado, afogou-se. O otimista passou a noite batendo as pernas. Não sabia para que, mas era um otimista. De manhã, estava numa jarra de manteiga, deu um pulo e foi-se embora".


Venezuela
A diplomacia romântica de Jair Bolsonaro corre o risco de se meter numa parceria suicida com os Estados Unidos em relação à Venezuela.
Valeria a pena que seus estrategistas consultassem a documentação do Itamaraty para resgatar um episódio ocorrido em 1982.

O presidente Ronald Reagan decidiu invadir o Suriname, onde ocorrera um golpe de oficiais esquerdistas, e mandou a Brasília o diretor da CIA, William Casey, para buscar apoio.
Sem alarde, 
o presidente João Figueiredo informou que não entraria na aventura. O projeto da invasão com apoio do Brasil só foi revelado décadas depois, pelo próprio Reagan.



Elio Gaspari - O Globo

domingo, 11 de fevereiro de 2018

O STF raramente falha, mas tarda

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os planos de saúde devem ressarcir a Viúva quando seus clientes forem atendidos no SUS. As operadoras de medicina privada, com suas guildas e advogados, cultivaram a tese da inconstitucionalidade da cobrança por 20 anos. Quando o Congresso votou a Lei do Ressarcimento, o Papa era João Paulo II e Bill Clinton estava fazendo exame de sangue para que se comparasse seu DNA com aquele depositado no vestido da estagiária Monica Lewinsky.

As grandes seguradoras entregaram os pontos há anos, mas ainda havia operadoras, sobretudo de medicina de grupo, depositando o ressarcimento em juízo. Nesse cofre há cerca de R$ 3 bilhões. Ganhava-se tempo, queimando dinheiro com advogados e lobistas.  Antes da lei, obra do então ministro Adib Jatene, um milionário batia com o carro, sofria um traumatismo craniano, era levado para o pronto-socorro público de referência neurológica da cidade (a melhor escolha) e em 24 horas salvava-se sua vida. Em seguida, a família transferia-o para outro local, com ótima hotelaria, e o plano de saúde do doutor nada pagava ao SUS. A Viúva ficava com 80% dos custos médicos. Isso para não se falar dos planos que simplesmente desovavam seus clientes.

A decisão do Supremo acabou com a chicana e encerrou o capítulo. Abriu-se outro. Qual deve ser o valor do ressarcimento? Para onde vai o dinheiro? Hoje o ressarcimento custa a tabela do SUS, mais 50%. Ainda assim sai mais barato que a fatura dos hospitais particulares, onde em muitos casos cobram-se preços absurdos. Noutra ponta, se o dinheiro do ressarcimento passar por Brasília e pela burocracia pública, o hospital continuará na miséria, e o ministro frequentemente estará no exterior com sua comitiva.

(...) 
 VÍDEOS SUPREMOS
Há ministros do Supremo Tribunal que se fazem acompanhar por corpulentos guarda-costas. Diante dos esculachos sofridos pelo doutor Gilmar Mendes (um em Portugal e outro num avião), seria útil equipar as escoltas com câmeras.
Esculachou, é filmado. Simples assim.

MARAMBAIA HOJE
Michel Temer está pegando um solzinho na base naval da Restinga da Marambaia. Viajou acompanhado pelo “mínimo indispensável” de pessoas para servi-lo e protegê-lo. São 38, inclusive cozinheiro e arrumadeira.  A Marinha tem um eficiente serviço de taifa, e em seus quartéis a comida é boa. Não há taifeiro incapaz de arrumar um quarto.

Durante seu repouso, o doutor poderia refletir sobre a história da Marambaia e o país que governa. No século XIX aquela fazenda foi um viveiro de escravos contrabandeados pelo comendador José Joaquim Breves, um dos homens mais ricos do Brasil. Ele e irmão tiveram cerca de seis mil escravos, e em suas terras o governo não mandava. Em 1851 foram capturados por lá 199 negros contrabandeados, e seu advogado (Teixeira de Freitas) protestou: “Se isto continua, não vacila o reclamante em declarar que a vida e a fortuna de numerosos cidadãos, assim como a paz e a tranquilidade do Império, correm iminente perigo”.
A Abolição só veio em 1888 e, aos poucos, a fortuna dos Breves definhou. Seus bisnetos trabalhavam para viver.  Como dizem os juristas e os gatos gordos apanhados pela Lava-Jato: “Se isto continua...”


