Reforma da Previdência foi aprovada com amplo apoio. Economia estimada pela Instituição Fiscal Independente será de R$ 714 bilhões
Publicado em O Globo
A reforma aprovada é ampla e terá impacto importante nas contas
públicas, mas será menor do que o governo previa. Segundo a Instituição
Fiscal Independente (IFI), ficou em R$ 714 bilhões a economia em 10
anos, sem contar outras possíveis mudanças. Ela cria uma espécie de lei
de responsabilidade previdenciária para todos os entes da Federação.
Portanto, os estados e municípios estão fora do projeto, na definição
dos benefícios, mas eles terão que se esforçar para controlar suas
despesas na área. A reforma introduz a idade mínima que o Brasil tenta
ter há mais de 20 anos. O texto foi aperfeiçoado em alguns pontos ao
tramitar no Congresso, mas manteve desigualdades. Na defesa de
determinados privilégios, juntaram-se a esquerda e o bolsonarismo, uma
realidade que só não é bizarra porque o Brasil sempre foi assim.
O centrão votou em peso na reforma, mas um placar de 379 a 131 mostra um
movimento amplo de apoio. No eloquente discurso do presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, houve várias indiretas ao próprio governo: “as
soluções passam pela política. Não haverá investimento no país se não
houver democracia. Eu não saí do meu objetivo nem quando fui atacado.”
Todo mundo entendeu a quem ele se referia, e ao episódio em si. Mas o
Planalto o elogiou. Era a hora da comemoração. Ontem foi o dia da festa
para Rodrigo Maia, que nasceu no Chile, no exílio, filho de político,
que tem entre seus nomes, além dos conhecidos, Felinto, Ibarra e
Epitácio.
Um dos grandes saltos do projeto está no artigo 40, que deixa claro que
estados e municípios terão que buscar equilíbrio financeiro e atuarial. O
parágrafo 22º cria uma série de obrigações. Os estados e municípios não
podem criar novos regimes próprios e para os que existem haverá lei
federal estabelecendo as normas de funcionamento e responsabilidade em
sua gestão. Diz ainda como eles vão migrar para o Regime Geral e serão
fiscalizados pela União e o controle externo.
O que saiu, por erro do Congresso, foi a presença dos estados e dos
municípios nos parâmetros das aposentadorias e pensões. Isso faz com que
servidores tenham regras diferentes dependendo do ente federativo. Vai
gerar mais confusão. O Congresso derrubou também o gatilho demográfico
que permitiria, como em outros países, que a idade mínima fosse subindo,
com o aumento da expectativa de vida.
Nessa reforma, como em todas as outras, as que foram aprovadas e as que
fracassaram, a verdadeira clivagem nunca foi entre esquerda e direita. É
entre quem defende ou não os interesses corporativos. O projeto, que
começou tendo como um dos objetivos reduzir desigualdades, teve na reta
final a esdrúxula militância corporativista do presidente Jair
Bolsonaro.
Em alguns pontos o projeto melhorou no Congresso. Um deles foi o fim da
tentativa de mudar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O grande
problema com o BPC não é o benefício dado a quem chegou aos 65 anos com
um quarto de salário mínimo de renda real per capita. Mas o fato de que a
Justiça passou a dar o mesmo direito a quem tem uma renda maior do que
essa. Pelo projeto, haverá agora uma definição clara sobre o limite
dessa renda.
O principal problema com a reforma aprovada é que ela não cria um novo
sistema que seja sustentável. Faz uma correção no atual regime, não
ataca as desigualdades de tratamento e cristaliza injustiças. As regras
de transição para os servidores que entraram antes de 2003 no serviço
público ficaram mais brandas. Eles têm as vantagens da integralidade e
da paridade e por isso a reforma tinha incluído a idade mínima para
eles.
Pelo acordo que está sendo negociado, policiais federais, legislativos
ou rodoviários poderão se aposentar aos 52 anos, as mulheres, e aos 53
anos, os homens. Enquanto isso, o Brasil está caminhando para a idade
mínima de 62 e 65 anos. A não ser os professores, que ficarão com 57 e
60 anos. O policial da União sai o grande privilegiado dessa reforma. A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado refez as contas ontem e
projetou uma economia de R$ 714 bilhões com a reforma em 10 anos.
Inicialmente, a IFI já estimava um número menor do que o calculado pelo
governo, de R$ 995 bi. Todas as contas terão que ser refeitas após as
votações dos destaques. O risco é que as regras fiquem ainda mais leves,
para alguns, após essas votações.
Miriam Leitão, economista