Elio Gaspari, jornalista

domingo, 20 de agosto de 2017

UTILIDADE PÚBLICA: Colesterol, o limite mudou

Duas novidades dão maior rigor à prevenção de doenças cardíacas: a taxa do LDL tem que ser ainda menor para pacientes de risco e a perda de peso é obrigatória para todos. Não existe obesidade saudável

Duas novas medidas anunciadas na semana passada deixaram mais apertadas as metas a serem alcançadas para uma prevenção eficaz de doenças cardiovasculares. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) divulgou diretrizes segundo as quais os limites aceitáveis do colesterol ruim, o LDL, devem ser ainda mais baixos para pessoas de alto e altíssimo risco. O LDL é nocivo porque entope as artérias, contribuindo para a ocorrência de infarto ou de acidente vascular cerebral (AVC). De acordo com a entidade brasileira, indivíduos de alto risco são aqueles que apresentam mais de um fator de risco para essas doenças. Entre eles, hipertensão, diabetes e obesidade. Os pacientes de altíssimo risco já tiveram um desses eventos e/ou foram submetidos à colocação de pontes de safena ou de stents (artefato que mantém a artéria aberta).

Até agora, a taxa ideal de LDL para o primeiro grupo era de 100 mg/dL. O limite passou a ser de até 70 mg/dL. Nesses pacientes, o risco de morte por doença cardiovascular em dez anos supera os 20% (homens) e os 10% para mulheres. A nova recomendação para os indivíduos com maior chance de sofrerem algum problema é de LDL de no máximo 50 mg/dL. Antes, admitia-se uma concentração de até 70 mg/dL. Entre esse grupo, a probabilidade de morte nos próximos dez anos supera os 20% para ambos os sexos.

O rigor no controle do LDL nos casos de maior vulnerabilidade obedece a uma tendência mundial. “É preciso ser mais agressivo no trabalho de prevenção voltado para as pessoas de maior risco”, afirma o cardiologista Raul Dias dos Santos Filho, diretor científico da SBC e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Nos Estados Unidos, eles são ainda mais rigorosos.”  A mudança vem ancorada em evidências científicas recentes de que a redução nos níveis de LDL oferece benefícios importantes. Pacientes de altíssimo risco que chegam na marca dos 50 mg/dL manifestam uma diminuição de 15% na chance de serem vítimas de um novo evento cardiovascular ou de morrer.


A outra novidade na área da prevenção veio da Inglaterra. Um trabalho do Imperial College London e da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, derrubou o mito de que existe obesidade saudável. Segundo os cientistas, pessoas acima do peso com índices normais de colesterol, pressão arterial e de açúcar no sangue apresentam 28% mais chance de manifestar alguma doença cardíaca em comparação a um indivíduo no peso certo. Durante muito tempo, correu no meio científico a ideia de que era possível alguém ser obeso e, apesar disso, ser saudável. “Nossa pesquisa mostra que esse conceito não existe”, disse Ionna Tzoulaki, uma das coordenadoras do artigo, publicado na última edição do European Heart Journal.

VALE O ESFORÇO
O levantamento é o mais extenso feito até hoje sobre o tema. Os pesquisadores usaram os dados de 500 mil pessoas, de dez países europeus, acompanhados por doze anos. Após o período, 7,6 mil participantes tiveram algum problema cardíaco. A obesidade apareceu como uma ameaça importante, tendo elevado, sozinha, a chance de ocorrência dos eventos. “Se um paciente está com sobrepeso ou obeso, todos os esforços devem ser feitos para que ele volte ao peso saudável”, completou Camille Lassale, líder do trabalho. Isso é importante não só para minimizar os riscos cardíacos. “A obesidade eleva o risco para outras doenças, como o câncer e as dificuldades articulares”, explica a médica Maria Edna de Melo, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.

NOVAS METAS
As taxas de colesterol ruim (LDL) aceitáveis segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia agora são:

• Até 130 mg/dL para pessoas de BAIXO RISCO (não apresentam fator de risco para doenças cardíacas)
• Até 100 mg/dL para indivíduos com MÉDIO RISCO (manifestam apenas um fator de risco)
• Até 70mg/dL para pacientes de ALTO RISCO (têm mais de um fator de risco)
• Até 50 mg/dL para indivíduos com ALTÍSSIMO RISCO (já tiveram infarto, AVC, colocação de ponte de safena ou stent)


O PERIGO DA BALANÇA
Pessoas acima do peso têm 28% maior chance de sofrer um infarto mesmo se apresentarem índices normais de pressão arterial, colesterol e açúcar no sangue

 Fonte: Cilene Pereira - Isto É